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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Aplicação de pena implica análise do fato

Por Tátila Gomes Versiani

Tendo em vista a difícil aplicação do princípio da insignificância pelos juízes, promotores e tribunais brasileiros, constatada através do fato de que um em cada quatro habeas corpus que chegam ao Supremo Tribunal Federal são concedidos com base no princípio da “bagatela própria”, pretende-se com este estudo e através da dogmática penal como técnica de interpretação, verificar se a aplicação da insignificância é, de fato, capaz de tornar o processo penal mais justo, racional e ético, porquanto livre de moralismos e rente com a preservação da dignidade humana. Para tanto, faz-se digressão acerca das relações entre Direito Penal mínimo, funcionalismo e ética.
Seguindo os ensinamentos de Claus Roxin, teórico responsável pela sistematização jurídica do funcionalismo no Direito Penal e pela ruptura da clássica definição de crime e da incumbência do Direito Penal, é missão deste ramo do Direito a proteção de bens jurídicos relevantes de forma subsidiária e fragmentária. (ROXIN, 2003).
O Direito Penal só se presta à tutela dos bens jurídicos mais relevantes para a coexistência humana quando os demais ramos do Direito se mostram incapazes de tutelar eficazmente esses bens.
Deste modo, pode-se afirmar que o Direito Penal é a ultima ratio do mecanismo de controle social das condutas humanas, que interferem na esfera jurídica estatal ou de particulares.
Neste sentido, Claus Roxin assevera ser o desiderato do Direito Penal o arrimo subsidiário de bens jurídicos.
Para ele, deste fato, dois são consectários lógicos, quais sejam: a exclusão de imoralidades e das contravenções penais da esfera jurídica de proteção penal, o que reflete a fragmentariedade desse ramo do Direito (ROXIN, 2003, p. 52).
O bem jurídico alvo de tutela pelo Direito Penal, dessa forma, é uma “expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e, por isso, juridicamente reconhecido como valioso” (DIAS, 1999, p. 62).
Diante da análise constitucional da proteção penal aos bens jurídicos relevantes, conclui-se que devem ser estes analisados sempre com vistas à pacificação de conflitos e autopreservação da coletividade e do Estado.
Considera-se a fragmentariedade e subsidiariedade do Direito Penal, sustenta-se que a proteção ao bem jurídico relevante é um filtro da necessidade de intervenção do Direito Penal no conflito de interesses, almejando coexistência e pacífica das liberdades dos cidadãos no convívio em sociedade, o que, notadamente, é expressão do Estado Democrático de Direito.
Assim, é possível concluir que existem alguns limites para que se considere um bem jurídico apto à proteção do Direito Penal.
Para que haja uma correta compreensão do bem jurídico no âmbito de um sistema, necessário verificar se a este são conferidos “contornos mais públicos”, aptos a se enquadrarem no “padrão crítico irrenunciável pelo qual se deve aferir a observância da função e, consequentemente, a legitimação do direito penal em cada caso concreto”, conforme assevera Ana Elisa Bechara (2009, p. 26). Deve-se verificar se este bem jurídico é relevante do ponto de vista da moral social da coletividade em determinado tempo e lugar.
Do exposto, factível afirmar que num Estado Democrático de Direito, há fronteira à criminalização das condutas humanas, sendo a Constituição da República Federativa do Brasil da República Federativa do Brasil (CRFB/1988), as garantias e direitos fundamentais fundamentos e limites da intervenção do Direito Penal nos conflitos humanos. Deve-se objetivar um Direito Penal mínimo que atenda às indigências concretas de atuação do Estado.
Nesta senda, Claus Roxin compreende que o Direito Penal, para atender à sua missão, deve ser aplicado observando critérios não apenas baseados no estudo do crime, mas também se devem analisar os aspectos de política criminal e critérios interpretação adequados à moral social vigente em determinada época e espaço, para que esta aplicação seja legítima, porque adequada e proporcional. Portanto, este critério teleológico-racional sistematizado por Claus Roxin, possui relação direta com a aplicação da “teoria tridimensional do Direito” (REALE, 2003, p. 91), a qual considera fato, valor e norma aspectos integrante do fenômeno jurídico.
Neste viés da teleologia-racional do jurista alemão Claus Roxin e da tridimensionalidade do jurista brasileiro de Miguel Reale, ainda que haja tipicidade, antijuridicidade e punibilidade do fato, estas não serão as únicas a serem consideradas para que se obtenha a sanção, devendo-se verificar, eticamente, a concretização da Justiça no caso em exame.
