Autor: Júlio César Lopes da Silva,
No início do exercício profissional na caserna do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso no ano de 2004, teve-se a oportunidade de presenciar as péssimas condições de trabalho, a insuficiência de qualificação técnico-profissional, além de diversas práticas abusivas cometidas pelos superiores contra os servidores de baixa patente.
Tais circunstâncias geram, obviamente, insatisfação e desmotivação nestes servidores, que repercuti diretamente na qualidade da prestação do serviço de segurança pública à sociedade que, por sua vez, deixa de confiar ou valorizar a instituição, fazendo perpetuar o insucesso da segurança pública.
Foi observado, no entanto, que mesmo diante dos problemas e dos abusos, os militares de baixa patente se quedavam inertes e calados por medo de perseguições e mais abuso que vem revestido de uma fictícia legalidade, visto que o Regulamento Disciplinar Militar do Estado de Mato Grosso, Decreto nº 1239, de 21 de abril de 1978, prevê pena de até 30 (trinta) dias de prisão ao militar que criticar ato do governo ou de superior hierárquico ou por recorrer ao judiciário sem antes esgotar a esfera administrativa, pois nunca, dentro da caserna matogrossense, se discutiu a vigência de tal Regulamento Disciplinar que sequer foi recepcionado pela nova ordem constitucional.
Assim, este trabalho visa demonstrar a ilegalidade das normas militares cerceadoras da livre manifestação do pensamento, como afronta à dignidade da pessoa humana do profissional da segurança pública, motivo pelo qual se propõe a criação de políticas públicas para efetivamente garantir o exercício de tal direito, a fim de possibilitar que temas como a discriminação, corrupção, abusos e as demais dificuldades da segurança pública venham à tona para propiciar a plena discussão dos temas relacionados à segurança pública, criando um ambiente apto para a mudança e melhoria da segurança no Brasil.
Com efeito, há várias regras do Regulamento Disciplinar Militar e do Código Penal Militar que não foram recepcionadas pela nova ordem constitucional, porém o presente trabalho concentrar-se-á apenas no cerne para a solução dos problemas da segurança pública, que é o discurso democrático, a criação, a livre manifestação do pensamento.
A livre manifestação do pensamento é o pilar principal no qual se sustenta a democracia, já que esta se pauta no debate livre à procura da melhor tomada de decisão para o bem comum da sociedade. Não há democracia nem Estado Democrático de Direito sem a livre manifestação do pensamento, motivo pelo qual o seu cerceamento leva ao autoritarismo e ao descontrole da atividade governamental.
A liberdade de expressão é definida como direito natural, decorrente da própria natureza humana, sendo, portanto, um direito fundamental, intransferível e inerente ao direito da personalidade e à dignidade da pessoa humana. É um direito individual com repercussão nos direitos coletivos e difusos, visto que o Estado Democrático de Direito depende de cidadãos informados, conscientes e politizados aptos a tomar decisões para a melhoria da coletividade. Nesse sentido, o Ministro do Supremo Tribunal de Federal, Marco Aurélio
[2], sintetiza que a Liberdade de Expressão é um direito fundamental do cidadão, envolvendo o pensamento, a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica.
A Declaração de Direitos humanos e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 11 dispõe que a livre a manifestação do pensamento e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem.
Pontes de Miranda
[3] pondera que liberdade psíquica é a base para toda e qualquer liberdade, abrangendo tudo que serve para enunciar e dar sentido, incluindo a liberdade de manifestar para com as demais pessoas ou enquanto ao homem consigo mesmo.
Norberto Bobbio
[4], em obra o futuro da Democracia, define democracia como “um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” e Edilson Faria
[5] ensina brilhantemente que democracia e censura são termos antitéticos, antagônicos, inconciliáveis.
Com efeito, a livre circulação de opiniões e pluralismo ideológico faz oposição ao monopólio governamental. Assim, ao se vedar ou limitar o direito à liberdade de expressão, institui-se um sistema antidemocrático e autocrata.
Nesta seara, democracia versus censura, Pinto Ferreira
[6], leciona que no Estado Democrático, defende-se, no aspecto positivo, a livre manifestação do pensamento e, sob o aspecto negativo, veda-se qualquer tipo de censura, impedindo que a liberdade de expressão sofra algum tipo de limitação prévia concernentes à censura de natureza política, ideológica ou artística.
