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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Os desafios da participação nas sociedades democráticas. Entrevista especial com Wilson Gomes


 
Os chefes políticos preferem a cultura de participação política liberal à participação política de esquerda. Isso porque, segundo Wilson Gomes, para eles, “a primeira é muito mais produtiva e eficiente e pode satisfazer-se principalmente com transparência e publicidade (formas digitais de acompanhamento do trabalho parlamentar, por exemplo, ou acesso eletrônico a dados públicos), acrescentando-se a isso instrumentos para expressão da vontade (e-mails dos representantes, fórums) civil ou para influenciar as decisões (petições online). A segunda, em geral, tem dificuldade de lidar com o Estado e de admitir uma esfera legítima de tomadores de decisão política que não seja a sociedade civil”.
Numa época em que as manifestações sociais e políticas ganham novo fôlego através da internet e das redes sociais, Gomes reflete sobre a e-participação política nos países governados pela esquerda e explica que a baixa participação da sociedade civil é consequência da falta de uma “cultura apoiada em participação”. E acrescenta: “O problema é que as esquerdas conquistaram, por voto, o direito de administrar o Estado, mas ainda não conseguiram produzir uma cultura de participação nova, que leve em consideração o Estado como a forma institucional da res pública, a comunidade política”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, o pesquisador enfatiza que a “cultura política de esquerda tem a participação em alta conta, mas esta é uma participação pouco frutífera quando se trata de lidar produtivamente com o Estado. É uma participação pensada como reivindicatória, tratada hostilmente como um poder adversário de classe. Participa-se contra o Estado (entendido como governo), que é um obstáculo à participação e não para onde ela se destina ou o seu beneficiário”.
Wilson Gomes é graduado, mestre e doutor em Filosofia pela Universidade Santo Tomás de Aquino, Roma, graduado também em Teologia, pela Universidade Gregoriana, Roma. Pesquisa e orienta na área de Comunicação, nas especialidades de comunicação e política, estética do cinema e análise fílmica. É autor de Transformações da política na era da comunicação de massa(São Paulo: Paulus, 2004 e 2008); e Jornalismo, fatos e interesses (Florianópolis: Insular, 2009). Atualmente é docente da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia – UFBA e pesquisador-chefe dos grupos de pesquisa: Internet e Democracia e Laboratório de Análise Fílmica.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Por que, em sua opinião, os governos privilegiam a transparência online e, ao mesmo tempo, são fracos em participação online (e-participação)?
Wilson Gomes - Há, efetivamente, mais iniciativas patrocinadas pelos governos para promover transparência do que para produzir ou demandar participação civil. Isso num padrão mundial, conforme revelaram os relatórios anuais que o Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital – CEADD e Governo Eletrônico da UFBA fazem. Não sabemos exatamente a razão, mas temos uma hipótese.
A primeira é que a ênfase na participação política em seus diversos níveis (discussão de problemas locais, participação na discussão e desenvolvimento de políticas públicas, participação na regulamentação de leis, votos e plebiscitos online etc.) é menos comum nos Estados liberal-democráticos do que a ênfase na transparência. Transparência está associada a controle público e à accountability, que são a menina dos olhos das democracias do Norte. De forma que eles privilegiam transparência e publicidade, materializando esse requisito facilmente em instrumentos com que estão acostumados. Como a maior das iniciativas e democracia digital patrocinadas pelo Estado é dos países de democracia mais consolidada, projetos de transparência e publicidade predominam.
E-participação
Mas é só uma hipótese. Mas por que, antevendo a objeção, nos países governados pela esquerda a e-participação não é mais forte? Não sei. Talvez porque nem aqui há uma cultura política apoiada em participação. A cultura política de esquerda tem a participação em alta conta, mas esta é uma participação pouco frutífera quando se trata de lidar produtivamente com o Estado. É uma participação pensada como reivindicatória, tratada hostilmente como um poder adversário de classe. Participa-se contra o Estado (entendido como governo), que é um obstáculo à participação e não para onde ela se destina ou o seu beneficiário. O problema é que as esquerdas conquistaram, por voto, o direito de administrar o Estado, mas ainda não conseguiram produzir uma cultura de participação nova, que o leve em consideração como a forma institucional da res publica, a comunidade política. Elas têm dificuldades de colocar o Estado na fábula de forma produtiva e definitiva.
