Operação Furacão
Ao condenar 23 réus do processo principal da Operação Furacão, realizada em abril de 2007, a juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal Criminal do Rio, acabou reconhecendo o recebimento de propinas pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Medina, e pelo desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, José Eduardo Carreira Alvim, ambos aposentados compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça.
Na condenação, ela especifica os crimes cometidos pelos acusados. Na corrupção ao desembargador do TRF-2 e ao ministro do STJ foram condenados ao todo 12 réus, sendo que dez deles nos dois casos, enquanto os outros dois foram condenados pela corrupção a apenas um magistrado cada réu.
A juíza Ana Paula, que trabalhou durante suas férias para concluir esta fase do processo, fez uma extensa sentença com mais de 1.500 páginas. Nesta terça-feira (13/03), servidores da 6ª Vara estavam empenhados em montar os cinco volumes apenas com a decisão assinada na véspera. De tão grande, houve dificuldade no acesso ao dispositivo da sentença, que explicita as condenações e penas.
Penas pesadas
Sua mão foi bastante pesada. Os três bicheiros — Turcão, Capitão Guimarães e Anísio — condenados por todos os crimes de que foram acusados, ganharam inicialmente pena de 48 anos, oito meses e 15 dias de prisão, em regime fechado, além de multa no valor de 17.700 salários mínimos.
Como eles estão com mais de 70 anos, foi reconhecido o benefício da redução do tempo de prescrição e considerado prescrito o crime de formação de quadrilha, reduzindo a condenação final a pouco mais de 45 anos.
Tanto o ministro Paulo Medina como o desembargador Carreira Alvim não estavam sendo julgados neste processo da 6ª vara Federal. Como tinham direito a foro privilegiado, respondem à Ação Penal 552 no Supremo Tribunal Federal, na qual são processados outros três réus: o desembargador Ernesto da Luz Pinto Dórea, do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas; o procurador Regional da República do Rio, João Sérgio Leal Pereira; e Virgilio de Oliveira Medina, irmão do ministro do STJ, que lá foi acusado pelo crime de corrupção enquanto na Justiça do Rio respondeu, e foi condenado a dois anos e seis meses, por formação de quadrilha.
Apesar de a Ação Penal do STF ter iniciado junto com o processo 2007.51.01.802985-5 da 6ª Vara Federal, e mesmo contendo quatro vezes menos acusados que a ação que tramitou no Rio, ainda não há previsão de julgamento daqueles réus. O caso encontra-se parado.
Em maio do ano passado, o relator, ministro Gilmar Mendes, diante das aposentadorias compulsórias de Medina e Carreira Alvim, concluiu que não havia mais motivos para a tramitação em foro privilegiado e determinou a remessa dos autos para a Justiça Federal do Rio, à livre distribuição. Medina, porém, recorreu da decisão e este seu recurso até hoje não foi apreciado.
Outra questão poderá ser levantada: como o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) não promoveu qualquer punição ao procurador regional João Sérgio, ele continua no cargo e, portanto, detentor de foro privilegiado. Desta forma, só poderá ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, onde Medina exercia suas funções. Se a decisão de Gilmar Mendes for cumprida, após o processo chegar ao Rio haverá nova discussão sobre o foro adequado.
O segundo reconhecimento
É a segunda vez que um juiz de primeira instância ao analisar as provas colhidas nas investigações da Operação Furacão confirma o recebimento de propinas pelo desembargador aposentado Carreira Alvim, que sempre clamou por sua inocência, inclusive escrevendo um livro sobre o caso.
Como a ConJur noticiou, ao condenar os advogados Silvério Luiz Néri Cabral Júnior (OAB-RJ 117117), genro do desembargador, e Antonio José Dantas Correa Rabello (OAB-PE 5870) a seis anos de reclusão cada um por lavagem de dinheiro, o juiz Erik Navarro Wolkart, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, confirmou também que houve pagamento por decisões judiciais dadas por Carreira Alvim no TRF-2.
Estas duas decisões em primeira instância não vinculam a decisão do STJ ou do Supremo Tribunal Federal, mas certamente criarão muito constrangimento caso os corruptores tenham sido condenados na Justiça de primeiro grau e os corrompidos venham a ser absolvidos em outra instância superior.
