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terça-feira, 2 de julho de 2013

Dilma e o ketchup

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO - O Estado de S.Paulo

Quando um fenômeno sem precedentes ocorre, faltam parâmetros para analisá-lo. As fórmulas gastas e os chavões não servem. Para entender o que acontece com a popularidade da presidente Dilma Rousseff é preciso combinar a ciência política com a física teórica. É exótico, mas o fato em análise também é.

Desde que se começou a sondar regularmente a opinião pública sobre o desempenho dos presidentes brasileiros, após a ditadura, nunca houve uma queda como a de Dilma. Uns governantes chegaram bem mais baixo, outros perderam mais pontos, mas ninguém caiu tão rapidamente quanto a presidente caiu em três semanas.

Dilma perde dois pontos de sua popularidade por dia, em média, desde o começo de junho. É três vezes mais rápido do que a maior perda de qualquer outro presidente desde o general Figueiredo. Colocada num gráfico (http://blog.estadaodados.com/aqueda), a curva de popularidade de Dilma vira uma queda livre, tão vertical que parece que a tinta escorreu. Não é erro.

É uma avalanche. Começou aparentemente do nada e virou um cataclismo. Na física, esses eventos inesperados de proporções gigantescas são associados ao que se chama de estado crítico: um intenso acúmulo de tensões que acabam liberadas de uma vez só. 

É um fenômeno tão ubíquo que ocorre tanto na crosta terrestre (os terremotos) quanto nas garrafas de ketchup. Está presente em todos os lugares, mas é impossível de prever. Ninguém sabe quantos tapas pode dar no fundo da garrafa antes de ela despejar uma dose indesejada de ketchup no sanduíche. Quando se percebe, é tarde demais. Foi o que aconteceu com a popularidade de Dilma.

Havia estresse acumulado em várias camadas da sociedade brasileira, numa trama propícia ao deslizamento. É a inflação corroendo o poder de compra dos emergentes. É a insatisfação crescente de quem viu os de cima e os de baixo subirem enquanto ele camela no mesmo lugar. É o ônibus que não anda, a escola que não ensina, o hospital que não cura. Os protestos dos filhos da classe média foram apenas o último tapa no fundo da garrafa.

Quem viajou para o exterior no fim de maio e voltou hoje terá retornado a um País diferente do que deixou. E não são só os manifestantes bloqueando o caminho do aeroporto. O Brasil rompeu um ponto crítico. O que parecia um sólido apoio popular derreteu, o que era líquido e certo evaporou.
Uma avalanche, um terremoto, um grande incêndio, uma revolução são fruto de uma sequência de fatos aleatórios que acumula cada vez mais tensão até chegar ao estado crítico. Nesse ponto, um simples grão de areia é capaz de fazer desmoronar uma montanha. É a proverbial gota d'água que transborda e rompe o dique.

Tão mais raro é o fenômeno, maior ele é. Uma avalanche como a que atingiu Dilma só se explica pelo acúmulo por décadas de tensões históricas que não encontram mais na política a sua válvula de escape. Os mecanismos de representação ficaram insuficientes para dissipar o estresse e resolver os conflitos.

Com ou sem razão, Dilma personificou a crise. Estava bem na frente quando tudo deslizou. Acabou servindo de para-choque. Mesmo se a presidente propõe algo que tem o apoio de mais de dois terços dos brasileiros - como o plebiscito e a Constituinte para reformar a política -, isso não melhora a sua imagem.

A consequência imediata é que o drive eleitoral mudou. O desejo de continuidade virou desejo de mudança. Os 25% de simpatia que o PT sustenta apesar da crise possibilitam sonhar com um lugar na reta final de 2014, mas são insuficientes para a vitória. Aumenta a pressão para Lula sair da história para voltar à vida.

Na oposição, o cenário passa a ser de briga entre os candidatos pela outra vaga, já que o segundo turno parece garantido. Tudo parece certo, até a próxima avalanche reescrever a história.

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