
O congresso, intitulado Transnational Inquiries and the Protection of Fundamental Rights in Criminal Proceedings (Questões Transnacionais e da Proteção dos Direitos Fundamentais no Processo Penal), discutiu aspectos jurídicos referentes à investigação, à coleta de prova e, principalmente, os instrumentos administrativos e legais para viabilizar a cooperação internacional em matéria criminal. O encontro foi organizado pela Universidade de Messina, pela Universidade Consortium Megara Ibleo e pela Fundação Bonino-Pulejo. O italiano e o inglês foram os idiomas oficiais do congresso.
Ao lado de doutores e professores italianos das melhores universidades — Bolonha, Palermo, Messina, Insubria, Modena, Pisa e Catania —, circularam especialistas da Alemanha, China, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, Hungria, Inglaterra, México, Rússia e Brasil. Coube ao desembargador Nereu Giacomolli, integrante da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, representar o Brasil entre os 30 conferencistas. Ele falou sobre: “A cooperação jurídica internacional na investigação e prova em matéria criminal: aspectos do Brasil”.
Para o desembargador gaúcho, que também é professor de Direito Penal e doutor por duas universidades europeias, a globalização e o aumento dos fluxos migratórios, junto com a expansão da internet, estão redesenhando o crime no planeta. Os ilícitos locais e pontuais estão cedendo lugar aos crimes transnacionais, de grande escala, que movimentam grandes quantias em dinheiro e ultrapassam as fronteiras.
Neste cenário, diz o desembargador, os Estados soberanos terão que melhorar o seu nível de cooperação se quiserem fazer frente aos ilícitos — contrabando, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, escravidão. ‘‘Esta cooperação passa, necessariamente, pelo aperfeiçoamento dos instrumentos jurídicos, que irão dar base legal para investigar, colher a prova e julgar os infratores’’, explica.
Por outro lado, explica Giacomolli, fazer novas leis em consenso com outras nações, de certa forma, significa reconfigurar o sistema jurídico. ‘‘Por isso, uma das maiores preocupações dos especialistas é de não fomentar a criação de leis, acordos ou outros instrumentos jurídico-administrativos que venham a ferir o estado democrático de direito, os direitos fundamentais da pessoa humana ou as liberdades individuais’’, ressalta.
De volta à rotina do Tribunal de Justiça, o desembargador Nereu Giacomolli arrumou um tempinho na sua apertada agenda para falar do encontro de Siracusa e de outros temas pertinentes à sua área de atuação.
Leia a entrevista:
ConJur — O senhor foi o único brasileiro convidado a participar do Congresso de Siracusa, na Itália. Qual a relevância da sua conferência para os propósitos do evento?
Nereu Giacomolli — Foi uma honra ter sido convidado e tido a oportunidade de trocar experiências e impressões com professores e especialistas ilustres de outros países. A participação de um brasileiro em congressos internacionais, especialmente sobre o tema da cooperação jurídica internacional, é de suma importância ao desenvolvimento de novos mecanismos de auxílio na investigação e prova dos delitos. Isso insere o Brasil no cenário internacional.Vários são os aspectos positivos de uma conferência internacional, sobre um ponto específico e delimitado. Num evento como este, é possível trocar experiências sobre legislação, jurisprudência e práticas de cooperação. Na minha palestra, pude mostrar que mecanismos o Brasil utiliza na cooperação jurídica — Carta Rogatória, Homologação de Sentença Estrangeira, Extradição, Auxílio Direto, por exemplo — e quais as peculiaridades da legislação interna em matéria criminal. Principalmente, sobre a denominada Reserva Jurisdicional em determinados casos, como a necessidade de autorização judicial, no Brasil, para quebra de sigilo telefônico, bancário e outras restrições no plano da prisão e liberdade e da constrição de bens. Modernamente, a colaboração internacional em matéria penal reafirma os conceitos de Estado de Direito e de soberania, pois há um consenso internacional sobre a necessidade de prevenir e reprimir a criminalidade transnacional, mormente as mais danosa: tráfico internacional de entorpecentes, lavagem de dinheiro, remessa ilegal de ativos. As experiências de outros países servem para questionar e aperfeiçoar o nosso sistema.
Nereu Giacomolli — Foi uma honra ter sido convidado e tido a oportunidade de trocar experiências e impressões com professores e especialistas ilustres de outros países. A participação de um brasileiro em congressos internacionais, especialmente sobre o tema da cooperação jurídica internacional, é de suma importância ao desenvolvimento de novos mecanismos de auxílio na investigação e prova dos delitos. Isso insere o Brasil no cenário internacional.Vários são os aspectos positivos de uma conferência internacional, sobre um ponto específico e delimitado. Num evento como este, é possível trocar experiências sobre legislação, jurisprudência e práticas de cooperação. Na minha palestra, pude mostrar que mecanismos o Brasil utiliza na cooperação jurídica — Carta Rogatória, Homologação de Sentença Estrangeira, Extradição, Auxílio Direto, por exemplo — e quais as peculiaridades da legislação interna em matéria criminal. Principalmente, sobre a denominada Reserva Jurisdicional em determinados casos, como a necessidade de autorização judicial, no Brasil, para quebra de sigilo telefônico, bancário e outras restrições no plano da prisão e liberdade e da constrição de bens. Modernamente, a colaboração internacional em matéria penal reafirma os conceitos de Estado de Direito e de soberania, pois há um consenso internacional sobre a necessidade de prevenir e reprimir a criminalidade transnacional, mormente as mais danosa: tráfico internacional de entorpecentes, lavagem de dinheiro, remessa ilegal de ativos. As experiências de outros países servem para questionar e aperfeiçoar o nosso sistema.
