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segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Apenas 30% dos presos do país têm assistência à saúde


A constatação do governo federal de que é impossível garantir, na prisão, os cuidados médicos necessários ao ex-deputado José Genoino deve soar óbvio à maioria dos 548 mil detentos abrigados em 1.478 estabelecimentos penais do país. Afinal, passados dez anos do lançamento do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, as ações de assistência dentro das unidades prisionais cobrem apenas cerca de 30% da população carcerária, segundo o Ministério da Justiça.
A reportagem é de Karine Rodrigues e publicada pelo jornal O Globo, 08-12-2013.
De acordo com o Sistema de Informações Penitenciárias (Infopen), quando o plano que estabelece a inclusão da população carcerária no Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado, existia um contingente de 308 mil pessoas nas prisões, que já sofriam os reveses de um déficit de 60 mil vagas. Uma década depois, o número de presos aumentou 78%, os estabelecimentos agora carecem de 203 mil vagas e, embora todos os estados e o Distrito Federal tenham aderido a plano, nenhum possui equipes de saúde prisional suficientes para garantir assistência a todos os detentos – no total, são apenas 272.
Se a regra fosse cumprida, os condenados teriam à disposição dois médicos para cada grupo de 1.000 pessoas, valor acima do preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 1 para cada 1.000, e superior ao registrado no Brasil (1,48 por 1.000), considerando os números do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), por meio do qual são realizados os repasses de recursos públicos.
Diante da baixa de tão baixa efetividade, os ministérios da Saúde e da Justiça criaram um comitê interministerial para discutir o assunto. O grupo concluiu, então, que a estratégia atual “está obsoleta” e que, para ampliar a cobertura, é necessária uma “política de Estado, alinhada aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS)”, segundo nota, após solicitação de entrevista sobre o tema. Foi, então, elaborada uma portaria, que institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (Pnaisp), a ser publicada em breve.
Assessora técnica do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Lourdes Almeida observa que, não bastasse a insuficiência de recursos humanos para ações de promoção e assistência à saúde dentro das prisões, a situação dos estabelecimentos, em geral, torna o ambiente propício à disseminação de doenças infecto-contagiosas, como as sexualmente transmissíveis, respiratórias e dermatológicas.
— Há uma série de dificuldades para efetivação das ações, mas os detentos têm direito à saúde, como todas as pessoas. As penitenciárias costumam ser muito insalubres. Como promover a saúde em um lugar precário? É importante que se diga que garantir a assistência médica aos presos não depende só da área da saúde. A Justiça também precisa melhorar a infraestrutura, as condições sanitárias — destaca Lourdes, acrescentando que, embora as informações epidemiológicas da população carcerária sejam esparsas, sabe-se que há um quadro preocupante em relação à Aids e à tuberculose.
Política vai incluir presos provisórios e em regime aberto
Professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisador da área de saúde penitenciária, Martinho Silva participou das primeiras discussões sobre a criação de uma política para o setor e concorda com a assessora do Conass.
— Abrir um serviço de saúde dentro de uma prisão não é fácil. Tem que ter profissionais, financiamento, infraestrutura. E existem ainda os elementos que a gente pode chamar de culturais, pois estamos falando sobre assistência à saúde de pessoas que foram afastadas da sociedade por terem cometidos infrações — enfatiza o pesquisador, lembrando que, atualmente, o plano nacional contempla as pessoas recolhidas em penitenciárias, presídios, colônias agrícolas e agroindustriais e hospitais de custódia e tratamento.
A limitação apontada por Martinho vai mudar a partir da entrada em vigor da política nacional, uma vez que a minuta da portaria interministerial estabelece que as ações de saúde serão direcionadas também para os presos provisórios.
Segundo o pesquisador da Uerj, que realizou para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) um estudo sobre a efetividade do plano, no qual ouviu gestores, pesquisadores, trabalhadores, egressos do sistema e familiares de presos, havia uma reivindicação da sociedade civil organizada pela ampliação da população-alvo.
É importante incluir também os presos provisórios. Mas se a portaria for aprovada como está hoje, permanecerão de fora outras pessoas privadas de liberdade, como as que estão cumprindo medidas socioeducativas. Embora elas não estejam no sistema prisional, estão confinadas, e, por isso, deveriam ser incluídas também — avalia.