Democracia liberal
Os Estados do padrão liberal mais clássico não têm problema em definir a participação de que desejam: ela deve ser pequena, sob demanda e admitir que a esfera da decisão política é legítima. E os cidadãos, quando propõem formas de e-participação, também têm clareza: a participação é em geral restrita a problemas locais, que os cidadãos assumem como seus, ou tem finalidade de monitoramente e controle cognitivo sobre o trabalho dos tomadores de decisão, que, enfim, são considerados legítimos. O máximo de participação requerida em nível ascendente consiste em influenciar a decisão política tomada pelas esferas autorizadas para isso.
Ora, quem é gestor do Estado e vai projetar uma iniciativa de participação, vai preferir lidar com uma cultura de participação política liberal a que com uma cultura de participação política de esquerda. A primeira é muito mais produtiva e eficiente e pode satisfazer-se principalmente com transparência e publicidade (formas digitais de acompanhamento do trabalho parlamentar, por exemplo, ou acesso eletrônico a dados públicos), acrescentando-se a isso instrumentos para expressão da vontade (e-mails dos representantes, fórums) civil ou para influenciar as decisões (petições online). A segunda, em geral, tem dificuldade de lidar com o Estado e de admitir uma esfera legítima de tomadores de decisão política que não seja a sociedade civil.
Em suma, a transparência no Norte é sustentáculo da participação. A transparência pode ser digital, mas a participação, no nível em que ela é admitida e requerida, pode se dar por outros canais. Por isso iniciativas de transparências são abundantes e as iniciativas de participação existem em menor número naquele padrão de democracia. E no Sul, uma cultura de participação antiliberal (da esquerda, pelas razões expostas, da direita porque patrimonialismo e participação não combinam) torna difíceis projetos de participação muito eficientes e com grande envolvimento dos cidadãos.
IHU On-Line - Vê na internet e nas redes sociais potencial para o desenvolvimento de novas formas de participação democrática, de ampliação do cânone democrático, por exemplo?
Wilson Gomes - Na literatura especializada dos anos 1990 costumava-se falar da internet como “potencial”, mas hoje, 20 anos depois, nem mais se fala de internet (fala-se da cada plataforma ou de cada ferramenta) tampouco de potencial (fala-se de iniciativas, ferramentas, dispositivos já em uso). E há várias plataformas, iniciativas e programas dedicados especialmente a formas de participação social, velhas e novas. E outras surgem a cada dia. Aparentemente, a ênfase em participação política é um dos principais motores da busca pelo desenvolvimento de aplicativos ou pelo desenho de iniciativas baseados em conexão digital.
Para sermos mais precisos, no que tange à participação online (ou e-participation) é preciso fazer a distinção entre iniciativas digitais e plataformas digitais. Iniciativas são projetos especificamente voltados para promover participação digital ou que demandam participação dos cidadãos por meios digitais para a sua efetividade. Um orçamento ou um Plano Plurianual Participativo - PPAdigitais são iniciativas promovidas, por exemplo, por atores do Estado. Uma discussão de problemas políticos locais online, por exemplo, é uma iniciativa digital que pode tanto ser promovida pelo Estado como pelos próprios cidadãos. Uma plataforma digital é um aplicativo, um programa, desenvolvido para um determinado fim e colocado na rede para ser empregado online. A ferramenta “fórum eletrônico”, por exemplo, ou sites para redes sociais digitais, ou wikicidades, por exemplo, são plataformas para interação social que exigem um nível considerável de participação e que podem ser empregados para participação política.
Redes sociais
As redes sociais são outra coisa e, naturalmente, não precisam da conexão online para existir. É o sistema das relações sociais que cada um de nós tem. Plataformas e dispositivos digitais, por serem instrumentos fortíssimos de interconexão, deram-nos a possibilidade de “digitalizar” (em diferentes percentuais) as nossas redes sociais. Ou nos levaram a estabelecer novas redes, inteiramente digitais, ou formas mais fracas de interconexão, que assimilamos ou simplesmente justapomos ao conjunto das nossas redes sociais.
