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terça-feira, 22 de novembro de 2011

O novo Código Florestal e o impacto na água. Entrevista especial com José Galizia Tundisi


 
“O novo Código Florestal não está considerando o papel dinâmico da vegetação no sistema ambiental”, declara José Galizia Tundisi, referindo-se à redução e utilização de áreas alagadas e florestais para o plantio. O pesquisador explica que as matas e áreas ripárias são fundamentais para a manutenção do ciclo hidrológico e a não preservação desses territórios irá interferir diretamente na quantidade e na qualidade da água. “A vegetação constitui um componente muito importante para o ciclo da água, porque ela a retém e a infiltra no solo, contribuinto com ar para atmosfera através da transpiração e da evapotranspiração”.
Em entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line, José Galizia Tundisi também explica que, caso o novo texto do Código Florestal seja aprovado, o custo com o tratamento da água poderá aumentar porque a “remoção, tanto de áreas alagadas como de vegetação, causa naturalmente uma perda de qualidade da água”, menciona. E esclarece: “Onde há a preservação dos mananciais, gastam-se no máximo 2 ou 3 reais por 1000 metros cúbicos para tratar a água, enquanto em regiões degradas gastam-se mais de 300 reais para tratar a água, só com substâncias químicas. Essa diferença é o trabalho que a vegetação e as áreas alagadas fazem e que serão retirados pela insanidade do Código Florestal”.
O texto do novo Código Florestal começou a ser discutido na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle – CMA, na manhã de ontem, 21-11-2011. A votação do texto deverá acontecer na próxima quarta-feira. Caso aprovado, o projeto segue para o Plenário, para a última etapa de tramitação no Senado.
José Galizia Tundisi é graduado em História Natural, mestre em Oceanografia na University of Southampton e doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é professor titular aposentado da USP e professor titular do curso de Qualidade Ambiental, da Feevale. É presidente da Associação Instituto Internacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental – IIEGA e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia – IIE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line Que impactos o novo texto do Código Florestal pode gerar nos recursos hídricos?
José Galizia Tundisi – O ponto fundamental é que a vegetação constitui um componente muito importante para o ciclo da água, porque ela a retém e a infiltra no solo, contribuindo com ar para atmosfera através da transpiração e da evapotranspiração. Portanto, a vegetação tem uma função dinâmica no ciclo da água. A remoção desta vegetação vai justamente causar problemas qualitativos e quantitativos na água, porque a vegetação filtra materiais em suspensão, metais pesados, e retém estas substâncias e elementos em suas raízes. A quantidade da água também será prejudicada porque a reposição da água subterrânea fica prejudicada pelo corte da vegetação. O novo Código Florestal não está considerando esse papel dinâmico da vegetação no sistema ambiental.
IHU On-Line – Em sua opinião, como o novo texto do Código Florestal aborda a questão da preservação das florestas?
José Galizia Tundisi – O novo texto do Código Florestal ameaça transformar as florestas ripárias, que são aquelas florestas derradeiras de rios, em Áreas de Proteção Permanente – APPs. Toda propriedade tem que ter uma área de proteção permanente, e os defensores do novo Código querem incluir essas florestas ripárias na porcentagem das APPs. Qualquer diminuição dos mosaicos da vegetação da bacia hidrográfica é prejudicial.
IHU On-Line – O novo texto do Código Florestal permite esse tipo de plantio? Quais os equívocos do plantio em áreas alagadas?
José Galizia Tundisi – As áreas alagadas têm um papel fundamental na remoção de substâncias e elementos das raízes do sistema, e também são importantes para a recarga dos aquíferos. O Brasil tem 600 mil km² de áreas alagadas, qualquer remoção de tais áreas causará problemas significativos na qualidade e quantidade de água, porque junto com a vegetação existem outros elementos fundamentais na proteção da qualidade e da renovação das águas. Além disso, elas são importantes porque controlam as enchentes, especialmente em regiões urbanas. Portanto, a proteção das áreas alagadas é fundamental no processo de gestão das bacias hidrográficas. Sua remoção para o cultivo de outras plantas também é prejudicial ao ciclo da água.
IHU On-Line – Com que frequência as áreas alagadas costumam ser degradadas e usadas para a agricultura?