ConJur — Numa visão panorâmica, qual avaliação o senhor faz do evento? Em quê ele vai agregar para se evitar ou combater o crime organizado?
Nereu Giacomolli — Partindo da questão dos crimes transnacionais, o evento discutiu a afirmação da soberania dos Estados nacionais, o Estado democrático de Direito, as garantias individuais e as possíveis interfaces jurídicas que possam contribuir com escopo legal de consenso na comunidade internacional. Não é possível debater a questão da criminalidade sem considerar estes aspectos, e o evento contribuiu muito para jogar luzes em todos eles, umbilicalmente interligados. De outra parte, temos de considerar que a globalização e o incremento da migração acirraram consideravelmente a criminalidade, que não respeita fronteiras, nem se limita a determinado território. Neste cenário, nenhum país, isoladamente, dará conta de prevenir ou mitigar estes crimes. Em função desta realidade, há necessidade de se discutir a solidariedade internacional na prevenção e na repressão da criminalidade organizada, transnacional, também denominada de criminalidade inteligente, por alguns. Ao mesmo tempo, se faz mister preservar os direitos fundamentais do cidadão. Ou seja, precisamos achar o ponto de equilíbrio entre o dever de combater o crime, que é uma prerrogativa de Estado, e a preservação das garantias individuais, para não cairmos num estado de exceção. O Brasil também se insere no contexto internacional da globalização e não pode abrir mão de discutir estas questões. Afinal, vem contribuindo para o aumento da circulação de pessoas, bens e serviços, com interações imediatas e simultâneas.
Nereu Giacomolli — Partindo da questão dos crimes transnacionais, o evento discutiu a afirmação da soberania dos Estados nacionais, o Estado democrático de Direito, as garantias individuais e as possíveis interfaces jurídicas que possam contribuir com escopo legal de consenso na comunidade internacional. Não é possível debater a questão da criminalidade sem considerar estes aspectos, e o evento contribuiu muito para jogar luzes em todos eles, umbilicalmente interligados. De outra parte, temos de considerar que a globalização e o incremento da migração acirraram consideravelmente a criminalidade, que não respeita fronteiras, nem se limita a determinado território. Neste cenário, nenhum país, isoladamente, dará conta de prevenir ou mitigar estes crimes. Em função desta realidade, há necessidade de se discutir a solidariedade internacional na prevenção e na repressão da criminalidade organizada, transnacional, também denominada de criminalidade inteligente, por alguns. Ao mesmo tempo, se faz mister preservar os direitos fundamentais do cidadão. Ou seja, precisamos achar o ponto de equilíbrio entre o dever de combater o crime, que é uma prerrogativa de Estado, e a preservação das garantias individuais, para não cairmos num estado de exceção. O Brasil também se insere no contexto internacional da globalização e não pode abrir mão de discutir estas questões. Afinal, vem contribuindo para o aumento da circulação de pessoas, bens e serviços, com interações imediatas e simultâneas.
ConJur — O senhor poderia exemplificar?
Nereu Giacomolli — É simples. Queremos chegar a um consenso sobre como investigar, conduzir o processo e julgar. Hoje, a grosso modo, cada país tem as suas regras — embora algumas leis ou procedimentos sejam comuns na comunidade internacional. Sem esta cooperação, estaremos perdendo a guerra para o crime organizado, que é mais ágil e mais efetivo, porque dispensa a burocracia. Os Estados, ao contrário, são estruturas enormes, difusas, onde cada decisão precisa passar por vários estágios até se transformar em lei. Por exemplo: que tipo de prova buscar, por que meio? Onde o condenado deve cumprir pena? De que forma e por quanto tempo? Estamos diante de uma nova ordem global, direcionada na perspectiva de assinaturas de tratados, convenções e protocolos internacionais, os quais devem ser cumpridos pelos signatários, sob pena de descrédito internacional. No plano da cooperação jurídica internacional, a questão dos direitos humanos ou direitos fundamentais se reveste de grande importância, devido à repercussão interna e internacional de sua violação. A preservação dos direitos fundamentais interfere tanto no momento da celebração dos acordos internacionais, pois o Estado assume obrigações junto aos demais países, como na cooperação ativa e passiva. A realidade internacional permite o avanço da interpretação do Direito Penal para além dos Códigos Penais e das Constituições internas de cada país. Há uma ordem internacional que deve ser respeitada. Essa nova perspectiva de interpretar o Direito interno há de ser incrementada nas Faculdades de Direito, no estudo do Direito. Já se fala em controle da convencionalidade, muito acima do controle da constitucionalidade.
Nereu Giacomolli — É simples. Queremos chegar a um consenso sobre como investigar, conduzir o processo e julgar. Hoje, a grosso modo, cada país tem as suas regras — embora algumas leis ou procedimentos sejam comuns na comunidade internacional. Sem esta cooperação, estaremos perdendo a guerra para o crime organizado, que é mais ágil e mais efetivo, porque dispensa a burocracia. Os Estados, ao contrário, são estruturas enormes, difusas, onde cada decisão precisa passar por vários estágios até se transformar em lei. Por exemplo: que tipo de prova buscar, por que meio? Onde o condenado deve cumprir pena? De que forma e por quanto tempo? Estamos diante de uma nova ordem global, direcionada na perspectiva de assinaturas de tratados, convenções e protocolos internacionais, os quais devem ser cumpridos pelos signatários, sob pena de descrédito internacional. No plano da cooperação jurídica internacional, a questão dos direitos humanos ou direitos fundamentais se reveste de grande importância, devido à repercussão interna e internacional de sua violação. A preservação dos direitos fundamentais interfere tanto no momento da celebração dos acordos internacionais, pois o Estado assume obrigações junto aos demais países, como na cooperação ativa e passiva. A realidade internacional permite o avanço da interpretação do Direito Penal para além dos Códigos Penais e das Constituições internas de cada país. Há uma ordem internacional que deve ser respeitada. Essa nova perspectiva de interpretar o Direito interno há de ser incrementada nas Faculdades de Direito, no estudo do Direito. Já se fala em controle da convencionalidade, muito acima do controle da constitucionalidade.
