Os entraves ao discurso
Em resposta ao artigo de Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos e Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Crisp) (Opinião, 12.3.2011), a Associação dos Delegados da Polícia Civil de Minas Gerais (Adepolc-MG) argumenta:A integração da Defesa Social no Estado ainda não é realidade. Comungamos a mesma visão quanto ao "ideal" de integração das atividades das duas corporações. Mas às discussões propostas pelo autor suscitamos questionamentos e reflexões, sem os quais qualquer modelo de gestão restará esvaziado de efetividade.
Por que ainda há profissionais trabalhando sem condições mínimas de trabalho e recebendo baixos salários? Por que esse assunto não recebe a atenção dos especialistas em segurança pública do Estado e do governo? Por que não são implementadas políticas públicas que possam desestruturar a criminalidade na sua base de organização?
Atualmente, os vencimentos dos delegados mineiros estão com líquido inferior a R$ 4.000, uma vez que o salário inicial é de R$ 5.800. Em Brasília, um delegado recém-aprovado recebe R$ 13.000. Estados como Alagoas, Ceará, Maranhão e Piauí, por exemplo, com receita menor que a de Minas, remuneram seus delegados com valores bem mais elevados. O fato de um dos Estados mais ricos do Brasil pagar o segundo pior salário soa como afronta à atividade, como negligência à sua importância.
Segurança pública requer orçamento compatível para seu custeio. Salário justo não é despesa. Condições de exercício da atividade das polícias é necessidade: melhor aparelhamento das polícias, qualificação de policiais civis e militares, viaturas, coletes à prova de balas, assistências a suas famílias etc.
Enfim, garantia de seus direitos de cidadãos e profissionais. Inadmissível a Polícia Civil, que lida com o perigo constante, não ter adicional de periculosidade; carreira jurídica, já aprovada em lei, mas que ainda não foi cumprida; policiais trabalhando mais de 40 horas semanais, sem equiparação salarial; um "efetivo" insuficiente para atender à demanda crescente; entre outros direitos. Apresenta-se com igual relevância a necessidade de investimentos substanciais nas áreas de educação e saúde e em programas de profissionalização, com vistas à estruturação de perspectivas que possam afastar os jovens do tráfico de drogas e da criminalidade.
A segurança pública é assunto de interesse nacional que não pode prescindir da valorização real de seus profissionais, quer sejam civis ou militares.
O modelo dual de organização policial não se constitui em entrave à integração, desde que as lideranças políticas e os especialistas reconheçam as atribuições das duas corporações pela remuneração digna. A Constituição distingue as funções, mas equipara as corporações policiais, civil e militar, ao seu grau de importância. "Diálogo aberto e transparente", sem direcionar a lupa para os entraves fáticos, pode resvalar em discurso utópico.
DIREITO DE RESPOSTA PUBLICADO NO JORNAL OTEMPO
Abaixo o artigo do Coordenador do Crisp da UFMG, Cláudio Beato.
Integração das polícias e segurança pública em Minas
O processo de integração da Defesa Social do Estado de Minas Gerais está em questão. Críticas crescentes por parte das entidades e membros ligados a partidos parecem antecipar precocemente o debate eleitoral de 2014. Terminaram escolhendo alvos que deveriam ser preservados em nome do interesse público, acima de colorações ideológicas ou interesses corporativos.
A integração do sistema de defesa social (e não apenas das polícias) é uma conquista de nosso Estado, que desenvolveu um processo que hoje serve como referência para outros Estados.
No entanto, quem anda por Belo Horizonte depara com várias pichações feitas por sindicato afirmando que o processo de integração é uma farsa. Somado ao evento recente de confronto isolado entre policiais nas ruas, pretende-se construir um quadro que negligencia o sem-número de resultados logrados pela metodologia de integração das polícias em Minas Gerais. Mas seria essa reiterada afirmação verdadeira?
O modelo adotado por Minas foi o Integração e Gestão da Segurança Pública (Igesp), inspirado em várias experiências de sucesso em diferentes países do mundo. Ele se dá através de reuniões de discussões em torno de problemas de segurança pública com policiais e membros das inúmeras entidades governamentais e não governamentais, estaduais e municipais.
Nesses encontros, estão policiais tanto gestores como pessoal operacional, com o objetivo de compartilhar informações entre si e discutir possíveis soluções para os principais problemas identificados. Alem disso, levantam-se demandas dos policiais acerca de infraestrutura logística e de pessoal, bem como traçam-se metas para a próxima reunião. Ocorrem reuniões preparatórias com policiais civis e militares que devem trocar informações e dados para os problemas detectados durante as reuniões plenárias.
Foram feitas mais de 1.100 dessas reuniões desde 2005. Apenas para este ano, quando o processo será finalmente expandido para todo o interior de Minas, estão previstas mais 450 reuniões nas mais diversas regiões do Estado. Em média participam mais de 50 profissionais em cada reunião plenária, portanto é um equívoco dizer que esse processo não é participativo.
Além disso, não se devem desconhecer os resultados alcançados por esse processo. Antes de se iniciar o Igesp, em 2004, eram contabilizados 102.562 crimes violentos em todo o Estado. Apenas em Belo Horizonte, eram 42.134 e, na região metropolitana, 21.836 crimes violentos por ano. Terminamos o ano de 2009 com uma diminuição para 59.478, o que significa menos 58% de crimes. Na capital, a redução foi da ordem de 45% e, no resto do Estado, de 75%.
Trata-se de metodologia de interesse que tem inspirado governos estaduais das mais diversas origens. Pernambuco, Rio de Janeiro e Acre inspiraram-se explicitamente no modelo mineiro, que, aliás, deveria ser brasileiro, pois a segurança é de interesse nacional.
Não é trivial desenvolver um modelo como esse, pois se teve que lidar com as limitações impostas por nosso modelo dual de organização policial estabelecido por meio de nossa Constituição.
Evidentemente existem problemas, especialmente no que diz respeito aos limites de atuação das polícias. Dado que somos obrigados constitucionalmente a conviver com uma dualidade organizacional, muitos conflitos serão inevitáveis, mas o espírito é que eles sejam discutidos nas reuniões de forma aberta e transparente.
Fonte: O Tempo
Fonte: Adepolc/MG
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