Desmond Fischer
[7] afirma que a evolução gradual da democracia faz um paralelo com desmistificação do processo de comunicação e a conseqüente disseminação da informação e dos meios de comunicá-la, pois quanto mais pessoas tiverem informações, melhor será a sociedade e mais forte sua base democrática, pois o direito de comunicar-se ultrapassa o conceito legal e alcança o conceito filosófico e ético, já que é no nível político, sócio-culturais, econômicas e legais do direito de comunicar se tornam mais significativos, devendo, portanto, garantir esse direito em sua plenitude.
A manifestação do pensamento, para Aluizio Ferreira
[8] É pressuposto para uma convivência democrática plena, uma vez que necessita de discussão, negociação, oposições e embates de idéias, pois estas são instrumentos de que se valem para firmar suas convicções, persuadindo ou convencendo os respectivos pares e obtendo unanimidades ou consensos.
Todavia, durante o período militar (1964-1985), viveu-se sob uma política governamental autoritária e antidemocrática, movida pela censura e pela manipulação das informações pelo Estado. A liberdade de expressão da sociedade, civil ou mesmo militar, era controlada pela alta cúpula do governo que buscava, independentemente de quaisquer meios ou força, perpetuar-se no poder.
Muita coisa mudou com o fim do governo militar, mas ainda restam resquícios daquele período funesto. A diminuição da censura com advento da promulgação da Constituição da República foi um significativo avanço político, social, cultural e científico ao país, no entanto a censura continua existindo em vários setores da sociedade, com destaque especial às instituições da segurança pública, principalmente as militares, já que nestas instituições vive-se um verdadeiro período de “cala a boca”, propiciada pela aplicação de algumas normas que não foram sequer recepcionadas pelo novo ordenamento jurídico.
Nesse sentido, continuam sendo ilegalmente aplicados, especificadamente ao que concerne à liberdade de expressão, o artigo 166 do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 e outras normas, com o mesmo fim, dispostas nos Regulamentos Disciplinares Militares das Polícias Militares.
Tais institutos, cerceadores da liberdade de expressão, devem ser imediatamente expurgos do nosso ordenamento jurídico, pois somente à Constituição cabe a regulação da liberdade de expressão nos termos do artigo 220, o qual se transcreve com destaques:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”
Assim, todo e qualquer tipo de censura ou cerceamento à liberdade de expressão disposta em lei é inconstitucional, visto que cabe somente à Constituição Federal tal regulação, como se demonstrará neste trabalho.
A alternativa encontrada pelos servidores da segurança pública, principalmente os militares, foi recorrer à tecnologia da internet, fazendo uso dos blogs como meio para manifestação do pensamento e discussão pela melhoria da prestação dos serviços de segurança à sociedade, bem como pela busca incessante por valorização profissional e otimização das condições de trabalho do policial.
1. CERCEAMENTO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO DOS MILITARES
Constantemente têm-se notícias de que militares foram punidos com prisão por se manifestarem publicamente, ora por criticar ato de governo ou de superior hierárquico ora por fazer reivindicações por melhoria da condição de trabalho.
Com advento do acidente do Boeing 737-800 da companhia Gol com Jato Legaci, no qual morreram 154 (cento e cinqüenta e quatro) pessoas, veio à tona a discussão da liberdade de expressão dos militares e a importância desta manifestação à sociedade.
Em uma entrevista à
Folha on line em 17 de abril de 2007
[9], na qual se discutia o acidente da Companhia Gol, o presidente da Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo, Wellington Rodrigues, afirmou que na região onde aconteceu o acidente havia um “buraco negro”, uma “zona cega” onde não se tinha visualização por radar e que as informações e problemas eram repassados ao grau superior diariamente, porém nada ou quase nada foi feito para melhorar a segurança do tráfico aéreo no Brasil.
Em 30 de Março de 2007 o Estadão
[10] noticiou que o Sargento da aeronáutica, Jonas Teixeira Junior, havia sido preso sob a alegação de insubordinação por registrar, no livro de ocorrências oficial, irregularidades e deficiências que podiam comprometer a segurança de vôo em Salvador, procedimento este que havia sido proibido pelo comando do Cindacta local.
Ora, há quantas décadas o problema na segurança aérea já existe? Era realmente necessária a morte de centenas de vítimas para se cogitar uma mudança ou pelo menos para se discutir o problema?