Insistindo nas prisões
Em outra parte da sentença, Ana Paula tomou uma decisão que conflita com decisões anteriores do próprio Supremo. Ao decretar a prisão de dez dos 23 condenados, entre eles os três bicheiros considerados integrantes da cúpula do jogo no estado do Rio — Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, Antonio Petrus Kalil, o Turcão e Aniz Abrahão David, o Anísio da Beija-Flor — ela própria destacou a decisão do tribunal superior na fase inicial do processo.
A juíza, em 850 linhas com mais de 8 mil palavras, faz uma extensa explicação dos motivos que a levaram a decretar as prisões destes réus, apesar das decisões anteriores libertando-os.
Ela começa explicitando que, à vista do que decidiu o Supremo ao determinar a liberdade dos réus presos, “entendo não representar ofensa à decisão daquela Corte o reexame dos fundamentos para a decretação da prisão preventiva. Isto porque, como restou bem claro naquela ocasião, a decisão ali tomada deu-se em função do contexto probatório preliminar existente naquele momento”.
Ligações mafiosas
Apegando-se às provas colhidas no decorrer do processo — “que alteram substancialmente o quadro probatório” — ela reexamina a questão e apresenta motivos que justificam a custódia dos principais cabeças da quadrilha.
Começou definindo o grupo como mafioso: “Estamos diante de verdadeiro aparelho organizado de poder, de enormes dimensões, fortemente hierarquizado, que conta com uma clara divisão de trabalho entre suas centenas de membros, compartimentalização — traduzida, como se viu, na absoluta ausência de contato da cúpula com o terceiro estrato da quadrilha e sua base —, íntima conexão com o Estado — através da corrupção de centenas de agentes públicos e o financiamento de campanhas políticas —, e a exploração de mercados ilícitos, praticada por meio de controle territorial”.
Cita as inúmeras provas colhidas nas buscas e apreensões que demonstram a ligação da máfia do jogo no Rio com grupos criminosos da Itália e de outros países. Há documentos relacionando os bicheiros fluminenses aos irmãos Alejandro e Johnny Ortiz os quais, segundo informações levantadas pela Polícia Federal, mantinham ligações com mafiosos investigados na Operação Malocchio, desencadeada pela DIA (Direção de Investigação Antimáfia, de Roma), que terminaram condenados naquele país.
Dossiê dos Aloprados
Nas suas explicações, ela também fala das ligações dos bicheiros com a política destacando que na casa de Turcão, no bairro de Camboinhas, em Niterói, foram encontrados documentos relacionados à investigação do malfadado Dossiê dos Aloprados: “Em relação à infiltração na política em nível estadual e federal, as buscas e apreensões também trouxerem robustos elementos de que a quadrilha financia campanhas eleitorais, tem proximidade suspeita com políticos da esfera estadual e federal, havendo ainda indícios, a serem confirmados em investigações próprias, de que teria repassado dinheiro a vários nomes importantes no cenário da política estadual e nacional, como expus no item 1 desta sentença. Relembre-se também, como expus no item 2.3, que na casa de Antonio Kalil (MB 60) foi encontrada cópia do relatório de inquérito policial sobre o rumoroso “caso do dossiê”, que apurou o suposto financiamento, por bicheiros do Rio de Janeiro, de investigações clandestinas sobre candidatos à Presidência da República”.
Depois da longa explicação, na qual cita outras decisões de tribunais superiores justificando as prisões de condenados cujos processos não transitaram em julgado, ela conclui que “a prova colhida demonstrou cabalmente estarmos diante de perigosíssima organização criminosa, que atua sim, há décadas, no Estado do Rio de Janeiro, fortemente infiltrada no aparelho policial e, diante de seu poderio econômico-financeiro, na política em níveis estadual e federal. Este funcionamento ininterrupto há anos, porém, não é fruto apenas da inoperância do aparelho estatal, como se considerou no julgamento do HC 91723/RJ. Não. Ele é o resultado exitoso de uma estrutura mafiosa de funcionamento do bando, que mata, corrompe e se impõe pelo medo àqueles que lhe oponham resistência”.
Apesar das penas impostas terem sido consideradas exageradas pelas defesas que vão recorrer da decisão, o Ministério Público Federal também anunciou que estudará uma provável Apelação ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região para aumentar ainda mais algumas condenações.