ConJur — Quais as discussões chamara a sua atenção no Congresso?
Nereu Giacomolli — Em relação à América Latina, destaco a conferência do professor Alexei Julio Estrada, da Corte Constitucional da Colômbia, que abordou a questão da cooperação internacional vinculada às vítimas de graves e sérias violações dos direitos humanos no nosso continente. Houve referência a vários casos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, inclusive envolvendo minorias. Também cito o professor Bernd Hecker, da Universidade de Trier, Alemanha, por ter abordado a situação da assistência mútua na problemática criminal e a admissibilidade de transferência de provas entre os diversos estados europeus. A possibilidade de compartilhamento de provas entre os diversos processos e países é uma situação problemática, em razão dos direitos fundamentais e da necessidade de efetivação da cooperação. O professor Giancarlo Rando, da Universidade de Bocconi, Itália, tratou da influência das cortes europeias na formação do moderno constitucionalismo europeu, principalmente acerca do direito de liberdade. O professor Mark Zöller, da Universidade de Trier, Alemanha, abordou os temas da dimensão externa da área de liberdade, segurança e Justiça, no combate ao terrorismo e criminalidade organizada. Também foram destacadas as conferências de professores dos Estados Unidos, China e Rússia, por sua importância no contexto mundial.
Nereu Giacomolli — Em relação à América Latina, destaco a conferência do professor Alexei Julio Estrada, da Corte Constitucional da Colômbia, que abordou a questão da cooperação internacional vinculada às vítimas de graves e sérias violações dos direitos humanos no nosso continente. Houve referência a vários casos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, inclusive envolvendo minorias. Também cito o professor Bernd Hecker, da Universidade de Trier, Alemanha, por ter abordado a situação da assistência mútua na problemática criminal e a admissibilidade de transferência de provas entre os diversos estados europeus. A possibilidade de compartilhamento de provas entre os diversos processos e países é uma situação problemática, em razão dos direitos fundamentais e da necessidade de efetivação da cooperação. O professor Giancarlo Rando, da Universidade de Bocconi, Itália, tratou da influência das cortes europeias na formação do moderno constitucionalismo europeu, principalmente acerca do direito de liberdade. O professor Mark Zöller, da Universidade de Trier, Alemanha, abordou os temas da dimensão externa da área de liberdade, segurança e Justiça, no combate ao terrorismo e criminalidade organizada. Também foram destacadas as conferências de professores dos Estados Unidos, China e Rússia, por sua importância no contexto mundial.
ConJur — A visão jurídica do crime, das violações ou das infrações na Europa é muito diferente da nossa? O que nos aproxima e o que nos distancia?
Nereu Giacomolli — Há pontos de contato e outros de distanciamento. Na prática de crimes, tanto a Europa como o Brasil vivem a realidade da mobilidade e ausência de delimitação territorial. Outros aspectos em comum são a especialidade, sofisticação e organização dos criminosos, que procuram envolver agentes públicos, pessoas influentes, inclusive pessoas jurídicas. O que nos distancia é que na Europa há investimento na prevenção e na repressão dos delitos, o que propicia a utilização de novas tecnologias e novas metodologias na investigação e na produção da prova. No Brasil, há um abandono da fase preliminar do processo penal, principalmente da investigação criminal e dos mecanismos de busca da prova. Pouco se investe na segurança pública e na prevenção do delito. A nossa estrutura é arcaica, comparada com a europeia. Mas os tipos penais são praticamente os mesmos. Entretanto, já se observa que o Brasil tem vontade de melhorar e de se inserir no contexto internacional.
Nereu Giacomolli — Há pontos de contato e outros de distanciamento. Na prática de crimes, tanto a Europa como o Brasil vivem a realidade da mobilidade e ausência de delimitação territorial. Outros aspectos em comum são a especialidade, sofisticação e organização dos criminosos, que procuram envolver agentes públicos, pessoas influentes, inclusive pessoas jurídicas. O que nos distancia é que na Europa há investimento na prevenção e na repressão dos delitos, o que propicia a utilização de novas tecnologias e novas metodologias na investigação e na produção da prova. No Brasil, há um abandono da fase preliminar do processo penal, principalmente da investigação criminal e dos mecanismos de busca da prova. Pouco se investe na segurança pública e na prevenção do delito. A nossa estrutura é arcaica, comparada com a europeia. Mas os tipos penais são praticamente os mesmos. Entretanto, já se observa que o Brasil tem vontade de melhorar e de se inserir no contexto internacional.
ConJur — Os governos têm instrumentos legais e estão preparados para a troca de experiência e ajuda mútua no combate aos crimes transnacionais? Se não, o que falta?
