Em primeiro de agosto de 2013, foi sancionada a Lei nº. 12.846. A norma entrou em vigor nesta quarta-feira (29/1), preenchendo o vazio legislativo existente sobre o tema da responsabilidade da pessoa jurídica, no que toca ao envolvimento dessa com atos de corrupção.
A sanção da lei é fruto da pressão popular, sentida em meados do ano passado, quando os movimentos populares foram às ruas, exigindo maior transparência e moralidade no trato da coisa pública.
O legislador, atento às relações negociais, que permeiam o setor público, buscou inibir a corrupção, fraudes à licitação e outras práticas lesivas à administração pública. Isto porque, é claro que a corrupção e as outras atividades ilícitas dispostas na lei são fruto de atos bilaterais. Não há corrompido sem que haja corruptor. A nova lei deve ser louvada, pois traz como alvo, precisamente, a figura do corruptor. Aquele que alimenta a rede de corrupção e impossibilita a sobrevivência do empresário honesto. Sufocando o corruptor, também o será o corrompido.
Frise-se, no entanto, que a responsabilização objetiva administrativa e cível da pessoa jurídica pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira não é uma ideia nova, aliás, é fruto de convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, mas que, somente, viu-se implementada após o povo ir às ruas (v.g. Convenção de Combate à Corrupção de Agentes Públicos em Transações Comerciais Internacionais, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimentos Econômico (OCDE), datada de 1997).
Atos de corrupção ou fraudes à licitação, verbi gratia, até hoje, quando muito, apenas redundavam em responsabilidade das pessoas físicas. A exceção ficava por conta das declarações de inidoneidade ou proibições de contratação com o Poder Púbico, previstas nas Leis 8.666/1993 e 8.429/1992 (Licitações e Improbidade Administrativa, respectivamente). Isso é muito pouco, sobretudo se observado o fato de que, em regra, são as empresas as grandes beneficiadas pelos crimes cometidos.
O novel diploma legal, resumidamente, responsabiliza as pessoas jurídicas, uma vez comprovados os fatos, o nexo causal e o resultado, satisfazendo-se apenas com o vínculo entre o ato lesivo e o resultado. Importante registrar que o significado de pessoa jurídica, para efeito da lei, é amplo, albergando fundações, associações de entidades ou pessoas, instituições educacionais, de assistência social, regulares ou irregulares, e demais sociedades simples e empresárias.
Para a lei, consideram-se infrações: prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público ou a terceira pessoa a ele relacionada; financiar, patrocinar ou custear ou de qualquer modo subvencionar a prática de ato ilícito; utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados (laranjas); frustrar, impedir licitação ou afastar licitante de modo fraudulento ou com o oferecimento de vantagem; criar de modo fraudulento ou irregular pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo.
A lei ainda indica sanções administrativas e judiciais, como multas que variam de 0,1% a 20% sobre o faturamento bruto, nunca inferior ao valor da vantagem irregular conseguida; na impossibilidade de se auferir esse montante, deve-se aplicar multa no valor entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões. É possível, inclusive, dissolver, judicialmente, a empresa, decretando o perdimento de seus bens, além de outras penas já dispostas na Lei de Improbidade Administrativa.
Anote-se que a responsabilização da pessoa jurídica não impede que a pessoa física dirigente ou administrador, bem como ou coautores e partícipes sejam responsabilizados. Pelo contrário, a responsabilidade desses deve ser apurada, inclusive na seara criminal. A lei, no entanto, foca nas empresas, local onde se retiram recursos para corrupção.
Nessa senda, criou-se o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) para publicizar e elencar as penalidades impostas às empresas, com base na lei. A delação premiada (acordo de leniência), também está prevista. O instituto tem por escopo beneficiar os envolvidos — inclusive pessoa jurídica — que decidirem colaborar com as investigações, desde que seja a primeira a fazê-lo e, efetivamente, forneça informações, que esclareçam os fatos e identifiquem os envolvidos. Aqui cabe uma crítica Essa inovação, já constante da lei de lavagem de dinheiro e de concorrência, deve ser bem acompanhada, na prática, a fim de que não seja desnaturado seu conteúdo e se estimule a delação para fins de que concorrentes sejam prejudicados com denúncias infundadas.
Outra importante inovação é a previsão na norma de valorização do compliance, como forma de atenuar as sanções a serem impostas às pessoas jurídicas. Isto quer dizer que se a empresa se preocupar e, efetivamente, se dispuser a criar mecanismos de controles internos, códigos de ética, auditorias regulares e de incentivo a denúncias, com o objetivo de evitar atos de improbidade, seu esforço será sopesado em favor do empresários e da empresa, quando da imposição de penalidade.
Desta feita, a atenuante do compliance, sua relação com a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações e imposição das penalidades (artigo 7º, inciso VII), farão surgir novas questões no ambiente das empresas. Tudo isso, porque o empresário que, fomentar as investigações no seio da própria empresa, terá um benefício legal, mas será, frequentemente, questionado sobre limites e direitos dos investigados. Só existe, portanto, uma forma de minorar os prejuízos às empresas e aos empresários: a confecção de códigos de ética e de procedimentos internos abrangentes e claros, consentâneos com o ordenamento jurídico e investimento em auditorias periódicas autônomas.
Oxalá, sejam adotadas essas providências, já que, se a lei “pegar”, parece claro que a Administração Pública conseguirá dar um salto de qualidade no combate à prática de ilícitos contra seu patrimônio, o que em última análise, é seu objetivo. Fortalecer, eticamente, o particular, para que esse não corrompa o público! E se o público tentar corromper o particular, esse não o faça, nem que seja pelo temor de multas e dissolução da empresa.
Destarte, elogio ao legislador deve ser tributado, pois esse anteviu a concretização do combate à corrupção, de maneira inteligente, não proliferando a legislação brasileira com a inútil e tão utilizada ameaça de prisão. Essa lei, acertadamente, não tem conteúdo de norma penal (ultima ratio), mas será muito mais eficaz, pois inibirá comportamentos dos beneficiários dos ilícitos por lhes atingir no bolso.