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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Revisitando a suspeição entre juiz e advogado

Segunda leitura



No distante ano de 1940, o juiz paulista Herotides da Silva Lima escreveu:“É preciso porém atentar para as realidades da vida. O magistrado pode ter motivos para ser agradável ao advogado e, favorecendo-o, favorecer diretamente a parte; e é sabido mesmo que certos indivíduos por esperteza ou por má fé contratam determinados advogados por saberem de suas ligações com os julgadores. Tem havido, infelizmente, casos que ferem a sensibilidade da opinião pública; advogados que deixam certos cargos públicos são logo constituídos procuradores em questões de vulto e retumbantes, porque exerceram influência sobre juízes, nomeando-os e promovendo-os, despertando-lhes sentimentos de gratidão. Às vezes, subitamente certos escritórios se movimentam com a notícia de novos rumos na vida política” (Eduardo Espínola Filho, Código de Processo Penal Brasileiro, Borsoi, v. 2., p. 261).
A preocupação daquele magistrado revela que o tema da suspeição entre juiz e advogado é antigo. E persiste até hoje, quiçá agora com maior intensidade. Na verdade, a lei sempre rejeitou a suspeição em tais casos, afirmando que ela só existe entre o juiz e a parte e não entre o juiz e o advogado que a representa Neste sentido o art. 61 do Código de Processo Penal de Primeira Instância, de 29.11.1832, o art. 133 do Decreto 848, de 11.10.1890, o art. 185, II do Código de Processo Civil de 1939, o art. 254, I do CPP de 1941 e o art. 135, I do CPC de 1973.
Qual o motivo de tal posicionamento?
Primeiro, porque se presume que a amizade do juiz com o procurador da parte não afeta seu julgamento. Segundo, porque, à época em que foram editados os Códigos de Processo, as comarcas menores tinham dois ou três advogados e se, das relações criadas pelo convívio próximo, houvesse suspeição, o juiz se declararia suspeito em todos os processos ou os advogados se mudariam para outro local.
Na Itália é diferente. O CPC, Decreto Real 1.443/40, estabelece no artigo 51 que há suspeição entre juiz e advogado, se o magistrado ou sua mulher tiverem causa pendente ou grave inimizade, bem como relacionamento de crédito ou débito com o defensor da parte.
O objetivo da declaração de suspeição é dar à parte o direito a um julgamento imparcial. A amizade próxima do juiz com o advogado da parte contrária, sem dúvida, desperta dúvidas ao adversário sobre a neutralidade necessária. E esta imparcialidade não deve apenas existir, é preciso que pareça existir.
Exagero? Não, por certo. A ninguém agradaria em uma audiência ver o advogado da parte contrária tratando o juiz pelo nome, com uma informalidade própria dos íntimos. Mesmo que o magistrado seja o símbolo nacional da retidão, a parte contrária e seu advogado ficarão desconfiados.
Nestas relações profissionais o juiz caminha em terreno perigoso. Não pode fechar-se a tudo e a todos, porque sua conduta será tida como arrogante, nem deve ser o campeão da popularidade, distribuindo abraços e dando ruidosas gargalhadas. Uma cordialidade discreta e serena, a todos dando atenção, mas economizando gestos e palavras, evitará suposições sobre sua imparcialidade e eventuais problemas decorrentes.
Nos centros menores a situação é mais complexa. Não ir a lugar algum e não aceitar nenhum convite é psicologicamente negativo. Ademais, o juiz precisa do convívio para saber como se conduz a sociedade e julgar melhor. Mas, se todo fim de semana participar de pescarias com o mesmo advogado, em convívio exclusivo, pessoal, certamente suscitará a suposição de favorecimento nas causas do amigo. Hoje, com a evolução tecnológica, poderá ver-se um dia envolvido em uma exceção de suspeição, com base no art. 135, inc. V (interesse no julgamento a favor de uma das partes), na qual se junte uma foto de ambos comemorando algo, informalmente.
Nos grandes centros a cobrança da sociedade é menor. A participação esportiva (v.g., jogar futebol), em confrarias, grupos de interesse, é altamente positiva. E nisto não há problema algum. Mas um juiz da única Vara de Família sair em viagem com o advogado do maior escritório da área na cidade, é permitir que alguém invoque sua suspeição e isto, independentemente do resultado, lhe dará muitos incômodos.
Nos Tribunais colegiados, por vezes, a cautela deve ser até maior. Um advogado que atua na área da Previdência Social e vem a ser nomeado para um TRF pelo quinto constitucional, ao meu ver pode ser apontado como suspeito se vier a integrar uma Turma com competência Previdenciária. É que o novo desembargador, com certeza, deixou uma série de ações com um colega, mas receberá os honorários até o dia de sua posse no Tribunal. Pode ter interesse em que se firme jurisprudência em uma tese que refletirá em ações que patrocinava. Assim, deve evitar assumir competência em matéria previdenciária ou ser tido por suspeito, caso não o faça.
Questão mais complexa é a do advogado filho de um ministro ou desembargador. Evidentemente, tal condição não pode impedir-lhe que exerça a advocacia. Portanto, em princípio, nada pode ou deve ser feito.
Mas, e se ele for contratado somente quando o processo chega ao Tribunal e com o único intuito de facilitar o acesso aos colegas de seu pai? Nesta hipótese, que se torna mais grave nos Tribunais menores, a situação é séria. O advogado que aceita o contrato, mesmo sendo notório que não é por seus dotes intelectuais, pode estar praticando a infração disciplinar prevista no art. 34, inc. XXV do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), ou seja, “manter conduta incompatível com a advocacia”. Quanto ao desembargador (ou ministro) que não deu causa ao fato, em princípio e salvo alguma hipótese excepcional, não será suspeito.
Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, em seu Código de Processo Civil Comentado (RT, 9ª. ed., pgs. 349-357), dão notícia das hipóteses em que a suspeição do magistrado é discutida nos Tribunais. Assim, não se considera suspeito o juiz que: a) exteriorizou sua opinião em um livro ou dissertação de mestrado (TJSP, Exc. Suspeição 110582-0/2, Rel. Nigro Conceição, j. 6.12.2004); b) é professor de Faculdade e o advogado da parte é o diretor (RJTJSP 58/275). Considera-se suspeito: a) o juiz cujo filho é advogado do departamento jurídico da parte; b) o juiz que antecipa que seu julgamento será favorável a uma das partes (RJTJRS 114/295).
Finalmente,um registro. Na Alemanha, para evitar qualquer influência política nas decisões da Corte Constitucional, esta foi instalada na cidade de Karlsruhe e não em Berlim, que é a capital. Portanto, seus juízes não convivem com os representantes do Executivo e do Legislativo.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico

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