Rio Vermelho: A luta agora é por Anistia e Reconhecimento de direitos
Cecília Oliveira
“No primeiro dia, no batalhão do Bope, não foi bom, eles não deram comida aos presos. Quando eles foram pro quartel dos bombeiros, as condições melhoraram, mas não eram boas”, explica Nara Cristina Martins de Oliveira, tia de um dos bombeiros que foi preso na sexta-feira, dia 3 de junho, e solto após uma semana. Desde então os Bombeiros vem travando uma luta não mais apenas pelo aumento salarial, mas também pelo reconhecimento da categoria e pela anistia dos que foram indiciados. O movimento ganhou as ruas, rompeu as barreiras físicas do estado do Rio e hoje conta com o apoio geral.
Direitos Humanos
Há pouco mais de seis meses, no fim de 2010, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) e Ministério da Justiça (MJ) estabeleceram, por meio de portaria interministerial (SEDH/MJ Nº 2), as diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança pública. A portaria, que não tem força de lei, orienta as políticas de segurança pública desenvolvidas pela União, e atrela a liberação de recursos para estados e municípios ao disposto em seu texto.
A primeira recomendação da Portaria - Adequar as leis e regulamentos disciplinares que versam sobre direitos e deveres dos profissionais de segurança pública à Constituição Federal de 1988 - é uma das ressalvas que o líder do movimento dos Bombeiros, cabo Benevenuto Daciolo, faz. “Há de ser feita uma revisão em nossos estatutos e documentos que validam a conduta do militar. Nosso estatuto é da época da ditadura e com a Constituição de 1988, é preciso rever também as condições dele”, afirma.
Mas os direitos humanos cujas violações foram mais explícitas estão dispostos nos tópicos 32 e 34: “Erradicar todas as formas de punição envolvendo maus tratos, tratamento cruel, desumano ou degradante contra os profissionais de segurança pública, tanto no cotidiano funcional como em atividades de formação e treinamento” e “Garantir que todos os atos decisórios de superiores hierárquicos dispondo sobre punições, escalas, lotação e transferências sejam devidamente motivados e fundamentados”, respectivamente. A Comissão Nacional de Segurança Pública (Conasp), da qual o Observatório de Favelas é membro, visitou os bombeiros presos e constatou que a situação de acomodação dos presos era precária e as instalações inadequadas, incompatíveis com preceitos constitucionais e a dignidade humana.
Há ao menos cinco casos de transferências que não obedeceram esta recomendação da Portaria, bem como a determinação de prisão de dois policiais militares e indiciamento de outro, por terem apoiado os Bombeiros. Todos, sem consonância com o disposto na Portaria: sem justificativa plausível e respeitosa.
Desmilitarização
Toda esta situação trouxe de volta a discussão de um tema que já foi e voltou das gavetas da Câmara, sem sair do lugar: a desmilitarização dos Bombeiros e, por conseguinte, da Polícia Militar. O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), criou uma comissão especial para analisar essas e outras propostas ligadas à área de segurança. Dois projetos relativos à desmilitarização estão parados na casa legislativa desde 2009. O assunto entrou em pauta a primeira vez, ainda no governo Fernando Henrique, em 1997, mas desde então, travado pelo lobby das polícias (PM e PC), que, a depender dos projetos, seriam, além de desmilitarizadas, unificadas. E isso significa perder poder ao delegar tarefas, principalmente para a PM. Desengavetadas as propostas em fevereiro, o assunto começa praticamente do zero.
Submetidos ao Código Penal Militar, os Bombeiros Militares responderão na Justiça Militar Estadual pelos crimes de motim, dano em material ou aparelhamento de guerra, dano em aparelhos e instalações de aviação e navais, e em estabelecimentos militares, podendo pegar até 12 anos de prisão. Assim, só a anistia – cancelamento do delito – pode livrar os Bombeiros da punição.
