Intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros
"Com a eleição de Dilma, a redemocratização cumpre seu ciclo. Os intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros converteram sua luta contra a ditadura em senha para entrar na política e chegar à Presidência da República"
Mauro Márcio Oliveira*
Os militares, com seu projeto nacional, tomaram o poder no Brasil em 1964 e o monopolizaram por 21 anos. Foram anos de chumbo. No período autoritário, a ditadura tratou de desmontar a esgarçada organização social que discutia a renovação estrutural da história do Brasil.
Ao mesmo tempo em que a ditadura combatia pessoas e instituições, as tênues forças sociais esboçavam linhas de oposição nem sempre consequentes, nem sempre contundentes. Dentre as mais destacadas linhas de oposição estavam as exercidas pelos intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros, cada um deles em sua trincheira.
Os intelectuais, com o poder da palavra escrita e falada, aprofundaram a crítica às propostas de política e economia da ditadura, mostrando as consequências nefastas da repressão e do estrangulamento da liberdade sobre todas as formas de manifestação: artística, cultural, política.
Os sindicalistas fizeram uso da importância que tinham para o setor industrial organizado no país e, por meio de manifestações públicas, buscaram obter melhores condições de remuneração e condições de trabalho, como também denunciavam o alto grau de concentração da renda no Brasil.
Os guerrilheiros, pela natureza de sua ação, não frequentavam fóruns de discussão nem manifestações públicas como os intelectuais e os sindicalistas. Buscaram infligir danos materiais e humanos à ordem autoritária e à sua imagem para desestabilizar o governo. Agiram nas cidades e no campo.
Em função de sua ação de fundo político, muitos intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros foram presos e punidos. Outros sofreram tortura, foram exilados ou morreram por suas opções de luta. Esse custo social e humano foi o valor pago pela redemocratização, que veio a se dar vinte e um anos depois do golpe de 1964.
Em 1985, veio a redemocratização. Os primeiros civis a retomarem o poder político foram Tancredo Neves e José Sarney, pelo voto indireto. Em seguida, o voto direto colocou no mais alto ponto do poder político do país Fernando Collor e Itamar Franco, outra dupla de políticos. Em perspectiva histórica, esses mandatos aparecem como uma etapa necessária para que os críticos mais expressivos da ditadura viessem a assumir o comando do poder político do país. Pois foi o que se deu.
O intelectual Fernando Henrique Cardoso passou de acadêmico a exilado e a anistiado, para, posteriormente, ingressar na política e chegar à Presidência da República em duas ocasiões: 1994 e 1998. Como intelectual, imprimiu seus pontos de vista num novo desenho de Estado e num novo modelo macroeconômico.
O sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, que havia desafiado a política econômica da ditadura não foi exilado, mas foi preso. Saiu da prisão para ingressar na política. Depois de perder três disputas eleitorais – uma para Fernando Collor e duas para Fernando Henrique Cardoso – elegeu-se, sucessivamente, em 2002 e 2006, presidente da República. Como ex-sindicalista, cuidou de redistribuir a renda e estimular a ampliação da classe média brasileira.
Agora, a militante de movimentos guerrilheiros Dilma Rousseff é eleita presidente da República. Dilma saiu da militância para a prisão e dali para a máquina pública. Enquanto FHC e Lula fizeram sua vida política em São Paulo, Dilma praticou mais mobilidade geográfica: nasceu em Minas Gerais, passou pelo Rio de Janeiro e São Paulo e se fixou no Rio Grande do Sul.
Com a eleição de Dilma, a redemocratização cumpre seu ciclo. Os intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros converteram sua luta contra a ditadura em senha para entrar na política e chegar à Presidência da República.
