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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Bases precisam discutir unificação de carreiras na PF

Por José Ricardo Neves
 
No 14º Congresso Nacional dos Policiais Federais, ocorrido em setembro de 2010, foi aprovada a idéia de unificação dos cargos de agentes, escrivães e papiloscopistas no cargo de Oficial de Polícia Federal, sob o argumento de que a unificação garantiria a valorização dos policiais e a otimização dos recursos humanos no efetivo combate à criminalidade.
Embora os policiais federais presentes no referido congresso tivessem legitimidade para decidir em nome da categoria (isto é incontestável), infelizmente, aprovaram uma questão ainda não conhecida e sequer discutida com as bases. Tanto é assim que, pouco tempo depois, os papiloscopistas, cargo cujo número de policiais federais é menor e, portanto, de mais fácil mobilização, ao analisarem os prós e os contras da unificação, resolveram recuar e desistiram de participar da pretendida empreitada.
Afastados os papiloscopistas da luta, preparou-se a proposta substitutiva ao projeto de Lei 6.493, de autoria do governo federal, que dispõe sobre a organização e funcionamento da Polícia Federal – Lei Orgânica da Polícia Federal, através da qual pretende-se “dotar o organismo policial federal brasileiro de uma estrutura democrática, moderna e eficaz, aspiração acalentada há décadas, especialmente pelos policiais federais”.
Neste sentido, por tratar-se a Polícia Federal da única instituição policial brasileira detentora das funções integradas de polícia judiciária e de polícia administrativa, pretende-se conquistar o reconhecimento legal de uma situação de fato, ou seja, que a PF é uma polícia de ciclo completo, exercendo tanto policiamento preventivo quanto repressivo.
Não há dúvidas de que a Polícia Federal precisa acompanhar as mudanças de paradigmas na área da segurança pública, visando promover “avanços no efetivo combate à criminalidade”, fortalecendo-se interna e externamente.
Contudo, para tanto, não há necessidade da unificação de cargos. Se o que se pretende é trazer “novo paradigma para a carreira do único órgão policial brasileiro de ciclo completo de polícia, portanto, fora dos moldes das polícias estaduais, sejam com funções de polícia administrativa ou polícia judiciária”, através da adoção de nomenclatura diversa – oficial -, já utilizada em outros cargos do Serviço Público Federal, a fim de fortalecer as funções exercidas, basta que seja feito como no caso dos papiloscopistas. Em vez de transformar os atuais cargos de agentes e escrivães de Polícia Federal em Oficial de Polícia Federal, que seja, por exemplo, modificada a atual nomenclatura, passando-se para Oficial de Investigação Policial Federal e Oficial de Cartório Policial Federal, estendendo-se a ambos os direitos e obrigações que se pretende garantir ao OPF.
Tais transformações não trariam prejuízos nem impediriam o exercício das atribuições próprias de polícia administrativa da União, pelos ocupantes dos citados cargos. Bastaria que fossem definidas em lei as atribuições e prerrogativas de cada cargo, como proposto no caso do Oficial de Polícia Federal. Por outro lado, se garantiria aos agentes e escrivães a não unificação de funções, já que “a unificação de cargos públicos se dá com a unificação de todas as atuais atribuições”.
A mudança de nomenclatura garantirá a valorização dos cargos, com reconhecimento do nível superior em razão da complexidade da função, possibilitará a elevação dos salários aos patamares dos demais salários de nível superior do Poder Executivo Federal, sem vaidades, sem pseudos títulos de autoridade.
O que se pretende defender aqui não é o impedimento da modernização da Polícia Federal, mas tão somente garantir que cada policial federal continue a exercer as atribuições do cargo para o qual prestou concurso público, já que tais atribuições são definidas nos respectivos editais. Não é justo que um cidadão escolha a profissão que pretende exercer, em tese, no caso da PF por trinta anos, e após ingressar na instituição tenha que exercer funções de um cargo para o qual não possui perfil e pelo qual não fez opção.
Um dos idealizadores do novo cargo de Oficial de Polícia Federal, em entrevista à Agência Fenapef, quando indagado sobre a possibilidade de um APF não querer trabalhar como EPF ou ser lotado no cartório, explicou que “aprovada no Congresso Nacional a proposta da Fenapef, a mudança na formatação da polícia deve acontecer no dia seguinte, com a aprovação de um novo Regimento Interno e novas funções comissionadas.
