O Estado de S.Paulo
Com cerca de 700 artigos, o projeto do novo Código de Processo Penal foi aprovado em primeiro turno pelo Senado, em votação simbólica, com a presença de apenas 10 dos 81 senadores. O texto havia sido aprovado pelas comissões técnicas em dezembro do ano passado. Mas, como havia sofrido muitas e polêmicas modificações, o relator, senador Renato Casagrande (PSB-ES), propôs que ele fosse submetido a um reexame pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), durante 2010, para ser aperfeiçoado em termos conceituais e técnicos.
Na semana passada os senadores votaram o substitutivo proposto pela CCJ, deixando para a votação de segundo turno - que deverá ocorrer em dezembro - a apreciação de eventuais emendas. Desde que as diretrizes do projeto foram divulgadas, em 2008, o Senado promoveu audiências públicas com conselhos profissionais, órgãos de classe e entidades da sociedade civil. Embora a minuta tenha sido elaborada por uma comissão integrada por conhecidos processualistas e criminalistas, algumas inovações foram consideradas desvinculadas da realidade nacional como utópicas por advogados, promotores e juízes. Mesmo assim, eles reconhecem que o Senado teve o bom senso de ouvir todos os setores interessados e de acolher as propostas que contavam com o maior apoio entre os especialistas. Só alguns poucos órgãos corporativos e sindicais reclamaram por não terem sido consultados.
A legislação processual penal estava, até agora, entre as mais defasadas do ordenamento jurídico brasileiro. Ela foi adotada há mais de sete décadas pela ditadura varguista, quando eram outras as condições sociais, culturais e econômicas do País. Além de adequar a legislação em vigor à Constituição de 88, o projeto do novo Código consagra medidas inimagináveis na época em que o atual entrou em vigor - como o monitoramento eletrônico de presos, a realização de videoconferências para depoimentos e interrogatórios e a utilização da internet para remessa de informações.
A legislação processual penal proposta agiliza a tramitação das ações criminais, reduzindo o número de recursos e permitindo que a Justiça autorize a alienação de bens apreendidos antes do julgamento de mérito. Também redefine a função dos promotores, amplia os casos de decretação de prisão preventiva e atualiza os valores da fiança, permitindo aos juízes reduzi-los ou aumentá-los conforme a situação econômica do réu. E ainda tenta fechar as portas para as manobras protelatórias de advogados de defesa, apresentadas com o objetivo de obter a prescrição dos crimes cometidos por seus clientes.
Os autores do projeto do novo Código de Processo Penal afirmam que algumas inovações foram concebidas para proteger as pessoas dos abusos policiais que são comuns na fase de investigação. Os críticos, no entanto, afirmam que o texto não foi rigoroso com o uso abusivo da interceptação telefônica, que em alguns casos passa a ser permitida num prazo máximo de até um ano ininterrupto, e restringiu o uso do habeas corpus, que passa a ser admitido apenas para os casos de prisão.
Na versão original do projeto, a inovação mais controvertida previa a condução das ações judiciais por dois magistrados - um seria responsável pela instrução, ficando encarregado de decidir as medidas cautelares pedidas durante as investigações, e outro teria a atribuição de prolatar a sentença, não podendo requerer a produção de novas provas. Como em mais de 50% das comarcas do País há apenas um juiz e em alguns Estados do Norte e do Nordeste existem casos de um único magistrado ter de responder por comarcas distantes mais de 100 quilômetros uma da outra, o relator Renato Casagrande aceitou a inovação, mas propôs a criação do "juiz de garantias regional", para atender essas cidades.
Depois da votação de 2.º turno, o Código de Processo Penal será enviado à Câmara. Se os deputados trabalharem com afinco, dentro de um ano o País contará com uma moderna legislação processual penal.
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