De acordo com a Constituição, Bombeiros, bem como polícias, só podem ter suas penas perdoadas através da intervenção do presidente da República. Foi o que ocorreu ano passado, quando através da Lei n. 12.191, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Congresso, anistiaram policiais e bombeiros militares do Rio Grande do Norte, Bahia, Roraima, Tocantins, Pernambuco, Mato Grosso, Ceará, Santa Catarina e Distrito Federal processados e punidos por participar de movimentos reivindicatórios. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (22) projeto de lei do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) que anistia os bombeiros do Rio de Janeiro. A proposta foi aprovada em caráter terminativo (sem necessidade de ser aprovada em plenário) e segue para análise da Câmara dos Deputados. Se aprovada pelos deputados, a proposta vai à sanção presidencial.
Para o Tenente Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo e especialista em Segurança Pública, Azor Lopes, não há motivos que justifiquem a desmilitarização das Polícias e Corpos de Bombeiros, já que as limitações não são problemas exclusivos dos militares e sim, das carreiras públicas, igualmente proibidas de algumas manifestações. “Existem dois problemas decorrentes da militarização: um no campo dos direitos fundamentais voltados aos profissionais de segurança pública e outro no âmbito político. O primeiro refere-se ao fato de que os militares (policiais e bombeiros) são constitucionalmente privados de alguns direitos fundamentais como o da não prisão, da garantia do Habeas Corpus nos casos de transgressões e crimes propriamente militares, da sindicalização, da greve, da acumulação de cargos públicos, da impossibilidade de filiação partidária, da limitação da elegibilidade, da não aposentadoria (eles passam para a reserva e podem ser reconvocados ao serviço ativo). Quanto às questões focadas nos direitos fundamentais do profissional, tenho convicção de que são mecanismos de controle necessários a uma categoria que, em nome do Estado, monopoliza o uso legítimo da força. No que tange ao risco político de sua malversação institucional, acredito que em nosso país não haja mais espaço para esse tipo de governo e que, as forças de segurança tenham amadurecido para deixar de ser uma ‘polícia do governo’ para serem ‘polícias de um Estado democrático de direito", explica.
No tangente à política, Azor justifica que “a vocação dos militares ao respeito incondicional à hierarquia e à disciplina pode induzir as instituições ao cego cumprimento de políticas públicas não democráticas em sociedades em que não há fortes vínculos de cidadania participativa”.
Apoio
Nara Cristina estava em Copacabana no último dia 12, protestando contra a prisão de 439 Bombeiros Militares, junto com outras 27 mil pessoas, todos vestindo vermelho, ostentando cartazes e fitas. Junto com os fluminenses, marcharam também pela liberdade dos bombeiros, policiais militares do Rio de Janeiro, bombeiros de outros estados e até de outros países.
O movimento dos bombeiros ganhou peso e adesão de outros segmentos depois que o Governador do Estado, Sérgio Cabral, chamou os bombeiros grevistas de “vândalos, desordeiros e fanáticos” em entrevista coletiva. De um lado, o ator Sérgio Marone convocou os atores Cássia Kiss Magro, Ary Fontoura, Elizabeth Savalla, Mateus Solano a gravar um vídeo de apoio aos Bombeiros. Por outro, professores da rede pública de ensino aderiram à greve. Jornais de vários países deram espaço à manifestação, enfatizando que o salário dos grevistas era inferior a 500 dólares.
Diante da repercussão do caso, o Governador anunciou o aumento de 5,68% (adiantando aumentos previstos até o fim do ano, somando 11%) para a categoria, o que representa um aumento real de R$60. O aumento foi rejeitado pelos bombeiros, que agora pedem piso salarial de R$ 2900, mais vale transporte. O piso salarial da nova proposta apresentada ao governo inclui policiais militares. “Nossa categoria tem que ser respeitada. Nós temos a segunda maior renda do país e temos o pior salário. Isso não se justifica”, questiona o cabo Benevenuto.
A reunião que aconteceu nesta segunda-feira (20) entre representantes do movimento dos bombeiros e o comandante da corporação, coronel Sérgio Simões, terminou sem acordos.
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