Infelizmente não, mas a censura estatal sob a égide da “hierarquia e disciplina” levou aqueles passageiros à morte. O que se busca com esse exemplo de repercussão nacional é demonstrar a incoerência das normas militares que punem injustamente a liberdade de expressão.
Assim, as normas militares que cerceam a liberdade de expressão não poderiam encontrar abrigo no atual Estado Democrático de Direito, mas que devido ao abuso de poder dos superiores hierárquicos, bem como a não declaração de que tais normas militares contrariam a Constituição, permitem que os abusos se perpetuem com eficácia no nosso ordenamento jurídico.
Com efeito, os regulamentos disciplinares das Polícias Militares e das Forças Armadas, bem como o Código Penal Militar proíbem a liberdade de expressão dos militares, cominando penas restritivas de liberdade que podem chegar a um ano.
Neste sentido estabelece o artigo 166 do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Transcreve-se o tipo legal:
“Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar públicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Govêrno:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.”
Loureiro Neto
[11], em análise do referido tipo penal, aduz que publicar significa tornar público, notório, enquanto criticar significa censurar, dizer mau. Assim configuraria crime a conduta de criticar publicamente, de modo a ser recebido por indeterminado número de pessoas, ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do governo.
Os regulamentos disciplinares também estabelecem penas de prisão de até 30 (trinta) dias ao militar que manifeste seu pensamento. Remete-se à norma disposta no item 70 e 101 do anexo II do Decreto 1329 de 1978 (Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso), o qual semelhantemente é repetido na maioria dos Regulamentos Disciplinares no Brasil. In Verbis:
“70 - Publicar ou contribuir para que sejam publicados fatos, documentos ou assuntos policiais-militares que possam concorrer para o desprestígio da Corporação ou firam a disciplina ou a segurança”. (item 70 do anexo II do RDPM-MT) (...)
“101 - Discutir ou provocar discussões, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos, militares ou policiais-militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnicos, quando devidamente autorizado” (item 101 do anexo II do RDPM-MT)
O Código Penal Militar de 1969 e a maioria dos regulamentos disciplinares militares das polícias estaduais são frutos de um Estado Autoritário, que por mais de décadas cerceou as liberdades fundamentais com fito à proteção a esse mesmo regime, visto que todos eles foram criados com este propósito.
Tais institutos cerceam a liberdade de expressão dos cidadãos militares, afrontando diretamente o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, limitando o direito pleno à vida dos militares e prejudicando a sociedade que somente tem acesso a parte das informações. Informações estas no mínimo manipuladas pelo Estado Militar, que sob a desculpa da “segurança nacional” da hierarquia, disciplina, vem prendendo os militares que ousam exercer o seu direito de liberdade de expressão.
Ao considerar como crime ou transgressão o exercício da liberdade de expressão, retrocede-se ao período inquisitorial, ou pelo menos impedimos que se alcance a democracia plena e de fato.
O Código Penal Militar como os Regulamentos Disciplinares remontam ao período nefasto da ditadura, quase todos criados entre a década de 60 e 80, período cujos objetivos dos governantes eram manter-se a qualquer custo no poder, mesmo que este custo fosse a censura, um cala-boca, aos “anti-governo”.
Toda norma legal tem como escopo a pacificação social o que nos obriga a reconhecer como crime apenas as condutas perniciosas à sociedade, ou seja, somente as condutas que exponham real perigo para coletividade devem ser reprimidas por leis penais que não é o caso da manifestação do pensamento.
A norma penal em um Estado Democrático de Direito exige mais do que a mera tipificação em lei, pois tal requisito isoladamente é inidôneo para cecear as liberdades fundamentais, devendo a conduta, além de estar tipificada, ofender o sentimento social de justiça, bem como estar a norma consubstanciada nos princípios constitucionais, não se admitindo critérios absolutos na definição dos crimes, os quais passam a ter a exigência de ordem formal e material.
A exigência formal, requisitada pelo o inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, a qual assevera que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, deve ser interpretada em conjunto com o princípio da dignidade da pessoa humana, exigência material.
Neste sentido, o professor Fernando Capez
[12] leciona que a norma penal no Brasil de hoje deve estar em compatibilidade formal e material com mandamentos constitucionais, sob pena de afrontar o próprio Estado Democrático de Direito:
“Com isso, pode-se afirmar que a norma penal em um Estado Democrático de Direito não é apenas aquela que formalmente descreve um fato como infração penal, pouco importando se ele ofende ou não o sentimento social de justiça; ao contrário sob pena de colidir com a Constituição, o tipo incriminador deverá obrigatoriamente selecionar, dentre todos os comportamentos humanos, aqueles que possuem de fato real lesividade social.