A assessora do Conass lembra, porém, que a saúde prisional é de responsabilidade do mesmo SUS que enfrenta entraves variados, como a falta de médicos. A ampliação da ação assistencial prevista na nova política governamental, portanto, terá de se dar dentro de um contexto já problemático, no qual a escassez de profissionais tenta ser resolvida por meio do programa Mais Médico, que inclui a contratação de estrangeiros.
“O gestor está mais preocupado em evitar rebeliões”
A minuta da portaria já foi aprovada na Comissão Intergestores Tripartite — que reúne representantes da União, dos estados e dos municípios —, e o governo estabeleceu como meta garantir assistência ao total da população prisional até 2019, embora, ao longo dos últimos 10 anos, a ação tenha alcançado apenas 30% dos detentos.
Atualmente, quem adere ao plano ganha um incentivo financeiro anual do governo federal, compartilhado entre os gestores da Saúde (70%) e da Justiça (30%). Infelizmente, porém, ano após anos, recursos deixaram de ser utilizados. Durante as reuniões para discussão da política, integrantes da área técnica de saúde prisional do Ministério da Saúde revelaram que, entre 2003, quando o plano foi criado, e 2008, o total de recursos executados não chegou nem a 10% do que foi disponibilizado.
Diante da permanência do problema, em 2010, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) editou uma portaria suspendendo, temporariamente, a transferência do incentivo oriundo da Justiça, condicionando a retomada dos repasses à comprovação da execução dos recursos enviados. Foi o que ocorreu com o Rio, por exemplo. De acordo com o Fórum Permanente de Saúde no Sistema Penitenciário, por não ter prestado contas, o estado deixou de receber recursos a partir de 2011. Uma das integrantes da secretaria-executiva da entidade, a psicóloga Márcia Badaró diz que o problema no financiamento agravou a situação da saúde prisional no estado.
— Como não prestou contas de R$ 12 milhões repassados, o governo federal suspendeu o envio de verbas. O Rio, que já foi referência na área de saúde prisional até o início dos anos 2000, passou a enfrentar uma série de problemas. Tínhamos um grande hospital com centro cirúrgico, no Complexo de Frei Caneca, que foi demolido e também perdemos, em 2011, um hospital em Niterói, especializado em doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids — diz ela, observando que, na década de 1990, existiam cerca de 1.200 profissionais de saúde para 9 mil presos, e que, recentemente, os recursos humanos caíram à metade, embora o número de detentos tenha pulado para cerca de 33 mil.
Segundo Márcia, quando se trata de sistema prisional, a preocupação maior de quem administra o sistema é evitar rebeliões:
— Os gestores do sistema prisional, em geral, estão preocupados com a contenção, com o controle da população, para não deixar ocorrer motins, mas as pessoas estão morrendo dentro do sistema prisional por causa de problemas de saúde — alerta, informando que a unidade que é a porta de entrada dos detentos no Rio, instalada emSão Gonçalo, está sem médico.
— Se a pessoa que está entrando na prisão apresenta sintomas de tuberculose, como a gente vai saber que ela está doente, se não há médico? Até a semana passada, também não havia aparelho de raio-x. Com isso, a contaminação acaba indo além dos muros das prisões e atinge também quem está fora do sistema, como os familiares dos presos.
A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) confirmou a falta de médico na unidade de ingresso no sistema prisional no Rio e informou que existe um processo em andamento para a contratação de um profissional, mas garantiu que os dois aparelhos de raio-x estão em funcionamento. Sobre os R$ 12 milhões encaminhados pelo governo federal, declarou ter prestado contas em março deste ano e, atualmente, aguarda parecer sobre o caso.
Equipes de saúde mental e bucal serão inseridas no sistema
A minuta da portaria que institui a política estabelece também mudanças nas equipes de atenção básica de saúde que vão atuar dentro das unidades prisionais. Com a nova política, serão formadas equipes para saúde mental e bucal. Além disso, o funcionamento mínimo dos serviços passa a ganhar uma nova conformação. Se hoje a divisão se dá em grupos de até 100 e até 500 presos, agora deve passar para três grupos: com até 100 presos, a carga horária semanal passa de 4h para 6h; entre 101 e 300 presos, a carga horária será de 18h; e entre 301 e 700, serão 30 horas semanais.
Serão criados ainda dois tipos de equipe de atenção básica, uma delas com médico, enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem; e outra com médico, enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem, assistente social, psicólogo e outro profissional de nível superior, que pode ser um terapeuta ocupacional, um fisioterapeuta, um nutricionista ou um farmacêutico. Assim como ocorre com o plano, a política nacional vai exigir um processo de adesão.
Atualmente, para cada grupo de até 500 presos, é necessária uma equipe mínima formada por médico, enfermeiro, odontólogo, assistente social, psicólogo, auxiliar de enfermagem e auxiliar de consultório dentário.
– Antes, o estado trabalhava com uma opção apenas, que exigia cinco pessoas de nível superior e duas de nível médio. Vejo como vantagem o fato de a política facilitar o cadastro da equipe, que agora pode contar com um número menor de pessoas de nível superior. Atualmente, se o gestor não tem qualquer um dos cinco profissionais de nível superior, não pode cadastrar a equipe. E, com isso, não há acesso à assistência — pontua Martinho, citando como outra vantagem da política o grau de intersetorialidade.
Na nota enviada pelo Ministério da Justiça, também aprovada pelo Ministério da Saúde, segundo a assessoria de imprensa do referido órgão, o governo diz que pretende “qualificar os dados epidemiológicos, pactuar metas e indicadores sobre saúde no sistema penitenciário, revisar formas de financiamento, monitoramento e avaliação e elaborar uma norma para atendimento a pessoas portadores de transtorno mental em conflito com a lei”. E enfatiza, que, para isso, será necessário, “levantar esforços conjuntos para qualificar as condições de estrutura do Sistema Penitenciário; o financiamento das ações de saúde; os processos de educação e formação dos profissionais de saúde e de segurança; e, por fim, melhorar o acesso e a qualidade da atenção”.
Os efeitos da portaria interministerial que criou o plano serão mantidos durante o período de transição para adesão à política nacional. O prazo previsto termina em 31 de dezembro de 2016.

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