Nereu Giacomolli — Cada país possui seus próprios instrumentos de prevenção e enfrentamento da criminalidade, mas estes mecanismos se esgotam dentro de suas próprias fronteiras, de uma maneira geral. O Brasil e os países da América Latina estão evoluindo. Vêm firmando tratados internacionais de cooperação, de auxílio mútuo, de reciprocidade. Esta lenta evolução interfere na interpretação das leis nacionais, na modificação da legislação e da jurisprudência. Com isso, o Brasil vai se inserindo, aos poucos, no contexto internacional. Além de tratados, há redes de cooperação, das quais o Brasil também participa, como a Rede Iberoamericana de Cooperação Judicial [IberRed], a Rede de Cooperação Jurídica dos Países de Língua Portuguesa, bem como a Rede HemisféricadeIntercâmbiodeInformaçõespara oAuxílio Jurídico MútuoemMatéria Penal, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). No entanto, as situações específicas, peculiares, de cada país, em matéria de investigação e de busca de prova, se constituem num problema. Por exemplo, em determinados países, o Ministério Público possui competência para quebrar o sigilo bancário e telefônico, e em outros não. Outro aspecto relevante são as autoridades centrais que emitem o juízo administrativo na cooperação. No Brasil, não temos uma autoridade central única, embora a mais importante e a principal seja o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional [DRCI], vinculado ao Ministério da Justiça. Temos que aperfeiçoar os nossos mecanismos de cooperação, tanto no plano da legislação interna quanto no momento da assinatura dos acordos internacionais.
Nereu Giacomolli — Cada país possui seus próprios instrumentos de prevenção e enfrentamento da criminalidade, mas estes mecanismos se esgotam dentro de suas próprias fronteiras, de uma maneira geral. O Brasil e os países da América Latina estão evoluindo. Vêm firmando tratados internacionais de cooperação, de auxílio mútuo, de reciprocidade. Esta lenta evolução interfere na interpretação das leis nacionais, na modificação da legislação e da jurisprudência. Com isso, o Brasil vai se inserindo, aos poucos, no contexto internacional. Além de tratados, há redes de cooperação, das quais o Brasil também participa, como a Rede Iberoamericana de Cooperação Judicial [IberRed], a Rede de Cooperação Jurídica dos Países de Língua Portuguesa, bem como a Rede HemisféricadeIntercâmbiodeInformaçõespara oAuxílio Jurídico MútuoemMatéria Penal, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). No entanto, as situações específicas, peculiares, de cada país, em matéria de investigação e de busca de prova, se constituem num problema. Por exemplo, em determinados países, o Ministério Público possui competência para quebrar o sigilo bancário e telefônico, e em outros não. Outro aspecto relevante são as autoridades centrais que emitem o juízo administrativo na cooperação. No Brasil, não temos uma autoridade central única, embora a mais importante e a principal seja o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional [DRCI], vinculado ao Ministério da Justiça. Temos que aperfeiçoar os nossos mecanismos de cooperação, tanto no plano da legislação interna quanto no momento da assinatura dos acordos internacionais.
ConJur — O Brasil precisa de uma legislação interna específica para viabilizar a cooperação jurídica internacional? A Resolução 9/2005, do STJ, é suficiente?
Nereu Giacomolli — Não possuímos uma lei específica sobre a cooperação jurídica internacional. Há previsões esparsas no Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal, na Lei de Introdução ao Código Civil e em algumas leis, mas de modo insuficiente. Atualmente, a Resolução 9/2005, do Superior Tribunal de Justiça, disciplina a cooperação jurídica internacional, em matéria civil e criminal: cartas rogatórias, sentenças estrangeiras, auxílio direito ou mútuo, informação sobre Direito estrangeiro e pedidos de informação, por exemplo. A resolução prevê os mecanismos e a dinâmica interna na cooperação. Aliás, a referida resolução baseou-se em anteprojeto de lei de cooperação jurídica. Contudo, ainda não logramos uma lei específica, que possibilitaria maior discussão parlamentar dos mecanismos de cooperação, seu funcionamento, limites e objetivos. Uma lei específica sobre a cooperação, certamente, levaria à discussão a nossa Constituição e os tratados internacionais já firmados pelo Brasil. Avançamos em alguns aspectos, como o cumprimento de Rogatórias Executórias, mas há questões relevantes para serem disciplinadas, como a transferência de informações, de prova, a regulamentação da cooperação direta entre autoridades policiais e aduaneiras de diversos países e entre os membros do Ministério Público de outros países. Por isso, urge discutir estas questões, aperfeiçoar o sistema e nos inserir dentro da realidade internacional.
Nereu Giacomolli — Não possuímos uma lei específica sobre a cooperação jurídica internacional. Há previsões esparsas no Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal, na Lei de Introdução ao Código Civil e em algumas leis, mas de modo insuficiente. Atualmente, a Resolução 9/2005, do Superior Tribunal de Justiça, disciplina a cooperação jurídica internacional, em matéria civil e criminal: cartas rogatórias, sentenças estrangeiras, auxílio direito ou mútuo, informação sobre Direito estrangeiro e pedidos de informação, por exemplo. A resolução prevê os mecanismos e a dinâmica interna na cooperação. Aliás, a referida resolução baseou-se em anteprojeto de lei de cooperação jurídica. Contudo, ainda não logramos uma lei específica, que possibilitaria maior discussão parlamentar dos mecanismos de cooperação, seu funcionamento, limites e objetivos. Uma lei específica sobre a cooperação, certamente, levaria à discussão a nossa Constituição e os tratados internacionais já firmados pelo Brasil. Avançamos em alguns aspectos, como o cumprimento de Rogatórias Executórias, mas há questões relevantes para serem disciplinadas, como a transferência de informações, de prova, a regulamentação da cooperação direta entre autoridades policiais e aduaneiras de diversos países e entre os membros do Ministério Público de outros países. Por isso, urge discutir estas questões, aperfeiçoar o sistema e nos inserir dentro da realidade internacional.