No entanto, prosseguiu o colega, “as mudanças das rotinas administrativas seriam gradualmente inseridas no novo contexto. Desta forma, uma mudança na lotação de um atual APF para exercer as atividades desempenhadas hoje por um EPF, em nada ajudaria no processo. Primeiro, o agente sem “experiência” e conhecimento jamais poderia exercer atividades cartorárias, ou vice-versa, e segundo, seria improdutivo, ineficiente e ineficaz. O novo cargo de oficial de Polícia Federal, a partir do primeiro concurso e do treinamento específico, é que estaria capacitado para atuar em qualquer das atribuições de sua classe e nível de padrão”.
Com o devido respeito que merece o entrevistado, não há como concordar com sua explanação. Primeiro, porque a proposta substitutiva ao projeto de lei não contém um artigo, inciso ou parágrafo que garanta isto. Assim como não há nenhuma previsão de que somente aqueles empossados após o primeiro concurso é que estarão capacitados para atuar em qualquer das atribuições. Segundo, porque como foi dito, aprovada a lei, a mudança acontece no dia seguinte. Terceiro, porque na proposta substitutiva ao projeto de lei está elencado dentre as atribuições do OPF “proceder a atos de formalização e de fé-pública dos procedimentos relacionados às investigações policiais e criminais, de operações policiais, bem como a supervisão dos serviços cartorários”.
Assim sendo, diante do problema vivenciado de Norte a Sul do país - a carência de escrivães, a Administração é que será beneficiada, em detrimento dos servidores, pois terá a solução de uma situação crônica, até então sem solução a curto prazo.
Por outro lado, os escrivães também estarão sujeitos ao bom humor dos chefes, pois segundo a previsão contida na proposta substitutiva do projeto de lei, ao OPF compete proceder a investigações preliminares, as operações policiais, as medidas de segurança orgânica, a produção de conhecimento de informações e de inteligência policial e outras definidas em regulamento.
Vale a pena mencionar um exemplo hipotético e prático. Logo após a entrada em vigor da nova lei que unificou e transformou os cargos de APF e EPF em OPF, chega em determinada unidade da PF uma guarnição da PM conduzindo uma ocorrência de prisão em flagrante. De imediato, o plantonista da referida unidade aciona o sobreaviso do dia, no caso um DPF e dois OPF’s, estes últimos dois ex-APF’s. Quem será que faria os procedimentos cartorários? O delegado ou os OPF’s?
Mudando o exemplo: estão de sobreaviso dois OPF’s, no caso ambos ex-EPF’s e há um acionamento para acompanhamento de traficantes em razão de um serviço em andamento em outra unidade do DPF. Quem será que fará a vigilância, a barreira, a prisão etc?
Na mesma entrevista citada, foi dito que “a atividade de polícia judiciária seria prestada subsidiariamente, e especialmente, para dar fé pública as certidões, autos, etc., e documentos do feito. Já as atividades meramente burocráticas do IPL e do próprio cartório, como digitações, escriturações e produção de ofícios e demais expedientes, passarão para os servidores administrativos”.
De novo, não há como concordar com esta assertiva, pois que se pretende emprestar à atividade de polícia repressiva uma conotação de somenos importância, bem como relegá-la a uma mera atividade cartorária a ser desempenhada subsidiariamente. Não há dúvidas de que a atividade de polícia administrativa ou preventiva é de grande importância no contexto da segurança pública, porém não maior nem menor que a de polícia judiciária ou repressiva.
A atividade de polícia judiciária não está adstrita exclusivamente a “atividades cartorárias”, pois envolve também investigações, operações de inteligência, produção de conhecimento etc. Estas atividades são desempenhadas pelos APF’s e são também atividades-fins da Polícia Federal. Na proposta substitutiva ao projeto de lei, não há qualquer menção à passagem das “atividades burocráticas” dos cartórios para servidores administrativos. Portanto, serão desempenhadas pelos OPF’s.
Outra questão, que passa despercebida diante da gama de assuntos tratados na proposta substitutiva ao projeto de lei, é quanto ao uso de fardamentos e vestes de policiamento ostensivo, que serão “privativos do OPF” no desempenho de suas funções de polícia administrativa da União. A Polícia Federal fardada é questão polêmica e já foi rechaçada num passado recente pelas entidades sindicais.
