A pauta legislativa que surgiu em resposta às manifestações de junho avançou pouco no semestre posterior aos protestos. Levantamento do Valor mostra que, seis meses depois de milhares de pessoas terem ido às ruas pela redução da tarifa de transporte coletivo urbano, melhoria dos serviços públicos e contra a corrupção, apenas dois projetos pautados pelo Congresso se tornaram leis.
A reportagem é de Yvna Sousa e Raphael Di Cunto e publicada pelo jornal Valor, 19-12-2013.
Em discurso na época, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), listou 18 projetos que teriam prioridade na tramitação. Metade sequer foi votada pelos senadores, como a criação do passe livre para estudantes no transporte coletivo de todo o país. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), não fez uma relação dos projetos, mas, dentre os prometidos, como tornar corrupção um crime hediondo, poucos avançaram.
De iniciativa do Legislativo, viraram leis a responsabilização de pessoas jurídicas por corrupção e outros atos contra a administração pública e a redução da folha de pagamento das empresas de transporte coletivo municipal, que ficaram isentas de pagar PIS, Pasep e Cofins sobre o faturamento.
A oposição do Ministério da Fazenda, porém, impediu a votação do Regime Especial de Incentivos para o Transporte Urbano de Passageiros (Reitup), que ampliava a desoneração para o ISS, ICMS e energia elétrica, além de insumos para operação do serviço. O projeto foi aprovado em decisão terminativa pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado pouco após os protestos, mas foi paralisado na Câmara.
A maioria das propostas que foram adiante tiveram o dedo do governo federal. Ou por se tratarem de projetos prioritários para o Palácio do Planalto ou por terem entrado na lista por sugestão da presidente Dilma Rousseff, dentro do pacto pela reforma política.
Entre as sugestões de Dilma estava a discussão sobre a suplência dos senadores. O Senado aprovou uma proposta que impede a escolha de parentes do candidato para a vaga e acaba com a figura do segundo suplente. O texto, entretanto, não avançou na Câmara.
Outra sugestão de Dilma foi o fim do voto secreto nas deliberações do Congresso. O projeto virou lei em novembro, mas só ganhou força quando a Câmara, protegida pelo voto sigiloso, livrou da cassação o deputado Natan Donadon(PMDB-RO), preso por desvio de dinheiro. Antes disto, os partidos arrastavam a indicação dos integrantes da comissão especial que analisaria a proposta de emenda constitucional (PEC) do Voto Aberto.
Parlamentares dos dois lados empurram a responsabilidade para os colegas da outra Casa. Os deputados dizem, por exemplo, que aprovaram a mudança no indexador das dívidas dos Estados e municípios com a União, mas que o texto ficou para 2014 no Senado. Já os senadores apontam pelo menos seis propostas aprovadas por eles que ficaram paradas na Câmara. Entre elas, está a exigência de ficha limpa para todos os servidores públicos e a vinculação de parte da receita líquida da União para a saúde.
A Câmara foi mais eficiente ao decidir enterrar propostas que tinham clara oposição dos manifestantes. A PEC 37, que limitava o poder de investigação do Ministério Público, e o projeto que autorizava a "cura gay" não resistiram aos protestos e foram arquivados no começo de julho.
O líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), admitiu que a Casa não teve capacidade de responder às ruas. "Na minha opinião, e na do povo, a Casa não cumpriu [com o esperado]. Não digo que a Câmara trabalhou mal, mas foi insuficiente porque o mundo político está sob julgamento", disse.
Em pronunciamento ontem de encerramento das atividades deste ano, Renan Calheiros ressaltou o "vigor legislativo" do Senado após as manifestações. "Aprovamos mais de 40 propostas em menos de 20 dias, dando respostas às demandas das ruas", declarou. Na contagem do presidente, no entanto, entram todos os projetos votados neste período e não só os da agenda prioritária.
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