Sites para redes sociais (social networking sites) como Facebook ou Twitter, ou meios digitais de compartilhamento de conteúdo (YouTube ou Flickr), dentre outros, são basicamente plataformas e programas para ativar redes sociais, para a digitalização das nossas redes sociais pré-existentes ou instrumentos para formas de interconexão semelhantes (social network like) a redes sociais. Por esta razão oferecem imensas possibilidades de interação, engajamento e participação. Inclusive, participação política ou participação social politicamente relevante.
A participação política online pode vir como resposta a iniciativas digitalmente desenhadas (projetadas e desenvolvidas) para este fim. Naturalmente, sob as iniciativas nós temos as ferramentas ou plataformas digitais necessárias e apropriadas.  No Rio Grande do Sul tem, por exemplo, um pequeno, mas consistente conjunto de iniciativas coordenadas pelo gabinete digital do governo para a participação política. Mas têm também plataformas de webcidadania como a portoalegre.cc. Há muitos dessas iniciativas e plataformas mundo afora.
IHU On-Line - Que características uma democracia efetiva deveria ter?
Wilson Gomes - Naturalmente e, antes de tudo, características relacionadas à ideia normativa de democracia: sistema de decisão política baseada no princípio da igualdade, da dignidade política de todos os cidadãos, e na norma da liberdade política que daí decorre. Sem isso e mais uns corolários que se inferem dessas duas bases, instituições e Estados não são democráticos.
Mas, em geral, quando se fala de democracia seguida de algum adjetivo que qualifique a sua natureza ou realidade (democracia “forte”, democracia “efetiva”), admite-se que a igualdade e a liberdade políticas já estão minimamente asseguradas. Na verdade, parte-se do juízo de há alguma coisa que “ainda” falta ou que deveria ser melhorada para que as instituições e práticas da vida pública sejam ainda mais democráticas ou que nos levem a democracias de melhor qualidade, com melhores resultados ou com menores problemas. A questão, portanto, seria como ter mais e melhores democracias.
Sendo essa a pergunta, pode-se, em geral, enumerar uma lista de requisitos que poderiam melhorar o padrão das democracias liberais contemporâneas ou poderia impulsionar Estados democráticos na direção de tal padrão. Nesse âmbito, não há propriamente acordo no interior das teorias da democracia: tudo vai depender da propriedade da democracia que se julgar mais “deficitária”. Por exemplo, se você sente que determinadas características dos Estados contemporâneos atentam contra a soberania popular, por exemplo, que é um corolário da igualdade política, então, você vai identificar corretamente, como remédio essencial para uma democracia mais efetiva, mais meios, recursos e oportunidades de participação dos cidadãos na esfera pública (alternativa 1) e/ou nos negócios públicos (alternativa 2).
Por outro lado, se considerarmos que o Estado brasileiro padece principalmente de um patrimonialismo (clientelismo, fisiologismo) feroz, que solapa o sistema político e os poderes do Estado ao controle do público, que deveria ser o senhor da res pública, então o remédio será um conjunto de instituições típicas do padrão liberal especializadas em impor ao Estado os constrangimentos da visibilidade. Nesse caso, tudo aquilo que produzir mais transparência e publicidade será considerado meio essencial para uma democracia mais efetiva. Mas isso significa que um Estado mais democrático será um Estado aberto, transparente e cujos atores são tornados accountable (responsabilizáveis, questionáveis, forçados a se explicar e passíveis de punição) diante da cidadania.
Por fim, mas sem exaurir a lista, é preciso considerar que o essencial na democracia é a produção de decisões precedidas de extenso, aberta e leal disputa argumentativa, envolvendo e engajando a cidadania. Então, será necessário mais deliberação pública aberta e inclusiva e irá demandar que as esferas parlamentares do Estado e, principalmente, a esfera governamental se reconectem com a esfera da discussão pública e da conversação civil. Outros irão incluir nessa lista o pluralismo de vozes, a afirmação das diferenças de identidades, etc. Outros ainda irão querer todas essas dimensões, juntas.
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