Por Gabriela Rocha
O Judiciário pode obrigar o Executivo a matricular crianças em escolas e creches próximas de suas residências ou dos locais de trabalho dos seus pais. O entendimento é do ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, que afastou a cláusula da reserva do possível para efetivar o direito à educação e assim manter a eficácia e integridade da Constituição.
Segundo o ministro, o direito à educação é um dos direitos sociais mais expressivos, que implica em um dever do Poder Público, e dele o Estado só se desincumbirá “criando condições objetivas que propiciem, aos titulares desse mesmo direito, o acesso pleno ao sistema educacional, inclusive ao atendimento, em creche e pré-escola, às crianças até cinco anos de idade”.
Celso de Mello deixou claro que o direito à educação infantil não pode ser menosprezado pelo Estado, “sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário”. Nesse sentido, explica que a eficácia desse direito não pode ser comprometida pela falta de ação do Poder Público.
Ao votar, o ministro considerou o objetivo do legislador constituinte, que quanto à educação infantil, delineou “um nítido programa a ser implementado mediante adoção de políticas públicas consequentes e responsáveis — notadamente aquelas que visem a fazer cessar, em favor da infância carente, a injusta situação de exclusão social e de desigual acesso às oportunidades de atendimento em creche e pré-escola”. Por conta disso, diz, sua não realização é uma situação de inconstitucionalidade por omissão do Poder Público.
Guardião da Constituição
De acordo com o ministro, considerada a dimensão política da Constituição do qual é guardião, o Supremo Tribunal Federal “não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais”. Caso contrário, explica, a integridade e a eficácia da própria Constituição estarão comprometidas.
De acordo com o ministro, considerada a dimensão política da Constituição do qual é guardião, o Supremo Tribunal Federal “não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais”. Caso contrário, explica, a integridade e a eficácia da própria Constituição estarão comprometidas.
O ministro admitiu que ordinariamente, a formulação e implementação de políticas públicas não faz parte das funções institucionais do Poder Judiciário, mas sim dos Legislativo e Executivo. Contudo, excepcionalmente, essa incumbência pode ser atribuída ao Judiciário, “se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional”.
Ao votar, Celso de Mello não ignorou a “reserva do possível”, que consiste no fato de que efetivar os direitos sociais, econômicos e culturais (de segunda geração) depende de recursos econômicos. Segundo ele, comprovada a incapacidade econômico-financeira do ente estatal não se pode, razoavelmente, exigir a imediata efetivação da ordem constitucional.
Todavia, alertou: “Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência”.
Ou seja, de acordo com o ministro, a “reserva do possível” não pode ser invocada pelo Estado para que ele, dolosamente, deixe de cumprir suas obrigações constitucionais, especialmente quando com isso puder anular direitos constitucionais essenciais.
Nesse sentido, diz que por ser típico direito de prestação positiva, a regra constitucional da educação infantil não permite que sua efetivação pelo Poder Público “disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação”.
Assim, ele considera que os municípios não poderão “demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo artigo 208, inciso IV, da Constituição, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes Municipais”.
O ministro negou seguimento ao Recurso Extraordinário apresentado pelo Município de São Paulo contra acórdão do Tribunal de Justiça do estado que julgou procedente a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público paulista. O acórdão confirmou a sentença de primeiro grau, que obrigou o município a matricular crianças em unidades de ensino infantil próximas de sua residência.
ARE 639.337
Clique aqui para ler a íntegra da decisão do ministro Celso de Mello.
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