Sendo a norma penal, princípio básico de República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º III) uma lei como essa característica de mera discriminação formal será irremediavelmente inconstitucional.
Assim, o tipo penal ou a sua aplicação, quando, a pretexto de cumprir uma função de controle social, desvincula-se totalmente da realidade, sem dar importância à existência de algum efetivo dano ou lesão social, padecerá irremediavelmente do vício de incompatibilidade vertical com o princípio constitucional de dignidade humana.”
Com efeito, o fato de a conduta de “criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo” estar tipificado como crime punível com prisão em um Código Penal Militar não faz com que tal conduta seja criminosa, visto não trazer lesividade à sociedade, muito pelo contrário, apenas pode-se dizer que vivemos em um Estado Democrático de Direito se tivermos plena liberdade de expressão, limitada apenas por valores constitucionais, onde a crítica, a informação, a comunicação, estejam ao acesso de todos.
Nesta seara continua Fernando Capez:
“É imperativo do Estado Democrático de Direito a investigação ontológica do tipo incriminador. Crime não é apenas aquilo que o legislador diz sê-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade.
Imaginemos um tipo com a seguinte descrição: ‘manifestar ponto de vista contrário ao político dominante ou opinião contrária a orientação política dominante. Pena: 6 meses a 1 ano de detenção.’
Por evidente, a par de estarem sendo obedecidas as garantias de existência de subsunção formal e de veiculação em lei, materialmente esse tipo não teria qualquer subsistência por ferir o princípio da dignidade humana e, por conseguinte, não resistir ao controle de compatibilidade vertical com os princípios insertos da ordem constitucional.”
Nesse mesmo sentido, Loureiro Neto
[13] ensina que o objeto do Direito Penal, seja o comum como o militar, é a proteção dos bens ou interesses juridicamente relevantes, devendo valorá-los de acordo com o contexto histórico e as concepções ético-políticas dominantes.
Assim, taxar como crime a liberdade de expressão não faz com que tal conduta seja criminosa, visto que materialmente a liberdade de expressão se trata de uma conduta defendida e protegida pela própria Carta Magna Brasileira. Além disso, observa-se, que a Constituição não faz distinção entre cidadãos civis e militares, negros ou brancos, pobres ou ricos, pois a todos é garantindo a manifestação do pensamento, limitando tal direito apenas à norma constitucional.
Ademais, ao censurar as opiniões e a expressão dos militares, seja eles de quaisquer patentes, impomos no país uma limitação de soluções para segurança pública, impedindo as mudanças desejadas, pois, infelizmente, alguns servidores beneficiam-se do caos na segurança pública, e estes não almejam transformações.
Assim, ao não permitir a expressão das opiniões dos militares, monopoliza-se as informações aos dogmas estatais ou aos interesses de certos comandantes, os quais nem sempre são os condizentes à proteção da pátria, já que se tornou comum o uso da máquina pública em benefício dos detentores do poder.
Não se pode negar que os atuais políticos diante de “problemas”, principalmente na segurança pública, tentam ocultá-los ao invés de resolvê-los, muitas vezes, falseando dados e informações. Por isso os servidores da segurança pública deveriam divulgar a real situação de tais órgãos e serviços para que a solução fosse dada o mais rápido possível, por meio do próprio Governo do Estado ou por Intervenção Federal.
É inegável que um soldado, executor direto e detentor de conhecimentos específicos na área de segurança pública, ao ser ouvido, poderá contribuir para a melhoria dos serviços de proteção do homem. Agora, puni-lo por divulgar seu pensamento na intenção de tentar melhorar a condição da segurança pública é no mínimo ilógico e nefasto, além de ofender o Estado Democrático de Direito.
Assim, a proibição a manifestação do pensamento pelos militares, atenta axiológica e teleologicamente contra os princípios que preconizam o interesse da coletividade, já que os militares, por experiência e contato direto com o sistema de segurança, conhecem os pormenores e as necessidades para redução da criminalidade. Ao se calarem diminuem a possibilidade de avanços significativos no aparelho de segurança pública, já que informações importantes deixarão de serem veiculadas, restringindo idéias que levariam a sociedade à discussão e a vicissitudes que trariam mudanças na melhoria da segurança.