ConJur — De quais tratados o Brasil é signatário na área criminal?
Nereu Giacomolli — Além das redes de cooperação, destaco a adesão do Brasil à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional, também chamada de Convenção de Palermo; a Convenção sobre o Tráfico Ilícito de Substâncias Entorpecentes e Psicotrópicas, ou Convenção de Viena, de 1988; a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, também conhecida como Convenção de Mérida; a Convenção Interamericana de Assistência Mútua em Matéria Penal, de 1992. Além disso, o Brasil firmou o primeiro acordo de auxílio direto, com a Itália, em 1993, seguindo-se outros, com dezenas de países. Também há vários acordos no âmbito do Mercosul, envolvendo a cooperação jurídica em matéria penal. Estes acordos internacionais influíram na elaboração e na interpretação da legislação interna.
Nereu Giacomolli — Além das redes de cooperação, destaco a adesão do Brasil à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional, também chamada de Convenção de Palermo; a Convenção sobre o Tráfico Ilícito de Substâncias Entorpecentes e Psicotrópicas, ou Convenção de Viena, de 1988; a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, também conhecida como Convenção de Mérida; a Convenção Interamericana de Assistência Mútua em Matéria Penal, de 1992. Além disso, o Brasil firmou o primeiro acordo de auxílio direto, com a Itália, em 1993, seguindo-se outros, com dezenas de países. Também há vários acordos no âmbito do Mercosul, envolvendo a cooperação jurídica em matéria penal. Estes acordos internacionais influíram na elaboração e na interpretação da legislação interna.
ConJur — A formalização e a operacionalização destes acordos passam, necessariamente, pelo crivo e/ou aprovação do Ministério das Relações Exteriores, ou as entidades internas têm independência e prerrogativas para estabelecer as bases jurídico-administrativas?
Nereu Giacomolli — No Brasil, o presidente da República é o que detém poder de celebrar tratados e acordos internacionais, segundo o artigo 84, inciso VIII, da Constituição, mas o documento tem que passar pela aprovação do Congresso Nacional, nos termos do artigo 49, inciso I, sem possibilidade de alterar o conteúdo do Tratado ou da Convenção. Referendado o tratado ou a convenção, cabe ao presidente do Senado promulgá-lo [artigo 57, parágrafo 5º, da Constituição]. Depois de aprovado pelo Senado, deverá haver uma ratificação pelo presidente da República, por meio de decreto. A partir daí, o tratado ou a convenção passa a ter aplicação no Brasil.
Nereu Giacomolli — No Brasil, o presidente da República é o que detém poder de celebrar tratados e acordos internacionais, segundo o artigo 84, inciso VIII, da Constituição, mas o documento tem que passar pela aprovação do Congresso Nacional, nos termos do artigo 49, inciso I, sem possibilidade de alterar o conteúdo do Tratado ou da Convenção. Referendado o tratado ou a convenção, cabe ao presidente do Senado promulgá-lo [artigo 57, parágrafo 5º, da Constituição]. Depois de aprovado pelo Senado, deverá haver uma ratificação pelo presidente da República, por meio de decreto. A partir daí, o tratado ou a convenção passa a ter aplicação no Brasil.
ConJur — E os pedidos de cooperação jurídica que vêm de autoridade estrangeira?
Nereu Giacomolli — Bem, estes são recebidos pela autoridade central, via de regra, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, vinculado ao Ministério da Justiça. É quem realiza o exame prévio dos requisitos administrativos e coordena a tramitação do processo de cooperação. Num segundo momento, há necessidade de verificar a existência ou não de acordo da autoridade requerente da cooperação, com o Brasil ou, na inexistência de acordo, se a autoridade estrangeira promete reciprocidade em casos análogos. Quando houver acordo ou promessa de reciprocidade, o pedido de cooperação poderá tramitar como Auxílio Direto, sem necessidade de passar pelo filtro do Superior Tribunal de Justiça. Nos demais casos e quando o pedido de cooperação for oriundo de autoridade judiciária estrangeira, este deverá passar pela análise do Superior Tribunal de Justiça, a quem compete autorizar o cumprimento do pedido [Exequatur, juízo de homologação]. Na forma de Auxílio Direto ou de Rogatória, a competência é da Justiça Federal, provocada pelo Ministério Público Federal, quando houver necessidade de provimento judicial no Brasil. Nos casos em que existe a Reserva Judicial, como na quebra do sigilo bancário ou telefônico, há necessidade da intervenção do Poder Judiciário. Além disso, são verificados os requisitos formais e substancias dos pedidos de cooperação.
Nereu Giacomolli — Bem, estes são recebidos pela autoridade central, via de regra, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, vinculado ao Ministério da Justiça. É quem realiza o exame prévio dos requisitos administrativos e coordena a tramitação do processo de cooperação. Num segundo momento, há necessidade de verificar a existência ou não de acordo da autoridade requerente da cooperação, com o Brasil ou, na inexistência de acordo, se a autoridade estrangeira promete reciprocidade em casos análogos. Quando houver acordo ou promessa de reciprocidade, o pedido de cooperação poderá tramitar como Auxílio Direto, sem necessidade de passar pelo filtro do Superior Tribunal de Justiça. Nos demais casos e quando o pedido de cooperação for oriundo de autoridade judiciária estrangeira, este deverá passar pela análise do Superior Tribunal de Justiça, a quem compete autorizar o cumprimento do pedido [Exequatur, juízo de homologação]. Na forma de Auxílio Direto ou de Rogatória, a competência é da Justiça Federal, provocada pelo Ministério Público Federal, quando houver necessidade de provimento judicial no Brasil. Nos casos em que existe a Reserva Judicial, como na quebra do sigilo bancário ou telefônico, há necessidade da intervenção do Poder Judiciário. Além disso, são verificados os requisitos formais e substancias dos pedidos de cooperação.
