Cristiane Bonfanti
Adiamento. Joaquim Mesquita não deixou cargo em ministério
Aposentadoria. Gonzaga Filho: "Tenho direito a salário integral"
BRASÍLIA Para evitar a perda de profissionais qualificados do serviço público em condições de se aposentar, o governo federal ampliou nos últimos anos o gasto com o chamado abono permanência, gratificação paga para o servidor continuar na ativa. Mais do que o peso dessa despesa nas contas públicas (R$ 954,8 milhões em 2012 pagos a 95.166 trabalhadores, com gasto médio mensal de R$ 836 por servidor), a prática evidencia distorções no sistema do funcionalismo. A principal é que, segundo estimativa do próprio governo, na média dos últimos cinco anos, 80% dos que adquirem o direito à aposentadoria preferem continuar trabalhando, o que interessa aos dois lados.
Esse cenário confirma que os servidores públicos têm condições de deixar o trabalho cedo, mesmo em condições de produzir, situação que deve mudar com o Funpresp, o fundo de previdência complementar do servidor. Com o novo regime, quem entrar a partir de agora no serviço público terá de contribuir para o Funpresp, se quiser ganhar uma aposentadoria acima do teto da Previdência Social, hoje em R$ 4,1 mil.
- Além de ser uma estratégia vantajosa para o governo, a concessão de abono permanência é reflexo da maior longevidade e melhor qualidade de vida da população - disse a consultora legislativa do Senado Meiriane Nunes Amaro, especialista em previdência.
Ainda em idade produtiva, muitos potenciais aposentados preferem continuar trabalhando com uma gratificação a mais. Devido ao incentivo financeiro, o servidor Joaquim Mesquita, de 58 anos, optou por não deixar o cargo. No funcionalismo há mais de 30 anos e beneficiado por regras de transição - hoje, a idade de aposentadoria no serviço público é de 60 anos de idade e 35 de contribuição para homens, e de 55 anos de idade e 30 de contribuição para mulheres -, ele poderia ter parado de trabalhar há mais de dois anos. Sem o abono e outras gratificações que perderia, no entanto, sua remuneração seria reduzida em R$ 1,7 mil.
- O abono influenciou. Além disso, ficar parado diminui a expectativa de vida. Minha filha está cursando Medicina e, daqui a dois anos e meio, quando ela se formar, devo me aposentar - disse Mesquita.
Servidor do Ministério da Ciência e Tecnologia há mais de 30 anos, o paraibano Francisco Gonzaga Filho, de 57 anos, poderia ter se aposentado em 2011, mas perderia 25% de seu salário, também pelas regras que beneficiam funcionários mais antigos:
- Tenho direito à aposentadoria com o salário integral a partir de junho deste ano. Aí, sim, vou pedir o benefício.
Desde 2004, quando custava R$ 199,9 milhões (valor já corrigido pela inflação), o gasto com o abono permanência cresceu 377,6%. Proporcionalmente, passou de 0,3% para 1% da despesa anual de pessoal civil do Executivo. Com o atual quadro do funcionalismo mais envelhecido, essa fatura deverá ficar cada vez mais pesada. Hoje, a idade média dos servidores públicos federais do Executivo é de 46 anos - ou seja, é grande o contingente de aposentados num futuro próximo. No Ministério da Agricultura, essa média é de 53 anos e, no da Ciência e Tecnologia, de 51.
Esse cenário tem contribuído para um "boom" no volume de potenciais aposentados. No Executivo, apenas este ano, mais 75.281 servidores terão condições de requerer aposentadoria. Para 2014, o total previsto é de 16.708. Isso significa que 18,7% do total de um milhão de funcionários ativos no Poder Executivo terão condições de se aposentar até ano que vem.
O Ministério do Planejamento observou, porém, que não é possível dizer que esses números representam a quantidade de abonos salariais a serem pagos em 2013 e 2014. "É preciso levar em conta que se trata de uma opção feita pelo servidor. O abono é um incentivo remuneratório para ele permanecer em atividade", informou, em nota.
Para o economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é melhor para o governo pagar o abono permanência do que aposentar uma multidão de servidores todos os anos. Ele explicou que, desde o início do governo Lula, o funcionalismo teve aumentos salariais expressivos, o que diminuiu a distância entre o salário inicial e o final nas carreiras.
Dessa forma, hoje, quando um auditor fiscal da Receita Federal deixa o trabalho, por exemplo, com um salário final de R$ 19,4 mil, um novo concursado entra com remuneração inicial de R$ 13,6 mil, o que impõe um custo pesado para os cofres públicos.
- É mais barato para o governo pagar o adicional. Antigamente, a diferença dos salários de entrada e saída era grande. Mas ela diminuiu muito - explicou Almeida.
Ele avaliou que, se o governo tivesse regulamentado o Funpresp ainda no governo Lula, todas as contratações dos últimos dez anos teriam um impacto menor na folha de pagamento.
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