José Galizia Tundisi – O Rio Grande do Sul utiliza muitas áreas alagadas para plantar arroz, mas em outras regiões do país ainda há certa preservação. Se houver uma recomendação explícita no novo Código Florestal de que essas áreas alagadas possam ser removidas, certamente sua utilização será ampliada e, consequentemente, haverá uma degradação ainda maior da vegetação dos mosaicos. A combinação de áreas alagadas, matas ripárias e mosaicos de vegetação nas bacias hidrográficas é que faz a diferença na preservação ambiental. O conjunto de elementos estruturais de uma bacia hidrográficas: as matas, as matas galeria e as várzeas é que consegue manter os ciclos funcionando nas bacias hidrográficas e que mantém a qualidade e a quantidade de água. Retirando-se tais componentes, retiram-se as áreas tampão, permite-se que escorra mais material para os rios e que degrade a qualidade da água. Isso irá gerar um prejuízo grande, inclusive para a agricultura brasileira.
IHU On-Line – Os custos com o tratamento da água serão elevados caso o novo texto do Código Florestal seja aprovado? Por quê?
José Galizia Tundisi – Quando se têm áreas com vegetação e mananciais preservados, não é preciso usar tantos insumos químicos para fazer o tratamento de água, pois ele é feito naturalmente pela vegetação, pelas raízes, pelos componentes e pelas áreas alagadas. A remoção, tanto de áreas alagadas como de vegetação, causa naturalmente uma perda de qualidade da água. Então, será necessário gastar mais dinheiro para tratá-la, utilizando mais substâncias químicas para tratar esta água e recuperar a sua potabilidade. Em algumas regiões, onde há a preservação dos mananciais, gastam-se no máximo 2 ou 3 reais por 1000 metros cúbicos para tratar a água, enquanto em regiões degradas gastam-se mais de 300 reais para fazer o mesmo só com substâncias químicas. Essa diferença é o trabalho que a vegetação e as áreas alagadas fazem e que serão retirados pela insanidade do Código Florestal.
IHU On-Line – De que maneira o novo texto do Código Florestal pode prejudicar a agricultura?
José Galizia Tundisi – Pode prejudicar a agricultura de várias maneiras. Vai degradar a qualidade da água dos rios que passam pelas fazendas, pelas regiões de plantaçã, e, com a diminuição das matas ripárias, os rios ficarão desprotegidos. A quantidade de água será diminuída, porque tanto a água superficial como a subterrânea dependem muito da presença da vegetação.
IHU On-Line – Como o Código Florestal aborda hoje a plantação de arroz em áreas de várzea, a questão da pecuária no Pantanal e as culturas que são cultivadas em encostas ou topos de morros? Como esses casos deveriam ser abordados na reformulação do Código Florestal?
José Galizia Tundisi – O Código não se refere muito a essas questões, o que é bastante ruim. O Código não dá muita atenção às áreas alagadas, a não ser pelo fato de que essas áreas serão cultivadas. Portanto, ele deixa uma brecha para o cultivo nesses territórios. Não se mencionam especificamente o arroz ou outras culturas. O código que está sendo proposto ignora a importância das áreas alagadas e não menciona estas importâncias; simplesmente abre uma brecha para o uso, o que é realmente prejudicial.
IHU On-Line – Como esses casos deveriam ser abordados na reformulação do Código Florestal?
José Galizia Tundisi – Depende. O arroz é uma gramínea, e, portanto, seu cultivo faria o mesmo papel que as gramíneas que crescem em áreas alagadas naturais. Por outro lado, essas áreas alagadas têm outro potencial: estimulam a biodiversidade, o que não acontece em uma monocultura de arroz, por exemplo. Uma área alagada natural tem maior diversidade de pássaros, peixes, insetos, além de plantas diferentes, que num conjunto funcionam muito bem. Quando as áreas alagadas naturais são substituídas por uma monocultura, embora não haja um prejuízo muito grande, há naturalmente uma perda das funções da área alagada.
IHU On-Line – É necessário atualizar o Código Florestal vigente?
José Galizia Tundisi – Sim. É importante atualizar o Código Florestal vigente, mas o Brasil perderá a oportunidade de criar condições de proteger a sua biodiversidade e de aumentar a capacidade de uso que dela se faz, caso seja aprovado o novo Código Florestal.
IHU On-Line – Por que, em sua avaliação, há tanta pressa em votar o novo Código Florestal?
José Galizia Tundisi – Porque os grandes produtores têm pressa em aprová-lo. O que está acontecendo é que os grandes produtores estão se escondendo atrás dos pequenos produtos. Estão dizendo que o novo Código Florestal vai proteger os pequenos produtores, mas não é verdade. Ele vai proteger os grandes, e são eles que têm interesse em aprovar o novo texto e, especialmente, a questão das anistias das multas. A partir da aprovação do novo Código, eles querem plantar mais. Não sei qual é a pressa em plantar mais, uma vez que o problema não é aumentar a área plantada, mas sim aumentar a eficiência da área já plantada. É necessário atualizar o Código Florestal vigente; mas isso pode ser feito sem assoberbamento, utilizando a informação científica, equilibrando as informações científicas com o desenvolvimento.
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