Processo 2007.51.01.802985-5 da 6ª Vara Federal
Ação Penal 552 no Supremo Tribunal Federal
Na condenação, ela especifica os crimes cometidos pelos acusados. Na corrupção ao desembargador do TRF-2 e ao ministro do STJ foram condenados ao todo 12 réus, sendo que dez deles nos dois casos, enquanto os outros dois foram condenados pela corrupção a apenas um magistrado cada réu.
A juíza Ana Paula, que trabalhou durante suas férias para concluir esta fase do processo, fez uma extensa sentença com mais de 1.500 páginas. Nesta terça-feira (13/03), servidores da 6ª Vara estavam empenhados em montar os cinco volumes apenas com a decisão assinada na véspera. De tão grande, houve dificuldade no acesso ao dispositivo da sentença, que explicita as condenações e penas.
Penas pesadas
Sua mão foi bastante pesada. Os três bicheiros — Turcão, Capitão Guimarães e Anísio — condenados por todos os crimes de que foram acusados, ganharam inicialmente pena de 48 anos, oito meses e 15 dias de prisão, em regime fechado, além de multa no valor de 17.700 salários mínimos.
Como eles estão com mais de 70 anos, foi reconhecido o benefício da redução do tempo de prescrição e considerado prescrito o crime de formação de quadrilha, reduzindo a condenação final a pouco mais de 45 anos.
Tanto o ministro Paulo Medina como o desembargador Carreira Alvim não estavam sendo julgados neste processo da 6ª vara Federal. Como tinham direito a foro privilegiado, respondem à Ação Penal 552 no Supremo Tribunal Federal, na qual são processados outros três réus: o desembargador Ernesto da Luz Pinto Dórea, do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas; o procurador Regional da República do Rio, João Sérgio Leal Pereira; e Virgilio de Oliveira Medina, irmão do ministro do STJ, que lá foi acusado pelo crime de corrupção enquanto na Justiça do Rio respondeu, e foi condenado a dois anos e seis meses, por formação de quadrilha.
Apesar de a Ação Penal do STF ter iniciado junto com o processo 2007.51.01.802985-5 da 6ª Vara Federal, e mesmo contendo quatro vezes menos acusados que a ação que tramitou no Rio, ainda não há previsão de julgamento daqueles réus. O caso encontra-se parado.
Em maio do ano passado, o relator, ministro Gilmar Mendes, diante das aposentadorias compulsórias de Medina e Carreira Alvim, concluiu que não havia mais motivos para a tramitação em foro privilegiado e determinou a remessa dos autos para a Justiça Federal do Rio, à livre distribuição. Medina, porém, recorreu da decisão e este seu recurso até hoje não foi apreciado.
Outra questão poderá ser levantada: como o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) não promoveu qualquer punição ao procurador regional João Sérgio, ele continua no cargo e, portanto, detentor de foro privilegiado. Desta forma, só poderá ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, onde Medina exercia suas funções. Se a decisão de Gilmar Mendes for cumprida, após o processo chegar ao Rio haverá nova discussão sobre o foro adequado.
O segundo reconhecimento
É a segunda vez que um juiz de primeira instância ao analisar as provas colhidas nas investigações da Operação Furacão confirma o recebimento de propinas pelo desembargador aposentado Carreira Alvim, que sempre clamou por sua inocência, inclusive escrevendo um livro sobre o caso.
Como a ConJur noticiou, ao condenar os advogados Silvério Luiz Néri Cabral Júnior (OAB-RJ 117117), genro do desembargador, e Antonio José Dantas Correa Rabello (OAB-PE 5870) a seis anos de reclusão cada um por lavagem de dinheiro, o juiz Erik Navarro Wolkart, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, confirmou também que houve pagamento por decisões judiciais dadas por Carreira Alvim no TRF-2.
Estas duas decisões em primeira instância não vinculam a decisão do STJ ou do Supremo Tribunal Federal, mas certamente criarão muito constrangimento caso os corruptores tenham sido condenados na Justiça de primeiro grau e os corrompidos venham a ser absolvidos em outra instância superior.