Ao proibir as críticas aos atos dos superiores e ao governo, mascara-se a real situação da segurança pública, já que a sociedade obtém apenas às informações “oficiais” as quais são repassadas em proveito do próprio agente da administração pública, uma vez que ninguém é capaz de assinar e divulgar sua própria incompetência ou a inabililidade daquele que o nomeou ou o colocou no poder.
Destarte, estas informações oficiais visam apenas demonstrar que os governantes e os detentores do poder estão tomando as melhores decisões para a efetiva e beníguina mudança na situação da segurança no país, quando realmente a verdade real está longe daquilo que foi dito e que se conhece.
Neste sentido, é inadmissível e criminosa a ocultação ou censura de informações relevantes à diminuição da criminalidade no Brasil e, por isso, é impróprio permitir que se lance informações inverídicas ou maquiadas em benefício de alguns, pois ao esconder as verdades, calando ou fazendo calar, aflora-se a conivência para com a criminalidade, o que faz perpetuar o insucesso da prestação do serviço de segurança pública à sociedade, pois somente através do vislumbramento da realidade tem-se condição efetiva de mudar este quadro.
Deve-se, ao contrário do que acontece, criar incentivos para que os militares se expressem, denunciando as mazelas, os abusos, as corrupções e crimes, mesmo que advenha de dentro da sua própria instituição, criando e fomentando políticas públicas para a constante discussão do tema, inclusive, criando programas efetivos de proteção aos servidores honestos que denunciam os crimes cometidos pelos próprios operadores da segurança pública.
2. PROTEÇÃO LEGAL AO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
O cerceamento à livre manifestação do pensamento, atenta contra todo ordenamento jurídico brasileiro, principalmente, contra a Constituição Federal e aos vários Tratados Internacionais, incidindo para que o atual Estado Democrático de Direito estabelecido no país regrida aos tempos da ditadura militar.
Com efeito, a Constituição Federal estabelece que é livre a manifestação do pensamento, a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença e, ainda, garante que a manifestação do pensamento não sofrerá qualquer restrição. Destaca-se os incisos IV e IX do artigo 5º e o artigo 220 os quais transcrevo:
“Art. 5º (...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
Ademais, quanto à Administração Pública, informar deixa de ser um direito e passa a ser um dever, é o caso da publicidade obrigatória dos atos praticados pela Administração pública, imposta pelo artigo 37 da Constituição Federal.
O princípio da publicidade apresenta dupla acepção. Refere-se o princípio à publicação oficial dos atos da Administração Pública como pressuposto de sua eficácia, impedindo que o ato produza efeitos e a outra acepção concerne à transparência e à moralidade, visto que é inaceitável a existência de atos sigilosos ou confidenciais que pretendam criar, restringir ou extinguir direitos. Tão verdadeira essa assertiva que a Constituição garante que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade nos termos do artigo 5º, inciso XXXII. Neste sentido se manifestou o eminente Ministro do STF, Carlos Ayres Brito
[14]:
“Mais ainda, visibilidade que, tendo por núcleo o proceder da Administração Pública, toma a designação de “publicidade” (art. 37, caput, da CF). Publicidade como transparência, anote-se, de logo alçada à dimensão de “princípio”, ao lado da “legalidade”, “impessoalidade”, “moralidade” e “eficiência”. Sendo certo que a publicidade que se eleva à dimensão de verdadeira transparência é o mais aplainado caminho para a fiel aplicação da lei e dos outros três princípios da moralidade, da eficiência e da impessoalidade na Administração Pública.”
No mesmo voto,15 o ministro relator enfatiza a garantia dada pela constituição à liberdade de expressão:
“Com efeito, e a título de outorga de um direito individual que o ritmo de civilização do Brasil impôs como conatural à espécie humana (pois sem ele o indivíduo como que se fragmenta em sua incomparável dignidade e assim deixa de ser o ápice da escala animal para se reduzir a subespécie), a Constituição proclama que ”é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (inciso IV do art. 5º). Assim também, e de novo como pauta de direitos mais fortemente entroncados com a dignidade da pessoa humana, a nossa Lei Maior estabelece nesse mesmo art. 5º que: a) “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (inciso IX); b) “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (inciso XIII); c) ”é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (inciso XIV); d) “conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público: b) para a retificação de dados, quando não prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo” (inciso LXXII)”.
