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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Criminalidade econômica organizada


Diversas questões advindas com a publicação da Lei 12.850/13 são tratadas neste artigo, como: - definição de organização criminosa na Lei 12.850/13; - as diferenças entre o crime de associação criminosa (CP, art. 288) e o de organização criminosa (da Lei 12.850/13) e o âmbito de aplicação da Lei 12.850/13.


LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madrid. Coeditor do portal atualidades do direito.
PALAVRAS-CHAVE: Lei 12.850/13 – Criminalidade organizada – Crime organizado – Organização criminosa.
SUMÁRIO: 1. De que maneira devemos “combater” (controlar) a criminalidade organizada? – 2. Existe crime organizado? – 2.1. Tese de Zaffaroni – 2.2. Tese de Ferrajoli – 3. Crime organizado e princípio da legalidade – 3.1. Antes da Lei 12.850/13 já tinha sido refutada a tese do uso do Tratado de Palermo? – 3.2. A primeira definição de organização criminosa veio com a Lei 12.694/12? – 3.3. Definição de organização criminosa na Lei 12.850/13 – 3.4. Quadro comparativo – 3.5. Quais são as diferenças entre o crime de associação criminosa (CP, art. 288) e o de organização criminosa (da Lei 12.850/13)? – 3.6. Qual é o âmbito de aplicação da Lei 12.850/13? – 3.7. Em que consiste o crime organizado? – 3.8. Direito intertemporal – 4. Variações e dimensões da criminalidade organizada – 5. Segunda premissa posta pelo Professor Ferrajoli – 6. Terceira premissa do Professor Ferrajoli – 6.1. Direito penal mínimo – 6.2. Direito internacional – 6.3. Direito penal formalmente reduzido – 7. As duas sugestões (provocações?) finais de Luigi Ferrajoli – 8. Erro estratégico: “combater” o crime organizado não é a mesma coisa que perseguir as “células ostensivas do crime organizado”.
1. De que maneira devemos “combater” (controlar) a criminalidade organizada?
1.1) Do ponto de vista instrumental devemos seguir:
(a) as racionalidades do poder punitivo clássico, idealizado pelo Iluminismo (no século XVIII) e fundado na tutela de bens jurídicos individuais (vida, patrimônio etc.); recorde-se que se trata de um direito penal dotado de garantias e imaginado para limitar o poder punitivo estatal;
(b) a estrutura do chamado “direito penal de segunda velocidade” (de Silva Sanchez): direito penal sem pena de prisão, mas flexibilizado nas garantias penais e processuais;
(c) o direito penal de terceira velocidade (Jakobs), que se caracteriza pela imposição da pena de prisão sem as devidas garantias (direito penal do inimigo).
Por força da Lei 12.850/13, resulta evidente que o legislador brasileiro fez opção pela primeira alternativa, ou seja, seguiu o modelo clássico do direito penal, com algumas determinações ou omissões questionáveis (que tangenciam o direito penal ou processual do inimigo). Por exemplo: o juiz que homologa o acordo de colaboração premiada pode ser o mesmo juiz do processo. Deveria ser outro, para preservar a imparcialidade.
1.2) Do ponto de vista político-criminal devemos seguir:
(a) o abolicionismo de Hulsman, Christie etc. (fim do poder punitivo estatal formalizado);
(b) as racionalidades do direito penal mínimo e garantista, típico de um Estado Democrático de Direito (Baratta, Ferrajoli, Zaffaroni etc.);
(c) o tendencial expansionismo penal, imparável (conforme denúncia de Silva Sanchez), impulsionado pelo neoconservadorismo punitivo e hoje espelhado no discurso do populismo penal;
(d) a necro-política repressiva (do México, v.g., contra as drogas). Esse é o lado escatológico do neoconservadorismo penal.
A Lei 12.850/13 seguiu, neste ponto, a segunda alternativa, com mesclas do terceiro. Por exemplo: o crime-meio (organização criminosa), com pena de 3 a 8 anos de reclusão, pode ser punido mais gravemente que os crimes-fins (posto que um crime com pena máxima de 5 anos pode fazer parte do conceito de organização criminosa).