Compreende-se que o princípio da insignificância, paralelamente aos princípios da intervenção mínima, da fragmentariedade, da subsidiariedade e da dignidade da pessoa humana, é uma das expressões do Direito Penal mínimo, substrato do Estado Democrático de Direito, como visto. 
O conteúdo ético deste princípio reside no fato de que se deve resguardar a liberdade, essencial à preservação da essência humana, quando não se verificarem motivos plausíveis, proporcionais e razoáveis a ensejarem a privação deste bem jurídico mediante o exercício do ius puniendi estatal.
O princípio da insignificância decorre do princípio da fragmentariedade, sendo que ambos subsidiam a interpretação restritiva do tipo penal ao lado dos princípios da proibição de pena indigna da humanização da pena e da proporcionalidade com o intento de resguardar a dignidade da natureza humana, princípio-alicerce do Estado Democrático de Direito, no caso concreto.
A insignificância enquanto princípio e dogmática penal, embora há muito exista no ordenamento jurídico brasileiro, tem, nitidamente, encontrado empecilhos à sua aplicação ao caso concreto, o que revela  a dificuldade e o desconforto dos operadores do Direito em seu manejo porque causa de exclusão de tipicidade do fato ( o fato torna-se atípico ao ser aplicada sobre ele a insignificância).
Importante mencionar que os tribunais superiores vêm entendendo não ser este princípio aplicável para tornar atípica a conduta caracterizada por falsificação de moeda, haja vista que, neste caso, o bem jurídico tutelado é a credibilidade do sistema financeiro, o que não se pode desconsiderar ou dispor.
Os prerrequisitos para a operacionalização da insignificância são: mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade da conduta e inexpressividade da lesão provocada.
Quanto à inexpressividade da lesão provocada, mesmo os tribunais superiores têm divergido. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, não há um consenso quanto à forma de análise da inexpressividade, sendo que há julgados que consideram sendo inexpressiva a lesão em conformidade com realidade econômica experimentada pela coletividade em geral, posicionamento este aceito com relação aos crimes contra a administração pública.
Cumpre observar que o STJ tem acoplado aos prerrequisitos de aplicação da insignificância a verificação de antecedentes do agente, bem como seu estilo de vida, o que, data venia, atinge a proporcionalidade e a humanização da pena, pois que “Direito Penal do autor”, portanto, arbitrário, injusto e violador da dignidade humana.
No Supremo Tribunal de Federal, a questão também é alvo de divergência, haja vista haver julgados considerando a lesão para a vítima, em que se consideram as condições econômicas da pessoa lesada, prevalecendo, no entanto, o posicionamento de que não se aplica a insignificância nos crimes contra a administração, porquanto a vítima seja o Estado, a coletividade.
O Estado Democrático de Direito, quanto à intervenção penal estatal na órbita das liberdades individuais, para ser “democrático” deve observância à moral social vigente, ou seja, ao sentimento de justiça social, à ética.  
Para ser de “Direito”, deve observância à coesão do sistema, de forma que a aplicação das normas jurídicas esteja apta à preservação da sua essência e substrato do ordenamento, o que perpassa pela proteção à dignidade da natureza humana, princípio que veda a aplicação de pena indigna, desnecessária e que imprima sofrimento e restrição desproporcional à conduta ofensiva praticada.
Veda-se, deste modo, a aplicação de tudo quanto deteriore dignidade da natureza humana, devendo ser repelida a punição do agente pela análise exclusiva de seu estilo de vida ou de seus antecedentes, refutando, sobremaneira, o “Direito Penal do autor”, já que, considerando a tridimensionalidade do Direito, a aplicação de pena implica a análise do fato e não a do agente ou de suas condições pessoais.
Diante dos argumentos despendidos neste estudo, conclui-se que os conceitos de ética, Estado Democrático de Direito e dignidade da natureza humana estão diretamente relacionados porque juntos são algoritmo de Justiça.

REFERÊNCIAS
BECHARA, Ana Elisa Liberatores. O rendimento da teoria do bem jurídico penal no direito penal atual. Ibccrim – Revista Liberdades, n.  1,  p.  16-29,  maio/agosto  2009. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/revistaLiberdades/_pdf/01/artigo
1.pdf>. Acesso em 15 de março de 2011, às 23h25.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais de direito penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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