A livre manifestação do pensamento, também, é tutelada pelos Tratados Internacionais celebrados pelo governo brasileiro, os quais garantem a todos o direito amplo de se comunicar, sobre quaisquer assuntos nos limites impostos pela própria Constituição.
Nesta seara, pode-se destacar o preâmbulo e o artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrado e ratificado pelo Brasil, que dispõe:
“Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,” (...)
"Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras". (sem destaque na fonte)
O Brasil e outros países latino-americanos assinaram em 1996 e posteriormente em 29 de maio de 2006 a Declaração Internacional de Chapultepec no intuito de consagrar a liberdade de expressão e de imprensa. A declaração estabelece que:
“I- Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo. II - Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos.
Ainda há o Pacto de São José da Costa Rica, a Declaração Americana Sobre Direitos Humanos, aprovada pelo Congresso Nacional e ratificada pelo presidente da República por meio do Decreto 678/92, de 6-11-92
[15] que dispõe que em seu artigo XIII:
"Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões".
Enfim, Constituição Federal e os Tratados Internacionais mencionados, garantem de forma ampla, geral e irrestrita, aos civis ou militares, a liberdade de expressão, proibindo qualquer forma de registro, licença ou censura.
José Afonso da Silva
[16] ensina que direito de liberdade de expressão e comunicação obedecem aos seguintes princípios:
a) Não sofrerão qualquer restrição independentemente do meio ou veículo de comunicação, observado o disposto na Constituição;
b) Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística;
c) É vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística;
d) A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade;
e) Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens dependem de autorização, concessão ou permissão do Poder Executivo Federal, sob controle do Congresso Nacional;
f) Os meios de comunicação não podem ser objeto de monopólio.
Porém, mesmo com o advento de toda tutela jurídica em proteção à manifestação do pensamento, os militares encontram-se tolhidos de se expressar.
3. MANIFESTAÇÃO DO STF QUANTO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO DOS MILITARES
Em maio de 1998, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou habeas corpus nº 75.676 - RJ no qual figurou como paciente um militar da reserva que fora acusado de crime de publicação ou crítica indevida (artigo 166 do CPM) por ter concedido uma entrevista à rede rádio CBN, na qual criticou publicamente ato do Comandante Geral da PMRJ, o governo do Estado, os cursos de formação profissional ministrados aos policiais e à política de segurança pública. Transcrevo as palavras tidas como criminosas:
“... esses policiais que estão indo pro confronto estão completamente despreparados, eles não fazem treinamento de tiros há anos. Eles não são avaliados nas suas condições profissionais, nas suas condições emocionais”. (...)
“E como a Secretaria de Segurança não faz o que deve ser feito, o Governo não faz aquilo que tem obrigação de fazer, lança mão dessas soluções mágicas, entende?(...)
Porque, na verdade, no Rio de Janeiro se reinstalaram o DOI-CODI, mas só para favelado e morador de bairro pobre”.
O eminente Ministro relator Sepúlveda Pertence aduziu ao parecer do Dr Edson de Almeida, pela procuradoria-Geral, para ratificar a concessão do habeas Corpus. Nesse parecer asseverou-se que as Polícias Militares são apenas corporações militarizadas, cuja função é de policiamento ostensivo e de preservação da ordem pública, função esta eminentemente civil. Ainda acrescentou que as proibições do artigo 166 do CPM são censuras. Transcreve-se:
“Ora, ao contrário do que ocorre com as Forças Armada, que são instituições militares pela sua própria natureza, as Polícias Militares, cuja função de policiamento ostensivo e de preservação da ordem pública é eminentemente civil, são apenas corporações militarizadas mas, nem por isso, assumem, contra a natureza das coisas, status de instituições militares”(...)
“Em verdade, submeter o policial militar da reserva ou reformado às proibições do artigo 166 do Código Penal Militar, sequer se cogitando de manifestações ofensivas, representa clara limitação à livre manifestação do pensamento e estabelecimento de uma forma de censura” (CF art. 5, IV e IX)
Foi discutida, também, a manifestação do pensamento por militar no Habeas Corpus 83.125-7 julgado em 16/09/2003, cujo relator foi expressivo Ministro Marco Aurélio. Nesse Habeas Corpus, buscava a concessão para extirpar o crime tipificado no artigo 219 do CPM o qual considera crime propalar fatos, que sabe inverídicos, capazes de ofender a dignidade ou abalar o crédito das forças armadas ou a confiança que estas merecem do público (artigo 219 do CPM).