1.3) Do ponto de vista dogmático devemos seguir:
(a) o funcionalismo moderado de Roxin (o direito penal deve cumprir a função de tutela fragmentária e subsidiária dos bens jurídicos);
(b) o funcionalismo extremado (ou sistêmico) de Jakobs (o direito penal serve para a estabilização da norma penal);
(c) o funcionalismo reducionista (ou contencionista) de Zaffaroni (o direito penal serve para conter o estado de polícia, o poder punitivo estatal);
(d) o funcionalismo constitucionalista (TCD), que é nossa síntese dos limites da intervenção penal, dotando a tipicidade de um conteúdo material.
Não temos nenhuma dúvida de que a soma dos itens “a”, “c” e “d” é o caminho correto e único válido no Estado constitucional e democrático de direito. “Garantismo “versus” eficientismo”: a investigação e o processo do crime organizado não podem fugir dos limites fixados pelo Estado; impõe-se o equilíbrio entre o garantismo e o eficientismo. Os dois grandes direitos em jogo (liberdade individual “versus” segurança da sociedade) devem ser conciliados. Não haveria espaço nem para um sistema dotado de exageradas hipergarantias para o criminoso organizado nem para o chamado direito penal de guerra contra o inimigo (que admite a duplicidade de processo: um para o cidadão e outro para o inimigo, este último com garantias reduzidas).
2. Existe crime organizado?
2.1. Tese de Zaffaroni. Há alguns anos atrás ele era mais contundente no sentido da inexistência do crime organizado, ao menos do ponto de vista conceitual. Em palestra proferida no dia 11.01.13, na Universidade de Mar del Plata, o Professor argentino explicou que o crime organizado é um crime de mercado, que oferece produtos ou serviços ilícitos (drogas, exploração sexual dos seres humanos etc.). Seguindo suas explicações: tudo depende da demanda. O que for demandado é oferecido. O proibicionismo é a fonte do crime organizado. E quando se proíbe algo, o preço sobe. A lavagem de capitais (concentrada nos EUA e na Europa) faz parte dessa engrenagem. Ela complementa as atividades organizadas (que precisam legitimar os ganhos ilícitos, valendo-se, para isso, no mundo todo, sobretudo das estruturas financeiras existentes) [O banco HSBC, só para citar um primeiro exemplo, recentemente foi flagrado nos EUA em atividades de lavagem de capitais - mais precisamente, lavagem de dinheiro do narcotráfico mexicano]. Os refúgios (paraísos) fiscais continuam funcionando. O crime organizado faz parte da criminalidade econômica (porque tem fundamentalmente função econômica). Não faz parte do capitalismo de produção, sim, vende produtos e serviços. A proibição representa uma plusvalia (encarece o serviço ou produto, gerando mais lucros). Os EUA proibiram o consumo de álcool (década de 20, do século XX) e aí se estruturaram vários crimes organizados. Os EUA são os maiores consumidores de drogas do mundo. A distribuição da receita com as drogas se faz da seguinte maneira: produção em um país (fica com 1/3 da receita), processamento e logística em outro país (outro 1/3) e distribuição difusa (o 1/3 restante). Os EUA são os maiores vendedores de armas. O crime organizado funciona às vezes como paliativos de crises econômicas (Baden-Baden na Alemanha é um exemplo). O crime organizado sempre envolve agentes do Estado (de maneira direta ou indireta).
2.2. Tese de Ferrajoli. O Professor Luigi Ferrajoli, no dia 27.06.12, ao receber o título de “Doctor Honoris Causa”, da Universidad Nacional de Tucuman (Argentina), cuidou em sua “lectio doctoralis” do tema “criminalidade organizada e democracia”. Para ele, não há como negar a existência do crime organizado.
São organizações poderosas. Iniciou sua intervenção afirmando que o crime organizado é poderoso e, ademais, chega a atentar contra as raízes do Estado e da Democracia, ou seja, coloca em risco a possibilidade de uma salutar convivência...

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