Ação da droga, já considerada um dos maiores problemas de saúde e segurança pública do País, leva usuários à rápida dependência e a situações extremas
Fábio Serapião
Apresentado ao crack por um amigo, o artista e escritor Jéferson, de 29 anos, viu sua família se distanciar, sua saúde se deteriorar e sua felicidade ir embora por causa da vida que levava em busca da euforia proporcionada pela droga. “O crack domina a pessoa, tira ela da realidade”, diz Jéferson, nome fictício, como o de todos os dependentes ouvidos para esta reportagem.
O crack é uma forma impura da cocaína e, ao contrário do que muitos acreditam, não um subproduto dela. O nome é derivado do verbo “to crack”, que, na língua inglesa, significa quebrar e faz alusão aos estalidos provenientes de sua queima. Para produzir a droga, a cocaína em pó é dissolvida em uma mistura de água e amônia ou bicarbonato de sódio e, depois de fervida, separa-se a parte sólida, que é resfriada. Em um segundo momento, ela é posta para secar e depois cortada em pequenos pedaços — as “pedras”.
Os primeiros relatos sobre o uso são datados do início da década de 80 e de lá até os dias de hoje ela se tornou um dos principais problemas de saúde pública e segurança nos grandes centros urbanos. Uma estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o número de usuários no Brasil está em torno de 1,2 milhão e são gastos cerca de 1,3% do Produto Interno Bruto(PIB) com o combate e tratamento contra o uso da droga. Em Campinas, estima-se que entre 600 e 800 pessoas são dependentes do crack. Desse total, 20% estão em situação de vulnerabilidade social, ou seja, não possuem família e moradia fixa.
De acordo com Sílvia Cazenave, professora de toxicologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), é a forma como o crack é usado — via sistema respiratório — que faz dele um sucesso entre os usuários do mundo inteiro. “A cocaína em forma de crack, ao ser fumada, chega ao cérebro e produz seu efeito em cinco segundos, enquanto a cocaína aspirada pelo nariz leva de dez a 15 minutos para agir.”
Essa rapidez na ação, segundo a professora, se deve à forma molecular da cocaína encontrada no crack. Denominada de bases livres, ela é solúvel em gordura e consegue atravessar as membranas do organismo e se propagar por todas as partes do corpo em poucos segundos. “O perigo está aí. Em poucos segundos, ela chega ao cérebro e atinge uma área do sistema nervoso central conhecida como sistema de recompensa ou gratificação”, explicou Sílvia, que salientou a ação do crack no bloqueio da absorção natural do neurotransmissor dopamina — responsável pela sensação de prazer — como fundamental para a dependência. Com os neurônios encharcados dessa substância, surge a sensação de imensa euforia, característica da droga.
Mas, segundo a professora, é impossível quantificar o número de vezes necessárias para se tornar um viciado. “Uma pessoa pode usar apenas uma vez e já se viciar. Outras tem de repetir o uso por semanas até não conseguir mais parar”, explicou Sílvia.
Dopamina
Usuário da droga por três anos, Jéferson sabe muito bem qual o efeito da dopamina no corpo. “O meu tempo com a droga não foi tão longo, mas foi ele que acabou com minha vida e me levou a outras drogas, como cocaína injetável, que me fez ter uma overdose”, contou.
Jéferson seguiu um caminho não muito comum entre os usuários. Normalmente, eles chegam até o crack após utilizar outros tipos de entorpecentes. Foi o que aconteceu com o segurança Agenor, de 49 anos. Amante das rodas de samba e dos botecos da cidade, foi levado a uma boca de crack por um amigo durante uma bebedeira de final de semana. Como na maioria dos casos, o experimentar foi fatal. “Eu acreditava que era algo simples, que no outro dia ia acordar normal e nunca mais is usar. Mas não foi, no outro dia acordei e fui para boca buscar mais droga”, disse ele.
Dependência
“É uma sensação de felicidade, você se sente muito bem, mas tudo isso é ilusão. Você fuma, acha que é a pessoa mais feliz do mundo e, quando passa, você olha no relógio e não se passaram nem dois minutos”, conta a faxineira Marta, de 45 anos e em tratamento há quatro meses após passar cinco anos de sua vida nas ruas das cidades da região em busca da droga.
Para a professora da PUC-Campinas, no caso do crack, a dependência está diretamente relacionada com a velocidade de sua ação no organismo. “A cocaína demora para produzir o ‘barato’, mas também leva mais tempo para sair do corpo. O crack age rápido, mas tem um período de ação breve. Em poucos minutos é preciso comprar outra pedra”, explicou.
Essa ânsia pela droga fez estragos na vida de Marta. Depois de alguns meses vagando pelas ruas de Campinas em busca da droga, ela chegou ao fundo do poço. “A droga faz você perder a noção de tudo. Faz você esquecer das pessoas que você ama, você fica longe de tudo, só perto da droga”, contou ela, que chegou a se prostituir para conseguir uma “pedra”.
Fundo do poço
O primeiro contato com a droga é diferente em cada caso, mas o ponto final da dependência é, na maioria das vezes, muito parecido. “Chegou uma hora que a droga não me satisfazia. Eu queria me matar, estava sem família, sem amigos e sem nenhuma vontade de viver”, declarou Elisa, garota de programa de 36 anos que teve os ossos do rosto quebrados por um traficante durante a última vez que usou o crack, há três meses.
Em tratamento há um ano e cinco meses, Agenor hoje acredita que a própria droga já é o fundo do poço. “Não tem saída, usei por seis anos. Perdi família, quatro casamentos, carro, casa e, o mais importante, minha dignidade”, conta o segurança, que procurou tratamento após chegar em casa em um domingo — depois de oito dias seguidos usando a droga —– sangrando pela boca e pelo nariz.
Marta, Jéferson, Agenor e Elisa, cada um ao seu modo, experimentaram o crack, se viciaram e chegaram a situações extremas em função da droga. Mas todos, da mesma maneira, acreditam que a dependência do crack é uma doença. “Enquanto os políticos, ou seja lá quem for responsável por isso, não descobrirem que o dependente é um doente, nada vai mudar e muitos ainda vão morrer sem ao menos ter a chance que nós tivemos”, concluiu Agenor.
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