Nesse caso, o paciente havia publicado livro intitulado “Feridas da Ditadura Militar” abordando temas, tidos como ofensivo ao Exercito, tais como desapropriação realizada pela União de terras pertencentes a pequenos agricultores no município de Formosa, Estado de Goiás, destinado toda sua extensão para o inadequado uso militar; torturas praticadas durante o período militar e sobre a guerrilha do Araguaia.
O ministro relator iniciou seu voto afirmando que não há Estado Democrático de Direito sem observância da liberdade de expressão, estando garantido tal direito fundamental no artigo 5º da Constituição Federal. Acrescenta que o artigo 220 da Constituição Federal preceitua que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado os limites impostos pela mesma Constituição.
Ainda neste julgado o Ministro Marco Aurélio destaca parecer da Procuradoria Geral da República, o qual se faz importante transcrever:
“Não há absolutamente nada na denúncia que demonstre, de forma inequívoca, que os fatos propalados pelo recorrido sejam inverídicos, falsos, mentirosos, caluniosos, muito menos que ele tivesse plena consciência disso. Aliais seria verdadeiramente aberrante tachar de inverdade uma tela tão triste da nossa história recente como o da repressão e da tortura, nem se podendo, em nome da proteção da honra e da intimidade, restringir a livre manifestação do pensamento quando se trata da discussão e crítica de arbitrariedades patrocinadas ou consentidas pelo Poder Público...”
Em análise de liminar referendada pelo Tribunal Pleno do STF, da ação arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 130
[17], o eminente Ministro Carlos Brito consignou que a referida lei de imprensa não mais se enquadra aos padrões da Democracia, visto que a liberdade de expressão deve se obstar apenas aos preceitos dispostos na Constituição, motivo pelo qual se suspendeu os efeitos da Lei de imprensa até o julgamento de mérito que acabou por declarar tal lei incompatível com a Constituição Federal. Vejamos trecho da decisão em liminar:
“Em que pese a ressalva do relator quanto à multifuncionalidade da ADPF e seu caráter subsidiário, há reiterados pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal pela aplicabilidade do instituto. Princípio constitucional de maior densidade axiológica e mais elevada estatura sistêmica, a Democracia avulta como síntese dos fundamentos da República Federativa brasileira. Democracia que, segundo a Constituição Federal, se apóia em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima qualidade; b) o da transparência ou visibilidade do Poder, seja ele político, seja econômico, seja religioso (art. 220 da CF/88).
A Lei n. 5.250/67 não parece serviente do padrão de Democracia e de Imprensa que ressaiu das pranchetas da Assembléia Constituinte de 87/88. Entretanto, a suspensão total de sua eficácia acarreta prejuízos à própria liberdade de imprensa. Necessidade, portanto, de leitura individualizada de todos os dispositivos da Lei n. 5.250/67. Procedimento, contudo, que a prudência impõe seja realizado quando do julgamento de mérito da ADPF.
Verificação, desde logo, de descompasso entre a Carta de 1988 e os seguintes dispositivos da Lei de Imprensa, a evidenciar a necessidade de concessão da cautelar requerida (...)”
4. RELATIVIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
É verdadeira a assertiva de que não há nenhum direito absoluto, por mais fundamental que seja, já que todo direito tem como correspondente um dever. Nem o direito a vida se coloca absoluto, já que este direito é relativizado quando se admite a pena de morte nos casos de guerra declarada.
Os direitos concernentes à livre manifestação do pensamento, conforme afirma Luis Gustavo G.C de Carvalho
[18], são de eficácia plena, não admitindo qualquer tipo de contenção por lei ordinária a não ser meramente confirmativa das restrições que a própria constituição menciona nos incisos do artigo 5º. Assim se há limites à liberdade de informação eles decorrem necessariamente da Constituição que são o direito à intimidade, direito à imagem, direito à honra e os valores éticos sociais.
Assim, por exemplo, a declaração do direito de liberdade de expressão, taxado no inciso IV do artigo 5º da CF, está limitado no mesmo corpo do dispositivo, pois se declara um direito
“é livre a manifestação do pensamento” e logo em seguida se exige um dever
“vedado o anonimato”, ou, ainda, garante-se um direito
“é livre a manifestação do pensamento” e em seguida se impõe uma responsabilidade para quem abusa deste direito
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação[19]”.