ConJur — Os países em que vigora o Estado democrático de Direito são mais vulneráveis ao crime, pelo ambiente de liberdade, respeito aos direitos individuais e restrições investigativas?
Nereu Giacomolli — O fenômeno da criminalidade existe em Estados onde a democracia se consolidou ou está em se consolidando. Os espaços de liberdade, onde impera o respeito aos direitos individuais, não impedem o cometimento de delitos. Mesmo em Estados totalitários, há crimes, há violência. A afirmação do Estado democrático passa pela solidariedade internacional, pela prevenção da criminalidade e seu enfrentamento.
Nereu Giacomolli — O fenômeno da criminalidade existe em Estados onde a democracia se consolidou ou está em se consolidando. Os espaços de liberdade, onde impera o respeito aos direitos individuais, não impedem o cometimento de delitos. Mesmo em Estados totalitários, há crimes, há violência. A afirmação do Estado democrático passa pela solidariedade internacional, pela prevenção da criminalidade e seu enfrentamento.
ConJur — Como os juristas estão vendo o papel da internet como plataforma facilitadora para crimes (agora, sem lugar)? A legislação interna tem interface com as leis de outros países, para coibir e responsabilizar ilícitos?
Nereu Giacomolli — A internet aumenta a velocidade das comunicações, diminui distâncias, relativiza o tempo, com redução do espaço. Esta ferramenta poderosa também é largamente utilizada para a prática de delitos. O indivíduo pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, e o deslocamento é virtual, e não físico. Evidentemente, a criminalidade se utiliza de todos os instrumentos contemporâneos e ágeis de comunicação para praticar ilícitos. Carecemos de uma lei que delimite as espécies de crime e as formas de investigação dos chamados cibercrimes. Por isso, o Estado também há de se valer destes mecanismos para prevenir e reprimir a criminalidade.
Nereu Giacomolli — A internet aumenta a velocidade das comunicações, diminui distâncias, relativiza o tempo, com redução do espaço. Esta ferramenta poderosa também é largamente utilizada para a prática de delitos. O indivíduo pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, e o deslocamento é virtual, e não físico. Evidentemente, a criminalidade se utiliza de todos os instrumentos contemporâneos e ágeis de comunicação para praticar ilícitos. Carecemos de uma lei que delimite as espécies de crime e as formas de investigação dos chamados cibercrimes. Por isso, o Estado também há de se valer destes mecanismos para prevenir e reprimir a criminalidade.
ConJur — O sistema jurídico-penal recupera presos e pune exemplarmente os crimes?
Nereu Giacomolli — Hoje, existe um déficit de vagas no sistema prisional, assim como faltam investimentos para cuidar e recuperar o preso. Em função deste quadro, as pessoas encarceradas não são tratadas como seres humanos. Os cárceres viraram depósitos humanos. A pena, nas atuais circunstâncias e situação, representa pura vingança estatal, sem outra finalidade. Isso precisa ser mudado. Por outro lado, há uma cultura de que, se prender o infrator, todos os problema estarão resolvidos. As pessoas pensam que quanto mais prisão e mais elevadas as penas, menos crimes serão cometidos. Pura ilusão. A dura realidade é que se comanda o crime de dentro das cadeias. E quem deixa o cárcere, geralmente, sai desestruturado, física e emocionalmente, totalmente sem perspectivas. Como estava convivendo com a criminalidade, uma vez fora deste ambiente, não sabe como reagir adequadamente pelas regras do convívio social. Temos que voltar a acreditar na ressocialização, na possibilidade de reintegração do criminoso na sociedade. Mas a recuperação do preso ocorrerá se o cumprimento da pena previr esta condição. Também precisamos pensar em soluções alternativas à prisão, noutras formas de cumprir a pena privativa de liberdade, reservando o recolhimento ao cárcere para casos em que não haja outra escolha. Temos que ultrapassar a perspectiva de que o recolhimento à prisão é a única e primeira solução. Fomos forjados nessa perspectiva, e assim trabalhamos há anos. Por isso, é difícil mudar essa mentalidade e realidade. Mas temos que acreditar nas mudanças, trabalhar para que elas ocorram, em todos os sentidos. Já não é mais suficiente ter a consciência dos problemas, dos riscos e perigos, mas se faz mister submetê-los à provação, numa dupla perspectiva, de aproximação e distanciamento de suas teias internas e externas. Em suma, pensar, discutir, planejar e executar.
