Lei de Drogas, de 2006, descriminaliza a dependência química e aumenta a pena para traficantes. A lei ainda é polêmica.
Usuários de drogas precisam ser tratados e traficantes, presos. Sob essa máxima, a Lei Federal 11.343, de 2006, determinou o fim da pena privativa de liberdade para usuários e aumentou o tempo mínimo de prisão para traficantes. Esta é a principal legislação sobre o assunto em vigor no Brasil, mas divide opiniões.
Na opinião do deputado Vanderlei Miranda (PMDB), presidente da Comissão de Prevenção e Combate ao uso de Crack e outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), trata-se de um equívoco. “Isso cria um maravilhoso mercado consumidor para os traficantes. O usuário é sim um problema de saúde pública, mas é também uma questão de polícia”, diz. Ele acredita que o usuário deveria ser detido, levado ao juiz e, nesse momento, optar por ser preso ou se tratar. “É assim na Corte de Drogas de Miami, onde o índice de recuperação é de 70%. O usuário precisa saber que pode ser punido”, conclui.
Essa lei, bem como ações de combate ao uso de drogas e tratamentos dos dependentes químicos, entre outros, foram discutidos no Ciclo de Debates Um Novo Olhar sobre a Dependência Química, uma iniciativa da ALMG, que também promove, em agosto deste ano, a 2ª Marcha contra o Crack e Outras Drogas, além de realizar uma série de matérias sobre o tema.
A legislação federal, porém, parece caminhar em outra direção. Vários outros projetos de lei tramitam no Congresso Nacional para mudar algumas regras. O principal deles, já aprovado pela Câmara dos Deputados e agora sob avaliação do Senado, prevê o aumento da pena mínima de cinco para oito anos de reclusão para acusados de associação criminosa para o tráfico. O texto aprovado na Câmara, porém, diz que se a quantidade de drogas apreendida "demonstrar menor potencial lesivo da conduta", a pena deverá ser reduzida de 1/6 a 2/3 – uma tentativa de impedir que usuários sejam presos como traficantes.
A preocupação faz sentido. Desde a promulgação da Lei de Drogas, em 2006, o sistema judiciário nacional assistiu ao aumento exponencial do número de acusados por tráfico. Em 2005 eram pouco mais de 32 mil pessoas presas sob essa acusação. Em 2011, esse número já chegava a 125 mil, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional.
Estudiosos do assunto acreditam que o salto deve-se à falta de parâmetros claros na diferenciação entre usuários e traficantes, o que levaria à prisão dos primeiros sob a acusação de venda de drogas. Pesquisa de 2011 da Pastoral Carcerária mostra que mais da metade dos presos provisórios acusados de tráfico de crack em São Paulo portavam menos de dez gramas da droga.
Banco de Injustiças
Pedro Abramovay, ex-secretário Nacional de Justiça e professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, é um dos que defende mudanças legislativas que acabem com os equívocos que levam, segundo ele, à prisão de dependentes. “A atual legislação envia para a cadeia só os usuários de crack, pobres em sua maioria devido ao baixo custo do produto, que algumas vezes vendiam a droga para manter seu vício”, diz.
Para Abramovay, esses comerciantes de drogas devem ser tratados como usuários, já que não têm armas, não usam violência e, acima de tudo, largariam o tráfico se conseguissem abandonar o vício. “Enquanto a polícia investe em revistar pessoas na rua, deixa de fazer investigações que levariam à prisão dos chefes do crime. Prender um usuário que vende pequenas quantidades não afeta em nada a economia do tráfico. Ele é logo substituído sem maiores danos ao comércio”, explica.
O jurista é o coordenador do Banco de Injustiças, projeto que leva para o sitewww.bancodeinjustiças.org.br histórias de usuários que passaram pela experiência de serem acusados por tráfico. São relatos como o de Marcelo, 20 anos, que foi detido depois que a polícia invadiu a casa da sua avó, em Saquarema (RJ). A invasão foi, segundo a polícia, motivada por uma denúncia anônima de que haveria armas ilegais no local. As supostas armas nunca foram encontradas, mas Marcelo foi preso por guardar 0,5 grama de crack. A acusação: tráfico de drogas.
“Eu fumava há cerca de um ano, mas nunca vendi nada. Na época, trabalhava como ajudante de pedreiro”, disse à nossa reportagem. Depois de um mês, a Defensoria Pública conseguiu a anulação do processo dada a ausência de evidências. Mas as memórias desses dias ainda perseguem Marcelo. “Eram muitos ratos e baratas. Nem prato para comer a gente tinha, rasguei uma caixa de leite para colocar a comida”, conta ele, que hoje trabalha como porteiro em uma clínica. “Eu ficava em uma galeria subterrânea e não teria nem para onde fugir se explodisse uma rebelião, esse era meu maior medo”, disse.
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