Mas por que isso aconteceu na ordem verificada: intelectual, sindicalista e guerrilheira? Dada a grande suscetibilidade dos militares à violência dos guerrilheiros, era praticamente impossível que um de seus representantes pudesse chegar à Presidência da República em momento próximo ao desenlace da ditadura. Mesmo com menor grau de suscetibilidade com os sindicalistas, era bastante improvável que um dos seus o tivesse conseguido nas mesmas circunstâncias. Dessa forma, aumentava a chance dos intelectuais, como um dos principais grupos de críticos da ditadura.
E por que os políticos não foram colocados junto aos intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros? Porque o bloqueio da via política pela ditadura passou a indicar que a verdadeira luta contra o autoritarismo deveria vir de setores não identificados com a política institucionalizada. No contexto de então, foram cristalizando-se a crítica dos intelectuais, dos sindicalistas e dos militantes de movimentos guerrilheiros e não a dos políticos reunidos em partidos. Nem por isso, os políticos estiveram ausentes da institucionalidade que cerca o acesso à Presidência da República. Antes dos intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros, foi a vez de Tancredo/Sarney e Collor/Itamar. Com eles vieram Marco Maciel, José Alencar e Michel Temer, respectivamente, na condição de vice-presidentes.
Assim, a democracia recente no Brasil foi e continuará, até 2013, a ser moldada por representantes das três linhas mais críticas à ditadura: intelectuais, sindicalistas e ativistas de movimentos guerrilheiros. Dessa forma, Dilma Rousseff fecha o ciclo de transição da ditadura à democracia plena.
Nesse processo, se apresenta uma novidade: pela primeira vez na República, a vice-presidência é ocupada por um representante de São Paulo. De certa forma, a considerar a origem mineira de Dilma Rousseff, também pela primeira vez se inverte a dobradinha café-com-leite, já que antes eram os mineiros que preenchiam essa condição de coadjuvante do poder.
Por tudo isso, depois de Dilma Rousseff a democracia brasileira reabrirá um novo ciclo, ainda não conhecido.
*Consultor legislativo aposentado e especialista em Comissões Parlamentares de Inquérito. Autor, entre outros livros, de "O Poder da Paulicéia e a Paulicéia no Poder"
Fonte: congresso em foco
Postado: administrador do blog
Os militares, com seu projeto nacional, tomaram o poder no Brasil em 1964 e o monopolizaram por 21 anos. Foram anos de chumbo. No período autoritário, a ditadura tratou de desmontar a esgarçada organização social que discutia a renovação estrutural da história do Brasil.
Ao mesmo tempo em que a ditadura combatia pessoas e instituições, as tênues forças sociais esboçavam linhas de oposição nem sempre consequentes, nem sempre contundentes. Dentre as mais destacadas linhas de oposição estavam as exercidas pelos intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros, cada um deles em sua trincheira.
Os intelectuais, com o poder da palavra escrita e falada, aprofundaram a crítica às propostas de política e economia da ditadura, mostrando as consequências nefastas da repressão e do estrangulamento da liberdade sobre todas as formas de manifestação: artística, cultural, política.
Os sindicalistas fizeram uso da importância que tinham para o setor industrial organizado no país e, por meio de manifestações públicas, buscaram obter melhores condições de remuneração e condições de trabalho, como também denunciavam o alto grau de concentração da renda no Brasil.
Os guerrilheiros, pela natureza de sua ação, não frequentavam fóruns de discussão nem manifestações públicas como os intelectuais e os sindicalistas. Buscaram infligir danos materiais e humanos à ordem autoritária e à sua imagem para desestabilizar o governo. Agiram nas cidades e no campo.
Em função de sua ação de fundo político, muitos intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros foram presos e punidos. Outros sofreram tortura, foram exilados ou morreram por suas opções de luta. Esse custo social e humano foi o valor pago pela redemocratização, que veio a se dar vinte e um anos depois do golpe de 1964.