Nereu Giacomolli — Hoje, existe um déficit de vagas no sistema prisional, assim como faltam investimentos para cuidar e recuperar o preso. Em função deste quadro, as pessoas encarceradas não são tratadas como seres humanos. Os cárceres viraram depósitos humanos. A pena, nas atuais circunstâncias e situação, representa pura vingança estatal, sem outra finalidade. Isso precisa ser mudado. Por outro lado, há uma cultura de que, se prender o infrator, todos os problema estarão resolvidos. As pessoas pensam que quanto mais prisão e mais elevadas as penas, menos crimes serão cometidos. Pura ilusão. A dura realidade é que se comanda o crime de dentro das cadeias. E quem deixa o cárcere, geralmente, sai desestruturado, física e emocionalmente, totalmente sem perspectivas. Como estava convivendo com a criminalidade, uma vez fora deste ambiente, não sabe como reagir adequadamente pelas regras do convívio social. Temos que voltar a acreditar na ressocialização, na possibilidade de reintegração do criminoso na sociedade. Mas a recuperação do preso ocorrerá se o cumprimento da pena previr esta condição. Também precisamos pensar em soluções alternativas à prisão, noutras formas de cumprir a pena privativa de liberdade, reservando o recolhimento ao cárcere para casos em que não haja outra escolha. Temos que ultrapassar a perspectiva de que o recolhimento à prisão é a única e primeira solução. Fomos forjados nessa perspectiva, e assim trabalhamos há anos. Por isso, é difícil mudar essa mentalidade e realidade. Mas temos que acreditar nas mudanças, trabalhar para que elas ocorram, em todos os sentidos. Já não é mais suficiente ter a consciência dos problemas, dos riscos e perigos, mas se faz mister submetê-los à provação, numa dupla perspectiva, de aproximação e distanciamento de suas teias internas e externas. Em suma, pensar, discutir, planejar e executar.
ConJur — O caso do jornalista Pimenta Neves, que levou 11 anos para começar a cumprir pena, não faz o povo descrer das leis e das autoridades?
Nerer Giacomolli — Embora não conheça com profundidade o caso, esta não é a regra. São casos excepcionais. Precisamos informar que nem sempre é assim. Um caso peculiar pode servir de base para mudanças. Temos que ser transparentes e enfrentar as nossas mazelas, com coragem, pensando no bem-estar, no bem comum, na cidadania, no fortalecimento das instituições e do estado de direito.
Nerer Giacomolli — Embora não conheça com profundidade o caso, esta não é a regra. São casos excepcionais. Precisamos informar que nem sempre é assim. Um caso peculiar pode servir de base para mudanças. Temos que ser transparentes e enfrentar as nossas mazelas, com coragem, pensando no bem-estar, no bem comum, na cidadania, no fortalecimento das instituições e do estado de direito.
ConJur — O Mutirão Carcerário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça entre março e abril, não soltou presos, mas mostrou o esquecimento dos apenados nos presídios e a gestão partilhada de algumas galerias com o crime organizado. O que está acontecendo com o Rio Grande do Sul, tido como um estado civilizado?
Nereu Giacomolli — A imprensa já vinha divulgando a situação precária das casas prisionais, não só no Rio Grande do Sul, mas também em outros estados da Federação. Este é um problema antigo, complexo, cujas soluções não são simples. A cultura de que a melhor ou a única solução para a criminalidade seja a prisão está esgotada. Muito se escreve e se discute sobre a teoria do crime, sobre os delitos, sobre a punição, mas, depois que o sujeito é condenado, nos esquecemos dele na prisão e lavamos as mãos. Também há o problema da falta de investimentos nesta área. Enfrentamos até o problema de municípios que não querem presídios. Exigem que se prenda, mas que se mande o preso para outro lugar. Na verdade, a construção de grandes presídios não é a solução. Basta que se observe a tomada das galerias por grupos de criminosos. São espaços muito grandes, com grande número de pessoas circulando. Estas características dificultam a fiscalização e a gestão por parte do Poder Público.
Nereu Giacomolli — A imprensa já vinha divulgando a situação precária das casas prisionais, não só no Rio Grande do Sul, mas também em outros estados da Federação. Este é um problema antigo, complexo, cujas soluções não são simples. A cultura de que a melhor ou a única solução para a criminalidade seja a prisão está esgotada. Muito se escreve e se discute sobre a teoria do crime, sobre os delitos, sobre a punição, mas, depois que o sujeito é condenado, nos esquecemos dele na prisão e lavamos as mãos. Também há o problema da falta de investimentos nesta área. Enfrentamos até o problema de municípios que não querem presídios. Exigem que se prenda, mas que se mande o preso para outro lugar. Na verdade, a construção de grandes presídios não é a solução. Basta que se observe a tomada das galerias por grupos de criminosos. São espaços muito grandes, com grande número de pessoas circulando. Estas características dificultam a fiscalização e a gestão por parte do Poder Público.
ConJur — Mandar alguém para uma cadeia nestas condições não seria concorrer para a sua morte?
Nereu Giacomolli — Na verdade, determinar o recolhimento a certos cárceres, hoje, não significa somente restringir a liberdade, mas a saúde física e mental, a própria condição de ser humano.
Nereu Giacomolli — Na verdade, determinar o recolhimento a certos cárceres, hoje, não significa somente restringir a liberdade, mas a saúde física e mental, a própria condição de ser humano.
ConJur — Se o preso tem direito a um mínimo de condições para a manutenção da sua vida enquanto cumpre pena, e o Estado não cumpre sua obrigação, não estaria na hora de se pensar em responsabilizar o agente político, o administrador público, por direito de regresso?
Nereu Giacomolli — Acho que não solucionaria o problema. A imprensa vem cumprindo um papel relevante ao mostrar a situação carcerária como ela é. Penso ser melhor, primeiro, mostrar o problema, debater a situação com toda a sociedade, com transparência, objetividade — e buscar soluções. Uma vez delimitadas, executá-las. Não podemos esperar que o Estado, um dia, vai dar a solução. Temos que trabalhar em planos horizontais, com todas as instituições.