Ademais, como expõe Sylvio Motta
[20], que os direitos individuais têm hierarquia constitucional e, por conseguinte, só podem ser limitados por expressa autorização legal com fundamento na própria constituição. Assim, os direitos fundamentais ou são limitados pela própria constituição ou por lei criada por determinação constitucional.
No caso dos direitos de liberdade de expressão, incluído, a manifestação do pensamento, a atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, a relativização é permitida apenas através da própria constituição.
A exemplo, pode-se destacar o artigo 220 da CF que assevera “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
Observe que o texto constitucional é incisivo “nos termos desta constituição”, não dando margem à relativização do deito a liberdade de expressão por via de lei infraconstitucional. Assim, apenas a Constituição Federal está autorizada a relativizar o direito a liberdade de expressão.
Ademais, os direitos fundamentais têm garantida a aplicabilidade imediata, conforme parágrafo primeiros do artigo 5º da CF
[21], não precisando de lei para torna efetivo tal exercício, com exceção dos direitos fundamentais em que a própria constituição exige regulamentação por lei. Nestes casos, chamados de normas de eficácia contida, a constituição faz referência à expressão “na forma da lei”.
Não é caso dos direitos concernentes à liberdade de expressão, que além de ter sua aplicação imediata, só podem ser limitados pelas normas expressas no texto constitucional.
Neste mesmo sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal:
"Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica."
[22]
É obvio que a liberdade de expressão é inerente ao ser humano, fazendo parte do direito à vida em lato senso, porém é não absoluto e encontra limites dentro da própria Constituição Federal a fim de proteger outros direitos fundamentais. Nesse sentido transcreve-se trecho do voto do ministro Carlos Brito exarado na ação de ADPF 130:
“É de se perguntar, naturalmente: mas a que disposições constitucionais se refere o precitado art. 220 como de obrigatória observância no desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pela imprensa? Resposta: àquelas disposições do art. 5º, versantes sobre vedação do anonimato (parte final do inciso IV); direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV)”.
Portanto, é livre a manifestação do pensamento desde que identificável o seu autor
[23], pois ao autor deve recair os efeitos da expressão do próprio pensamento, recebendo os devidos créditos ou respondendo pelos abusos que por ventura ocorra.
Portanto, a manifestação do pensamento estará condicionada ao não anonimato, mas há exceções. Quando as informações prestadas possam colocar em risco a vida do informante, este tem o direito de se manter oculto, como, por exemplo, nas delações contra organizações criminosas, inclusive, tal atitude é incentivada pelo Estado através dos disk denúncias.
Também, assegura-se o sigilo quanto às fontes de origem de informações recebidas ou recolhidas por jornalistas, rádio-repórteres ou comentaristas
[24] nos casos em que o informante possa sofrer retaliações ou risco de morte, respondendo aos abusos, neste caso, quem divulgar a informação.
Da mesma forma, o direito à manifestação do pensamento encontra óbices nos casos de danos à personalidade, discriminação ou racismo, pois o Estado brasileiro busca o bem de todos sem preconceito de origem, raça, cor, religião, trabalho, idade e quaisquer outras formas de discriminação
[25], primando pela isonomia perante a lei
[26] e pela tutela à personalidade, conforme rol do artigo 5º:
“V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...)
X -são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
A manifestação do pensamento discriminatória está estritamente proibida, respondendo o autor, na esfera cível, pelos danos morais e patrimoniais causados pela informação e, na esfera penal, responderá pelos crimes de injúria, difamação ou racismo.
Ana Marina Nicolodi
[27], em seu artigo intitulado Conflitos entre direitos fundamentais – liberdade de imprensa versus direito à vida privada, direito à imagem e direito à honra, publicado na Revista Jus Vigilantibus, discorre que o direito à intimidade e à imagem são de igual hierarquia constitucional à liberdade de expressão e de informação, não subsistindo diferença de qualidade entre os direitos juridicamente tutelados, sendo possível a prevalência, por meio de ponderação casuística entre os bens e valores jurídicos sub examine.
Assim, quando se conflitam direitos fundamentais, caberá aos aplicadores da lei, analisando as peculiaridades de cada caso concreto, ponderar os bens jurídicos, valorando, por meio da razoabilidade, à qual direito fundamental deverá ser restringido para fazer prevalecer a unidade axiológica da Constituição Federal.