Em 1985, veio a redemocratização. Os primeiros civis a retomarem o poder político foram Tancredo Neves e José Sarney, pelo voto indireto. Em seguida, o voto direto colocou no mais alto ponto do poder político do país Fernando Collor e Itamar Franco, outra dupla de políticos. Em perspectiva histórica, esses mandatos aparecem como uma etapa necessária para que os críticos mais expressivos da ditadura viessem a assumir o comando do poder político do país. Pois foi o que se deu.
O intelectual Fernando Henrique Cardoso passou de acadêmico a exilado e a anistiado, para, posteriormente, ingressar na política e chegar à Presidência da República em duas ocasiões: 1994 e 1998. Como intelectual, imprimiu seus pontos de vista num novo desenho de Estado e num novo modelo macroeconômico.
O sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, que havia desafiado a política econômica da ditadura não foi exilado, mas foi preso. Saiu da prisão para ingressar na política. Depois de perder três disputas eleitorais – uma para Fernando Collor e duas para Fernando Henrique Cardoso – elegeu-se, sucessivamente, em 2002 e 2006, presidente da República. Como ex-sindicalista, cuidou de redistribuir a renda e estimular a ampliação da classe média brasileira.
Agora, a militante de movimentos guerrilheiros Dilma Rousseff é eleita presidente da República. Dilma saiu da militância para a prisão e dali para a máquina pública. Enquanto FHC e Lula fizeram sua vida política em São Paulo, Dilma praticou mais mobilidade geográfica: nasceu em Minas Gerais, passou pelo Rio de Janeiro e São Paulo e se fixou no Rio Grande do Sul.
Com a eleição de Dilma, a redemocratização cumpre seu ciclo. Os intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros converteram sua luta contra a ditadura em senha para entrar na política e chegar à Presidência da República.
Mas por que isso aconteceu na ordem verificada: intelectual, sindicalista e guerrilheira? Dada a grande suscetibilidade dos militares à violência dos guerrilheiros, era praticamente impossível que um de seus representantes pudesse chegar à Presidência da República em momento próximo ao desenlace da ditadura. Mesmo com menor grau de suscetibilidade com os sindicalistas, era bastante improvável que um dos seus o tivesse conseguido nas mesmas circunstâncias. Dessa forma, aumentava a chance dos intelectuais, como um dos principais grupos de críticos da ditadura.
E por que os políticos não foram colocados junto aos intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros? Porque o bloqueio da via política pela ditadura passou a indicar que a verdadeira luta contra o autoritarismo deveria vir de setores não identificados com a política institucionalizada. No contexto de então, foram cristalizando-se a crítica dos intelectuais, dos sindicalistas e dos militantes de movimentos guerrilheiros e não a dos políticos reunidos em partidos. Nem por isso, os políticos estiveram ausentes da institucionalidade que cerca o acesso à Presidência da República. Antes dos intelectuais, sindicalistas e guerrilheiros, foi a vez de Tancredo/Sarney e Collor/Itamar. Com eles vieram Marco Maciel, José Alencar e Michel Temer, respectivamente, na condição de vice-presidentes.
Assim, a democracia recente no Brasil foi e continuará, até 2013, a ser moldada por representantes das três linhas mais críticas à ditadura: intelectuais, sindicalistas e ativistas de movimentos guerrilheiros. Dessa forma, Dilma Rousseff fecha o ciclo de transição da ditadura à democracia plena.
Nesse processo, se apresenta uma novidade: pela primeira vez na República, a vice-presidência é ocupada por um representante de São Paulo. De certa forma, a considerar a origem mineira de Dilma Rousseff, também pela primeira vez se inverte a dobradinha café-com-leite, já que antes eram os mineiros que preenchiam essa condição de coadjuvante do poder.
Por tudo isso, depois de Dilma Rousseff a democracia brasileira reabrirá um novo ciclo, ainda não conhecido.
*Consultor legislativo aposentado e especialista em Comissões Parlamentares de Inquérito. Autor, entre outros livros, de "O Poder da Paulicéia e a Paulicéia no Poder"
Fonte: congresso em foco
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