Nereu Giacomolli — Acho que não solucionaria o problema. A imprensa vem cumprindo um papel relevante ao mostrar a situação carcerária como ela é. Penso ser melhor, primeiro, mostrar o problema, debater a situação com toda a sociedade, com transparência, objetividade — e buscar soluções. Uma vez delimitadas, executá-las. Não podemos esperar que o Estado, um dia, vai dar a solução. Temos que trabalhar em planos horizontais, com todas as instituições.
ConJur — Alguns especialistas alertam que as leis são insuficientes para mitigar a violência, sendo necessário investir em medidas socioeducativas. O senhor partilha desta visão?
Nereu Giacomolli — A violência sempre vai existir. O que pode ser feito é diminuir a sua intensidade e suas formas de manifestação. Não podemos ser ingênuos ao ponto de acreditar que as leis vão fazer o que os homens não são capazes de realizar. Precisamos de leis, mas são apenas um indicativo, uma das formas de controle da violência e da criminalidade, e não a mais eficaz. Educação, trabalho, bem-estar físico e mental para todos — não somente para alguns — exercem um efeito inibidor das violações, pela satisfação das necessidades humanas.
Nereu Giacomolli — A violência sempre vai existir. O que pode ser feito é diminuir a sua intensidade e suas formas de manifestação. Não podemos ser ingênuos ao ponto de acreditar que as leis vão fazer o que os homens não são capazes de realizar. Precisamos de leis, mas são apenas um indicativo, uma das formas de controle da violência e da criminalidade, e não a mais eficaz. Educação, trabalho, bem-estar físico e mental para todos — não somente para alguns — exercem um efeito inibidor das violações, pela satisfação das necessidades humanas.
ConJur —Temos no Brasil, hoje, dois movimentos em franca articulação: um para descriminalizar as drogas e outro para proibir a posse de armas para cidadão comum? Será que isto ajuda a combater o crime?
Nereu Giacomolli — São políticas públicas que pouco interferirão no contexto da criminalidade. As perspectivas de melhora vão muito além da discussão sobre a posse de drogas e armas. Faz-se mister trabalhar na profundidade e não na superficialidade. Temos uma fronteira vastíssima e dificuldades de controle.
Nereu Giacomolli — São políticas públicas que pouco interferirão no contexto da criminalidade. As perspectivas de melhora vão muito além da discussão sobre a posse de drogas e armas. Faz-se mister trabalhar na profundidade e não na superficialidade. Temos uma fronteira vastíssima e dificuldades de controle.
ConJur — A conciliação de segundo grau vai chegar às câmaras criminais?
Nereu Giacomolli — No plano criminal, a lei limita as possibilidades do acordo para as contravenções penais e para os crimes cuja pena privativa de liberdade máxima não ultrapasse dois anos. Por isso, a conciliação é bem mais limitada e só pode ocorrer perante o juiz de primeiro grau. No segundo grau de jurisdição, as soluções passam por uma racionalização do sistema de julgamento coletivo.
Nereu Giacomolli — No plano criminal, a lei limita as possibilidades do acordo para as contravenções penais e para os crimes cuja pena privativa de liberdade máxima não ultrapasse dois anos. Por isso, a conciliação é bem mais limitada e só pode ocorrer perante o juiz de primeiro grau. No segundo grau de jurisdição, as soluções passam por uma racionalização do sistema de julgamento coletivo.
ConJur — Com a falência do sistema prisional e com o advento das tornozeleiras eletrônicas, a prisão, como a conhecemos hoje, está com seus dias contados? A propósito: como o crime será punido no futuro?
Nereu Giacomollli — Ainda estamos no início da busca de medidas alternativas. Mesmo essas, se não houver estrutura de fiscalização, vão cair no descrédito e não vão cumprir a sua finalidade. O monitoramento eletrônico é uma forma alternativa ao recolhimento ao cárcere, mas sempre haverá casos que exigirão a contenção entre quatro paredes. As perspectivas que se apresentam são a diminuição do tempo das penas, penas menores e alternativas reparatórias à sociedade e ao ofendido. O encarceramento deve ser visto como a última alternativa, quando as outras falharem ou forem inadequadas, devido à gravidade do crime.
Nereu Giacomollli — Ainda estamos no início da busca de medidas alternativas. Mesmo essas, se não houver estrutura de fiscalização, vão cair no descrédito e não vão cumprir a sua finalidade. O monitoramento eletrônico é uma forma alternativa ao recolhimento ao cárcere, mas sempre haverá casos que exigirão a contenção entre quatro paredes. As perspectivas que se apresentam são a diminuição do tempo das penas, penas menores e alternativas reparatórias à sociedade e ao ofendido. O encarceramento deve ser visto como a última alternativa, quando as outras falharem ou forem inadequadas, devido à gravidade do crime.
ConJur — Qual a lição que fica do caso Cesare Batistti?
Nereu Giacomolli — Penso ser muito cedo para avaliar as consequências no plano interno, das relações internacionais e da própria cooperação jurídica em matéria criminal. Depois de o tema ser exaustivamente debatido, o Poder Judiciário entendeu que cabia ao presidente da República extraditar ou não, interpretando o tratado.
Nereu Giacomolli — Penso ser muito cedo para avaliar as consequências no plano interno, das relações internacionais e da própria cooperação jurídica em matéria criminal. Depois de o tema ser exaustivamente debatido, o Poder Judiciário entendeu que cabia ao presidente da República extraditar ou não, interpretando o tratado.
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