Insistindo nas prisões
Em outra parte da sentença, Ana Paula tomou uma decisão que conflita com decisões anteriores do próprio Supremo. Ao decretar a prisão de dez dos 23 condenados, entre eles os três bicheiros considerados integrantes da cúpula do jogo no estado do Rio — Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, Antonio Petrus Kalil, o Turcão e Aniz Abrahão David, o Anísio da Beija-Flor — ela própria destacou a decisão do tribunal superior na fase inicial do processo.
A juíza, em 850 linhas com mais de 8 mil palavras, faz uma extensa explicação dos motivos que a levaram a decretar as prisões destes réus, apesar das decisões anteriores libertando-os.
Ela começa explicitando que, à vista do que decidiu o Supremo ao determinar a liberdade dos réus presos, “entendo não representar ofensa à decisão daquela Corte o reexame dos fundamentos para a decretação da prisão preventiva. Isto porque, como restou bem claro naquela ocasião, a decisão ali tomada deu-se em função do contexto probatório preliminar existente naquele momento”.
Ligações mafiosas
Apegando-se às provas colhidas no decorrer do processo — “que alteram substancialmente o quadro probatório” — ela reexamina a questão e apresenta motivos que justificam a custódia dos principais cabeças da quadrilha.
Começou definindo o grupo como mafioso: “Estamos diante de verdadeiro aparelho organizado de poder, de enormes dimensões, fortemente hierarquizado, que conta com uma clara divisão de trabalho entre suas centenas de membros, compartimentalização — traduzida, como se viu, na absoluta ausência de contato da cúpula com o terceiro estrato da quadrilha e sua base —, íntima conexão com o Estado — através da corrupção de centenas de agentes públicos e o financiamento de campanhas políticas —, e a exploração de mercados ilícitos, praticada por meio de controle territorial”.
Cita as inúmeras provas colhidas nas buscas e apreensões que demonstram a ligação da máfia do jogo no Rio com grupos criminosos da Itália e de outros países. Há documentos relacionando os bicheiros fluminenses aos irmãos Alejandro e Johnny Ortiz os quais, segundo informações levantadas pela Polícia Federal, mantinham ligações com mafiosos investigados na Operação Malocchio, desencadeada pela DIA (Direção de Investigação Antimáfia, de Roma), que terminaram condenados naquele país.
Dossiê dos Aloprados
Nas suas explicações, ela também fala das ligações dos bicheiros com a política destacando que na casa de Turcão, no bairro de Camboinhas, em Niterói, foram encontrados documentos relacionados à investigação do malfadado Dossiê dos Aloprados: “Em relação à infiltração na política em nível estadual e federal, as buscas e apreensões também trouxerem robustos elementos de que a quadrilha financia campanhas eleitorais, tem proximidade suspeita com políticos da esfera estadual e federal, havendo ainda indícios, a serem confirmados em investigações próprias, de que teria repassado dinheiro a vários nomes importantes no cenário da política estadual e nacional, como expus no item 1 desta sentença. Relembre-se também, como expus no item 2.3, que na casa de Antonio Kalil (MB 60) foi encontrada cópia do relatório de inquérito policial sobre o rumoroso “caso do dossiê”, que apurou o suposto financiamento, por bicheiros do Rio de Janeiro, de investigações clandestinas sobre candidatos à Presidência da República”.
Depois da longa explicação, na qual cita outras decisões de tribunais superiores justificando as prisões de condenados cujos processos não transitaram em julgado, ela conclui que “a prova colhida demonstrou cabalmente estarmos diante de perigosíssima organização criminosa, que atua sim, há décadas, no Estado do Rio de Janeiro, fortemente infiltrada no aparelho policial e, diante de seu poderio econômico-financeiro, na política em níveis estadual e federal. Este funcionamento ininterrupto há anos, porém, não é fruto apenas da inoperância do aparelho estatal, como se considerou no julgamento do HC 91723/RJ. Não. Ele é o resultado exitoso de uma estrutura mafiosa de funcionamento do bando, que mata, corrompe e se impõe pelo medo àqueles que lhe oponham resistência”.
Apesar das penas impostas terem sido consideradas exageradas pelas defesas que vão recorrer da decisão, o Ministério Público Federal também anunciou que estudará uma provável Apelação ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região para aumentar ainda mais algumas condenações.
Processo 2007.51.01.802985-5 da 6ª Vara Federal
Ação Penal 552 no Supremo Tribunal Federal
Marcelo Auler é jornalista.
Revista Consultor Jurídico,
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