Quando perguntado como se daria a formação dos futuros OPF’s, o entrevistado respondeu que “o policial que ingressar no órgão atuará no início de sua carreira como policial de operações em ações de policiamento preventivo e ostensivo e com o desenvolvimento na carreira nas demais áreas, e atuando na chefia, no planejamento, na coordenação, na supervisão e direção destas atividades da Polícia Federal”.
Há que se levar em consideração, primeiramente, que nunca será possível que todos se tornem chefes. Portanto, a maioria continuará sujeita exclusivamente ao desempenho da função para a qual se formou e se capacitou, ou melhor, no caso do OPF, para a qual foi designado. Mais uma vez, por mais repetitivo que possa parecer, é importante frisar que na proposta substitutiva ao projeto de lei, não há qualquer texto dispondo que somente o policial que ingressar na carreira atuará na condição de policial de operações em ações de policiamento preventivo e ostensivo. Ou seja, todos os OPF’s estarão sujeitos a ser designados para atuar como policial federal fardado, função da polícia administrativa.
Tem-se ainda a idéia de que tais policiais, os OPF’s, desenvolvam ações “por um projeto de uma UPP Federal, que seria uma Unidade Preventiva de Polícia Federal, inspiradas no programa do Rio de Janeiro, onde a Polícia Federal teria unidades central e descentralizadas, dentro de sua estrutura, institucionalmente e permanentemente voltadas para esta atividade e subsidiariamente para a atividade repressiva”. Sem comentários.
Que o sistema atual de persecução penal vigente no Brasil é arcaico ninguém tem dúvidas. Que o inquérito policial não atende aos anseios da sociedade nos quesitos eficácia, eficiência e efetividade na apuração dos ilícitos penais, é outra realidade inegável. Porém, é o inquérito policial que está previsto na lei adjetiva desde sua edição, em 1941. De acordo com o projeto de reforma aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, continuará sendo, apesar de seus 70 anos de existência e dos muitos estudos científicos e estatísticas, que demonstram sua ineficiência. Os motivos que levaram os juristas e os congressistas a não ousarem apresentar e aprovar uma proposta capaz de atender as expectativas da sociedade é uma incógnita.
O sistema de segurança pública e justiça criminal como um todo, para alcançar resultados significativos e efetivos no enfrentamento da violência e da criminalidade, precisam unir forças e estarem amparados por uma legislação moderna, elaborada com base na visão de futuro desejada pela sociedade. Mas pelo visto isto não ocorrerá agora.
A Polícia Federal como instituição de segurança pública não pode estar alheia a tudo isto, porém uma mudança drástica em sua estrutura funcional, como a proposta com a unificação de cargos, precisa ser melhor discutida. Somente através da promoção de um debate aprofundado, com explanação minuciosa dos efeitos presentes e futuros decorrentes da unificação dos cargos de agentes e escrivães, será possível chegar a um consenso.
Não é sensato, nem admissível, que unicamente em razão de não terem sido incluídas no projeto de Lei Orgânica da PF as verdadeiras pretensões dos policiais federais não-delegados, que seja lançada uma proposta de cunho meramente “alternativo”, como forma de garantir um “ganho”. Até porque este não está clara e plenamente demonstrado e definido.
As máximas da administração moderna se encaixam também às instituições públicas. Neste sentido, é importante dizer que “ao partir para o futuro é necessário olhar para o presente: é importante saber onde e como você está antes de “comprar a passagem” para o futuro”. “Na realidade, é muito difícil conseguir oferecer diferenciais interessantes a um “mercado” quando a organização quer “fazer de tudo”. Quanto mais especializada for a organização, maiores serão as possibilidades de desenvolver diferenciais competitivos interessantes ao “mercado”.
A efetivação do ciclo completo de polícia na Polícia Federal é uma meta viável, possível, objetiva, consistente, coerente e que vai de encontro às propostas de modernização da atividade policial. No caso da PF, além de tudo isto, está ainda em consonância com a legislação em vigor.
Mais que uma unificação de cargos urge para a Lei Orgânica da Polícia Federal a garantia do exercício da função policial com isenção, sem privilégios para uns cargos em detrimento de outros, com estabelecimento de chefias baseadas na experiência profissional e na meritocracia. O primeiro aspecto a ser considerado no processo de formulação da estratégia de uma instituição deve contemplar as pessoas encarregadas de seu planejamento. Nesta lógica, os novos empregados são descartados por não possuírem conhecimento e experiência.

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