Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Direito penal do inimigo está baseado no totalitarismo


JUSTIÇAMENTO SUMÁRIO


“Bandido bom é bandido morto.”
“Tá com pena dele? Leve ele pra sua casa.”
“Direitos humanos é para humanos direitos.”

Esses e outros pensamentos se tornaram comum na sociedade moderna. Frutos, talvez, do “efeito colateral” da violência que sazona a mente e o espírito açoitado das famílias humanas, notadamente da família brasileira. É, também, um fruto de uma ineficaz política do Estado na erradicação da violência social, e da própria sensação de impunidade e corrupção que campeia nas instituições públicas.
Não por acaso atualmente essa forma de pensar na “solução final” dos problemas —ou dos problemáticos incriminados/encarcerados!— encontra cada dia mais coral no arcabouço social. Levantam-se a cada dia mais vozes para que se se inflija, de forma implacável, sanções e punições. Tem-se reclamado até a própria execução sumária de incriminados, ou a sua lenta destruição nos sistemas penitenciários do Brasil.
Há os que na sociedade civil e até mesmo no corpo das forças policiais e autoridades judiciárias e de órgãos auxiliares da Justiça defendam, implicitamente, tais ideias. Tal repulsa resulta, dentre outros fatores, mas principalmente, da brutalidade de organizações criminosas, do desprezo à vida por parte de bandidos sem nenhum pudor ou bom senso, do deleite satânico dos que em troca de bens materiais ceifam vidas ou prejudicam para sempre a saúde e a paz das famílias, da indiferença de traficantes com suas vítimas ao ponto de ordenar o extermínio destas por conta de inadimplência com o comércio ilícito etc.
Nesse contexto, inegável que a mídia tem acirrado cada vez mais esse sentimento de repulsa social. Interessante, nesse tocante, a observação do pós-doutor em Direito das Relações Sociais e magistrado Artur César de Souza, em nota introdutória de sua obra A Decisão do Juiz e a Influência da Mídia, verbis:
“Pouco a pouco se transfere o julgamento dos acusados da esfera legítima do processo jurisdicional para o julgamento paralelo... Diante desse espetáculo da miséria humana”, somos convidados... a participar do big Brother do real mundo da vida, questionando a própria essência do ser humano e o sentido de nossa existência.” (p.17, Editora RT, 2010).
Ipso facto, essa agressiva violência dos incriminados, ressaltadas nos meios de comunicação de massa, tem, durante décadas, preparado o terreno no coração já endurecido da sociedade moderna para o implemento desse discurso virulento e de origem fascista e nazista, nominado na doutrina interna como “Direito Penal do Inimigo.” Originado na Alemanha e com fundamentos no Fascismo, tem ele tomado seu lugar na jurisprudência e até em seguimentos de doutrina no Brasil que, alias, já reconheceu a influência fascista na legislação opressiva brasileira, notadamente no Código de Processo Penal pátrio. O que surpreende e até assusta é que após aprofundamento histórico sobre as consequências dos ideais fascistas e nazistas nas sociedades por ele governadas, temos de admitir que essa influência já volta a perambular em nosso meio. Ela está bem explicita, inclusive, no pensamento de que “bandido bom é bandido morto.”
Assim, tomando forma de “discurso legitimador” de atrozes ações do Estado no combate à violência perpetrada pelos incriminados/suspeitos, tangendo para uma região deveras perigosa —a do subjetivismo estatal e seu julgamento sumário (sem direito de defesa)—, esse discurso tem tomado corpo no discurso repressivo do poder punitivo. Não é incomum aferir tais sentimentos de pessoas civis, de policiais comprometidos com a segurança pública etc. Até de juízes —pasme-se!— é possível notar tendências a tais sentimentos de reação implacável como forma de frear o impudico efeito da violência social de hoje.
Como diz um refrão:
“no ar que se respira, nos gestos mais banais
em regras, mandamentos, julgamentos, tribunais
na vitória do mais forte, na derrota dos iguais
a violência travestida faz seu trottoir
(...)
uma bala perdida encontra alguém perdido
encontra abrigo num corpo que passa por ali
e estraga tudo, enterra tudo, pá de cal
enterra todos na vala comum de um discurso liberal
| a violência travestida faz seu trottoir
| em anúncios luminosos, lâminas de barbear
| armas de brinquedo, medo de brincar
| a violência travestida faz seu trottoir” [1]

É bem por ai!
No ambiente carcerário divisamos melhor o modo como o Estado Brasileiro agasalha o método fascista e nazista de punir os “inimigos do Estado.” Com uma ressalva: aqui no Brasil o discurso político é de que vivemos num Estado Democrático de Direito. Lá na Itália (fascista) e na Alemanha (nazista), ao menos o discurso era franco e totalitário. Aqui no Brasil o discurso é camuflado: na Lei tem “dignidade humana”, “presunção de inocência”, “respeito à integridade física do preso ou condenado” etc. Na prática, temos tratamentos como torturas técnicas, alimentação inadequada, isolamentos, despojo de instrução acadêmica e informações sociais, inexistência de política de ressocialização eficaz etc.
O que justifica a prática ser diferente da teoria, no Brasil? Não há outra resposta: é exatamente a inculcação do Direito Penal do Inimigo, e dos provérbios populares (bandido bom é bandido morto; direitos humanos para humanos direitos, etc) na mente dos julgadores, das autoridades públicas, dos agentes de segurança pública etc.
Pode ocorrer, por consequência desse agir ou permitir das forças públicas, um fenômeno observado pelo conspícuo jurista Eugênio Zafaronni. Este assevera em sua obra intitulada Em Busca das Penas Perdidas que a crueldade nos presídios é tão medonha que, por vezes, o Estado transforma o criminoso em vítima, deslegitimando seu discurso teórico de guardião da Constituição, direitos fundamentais etc. Esse fenômeno infelizmente é verdadeiro não só no Brasil, mas na América Latina e em alguns países de primeiro mundo também.
Abrindo divergência a tal corrente, consideramos temerário esse discurso legitimador albergado no inconsciente coletivo e do Estado brasileiro contra aqueles que se acham incriminados, suspeitos ou investigados. Não se pode esquecer, em hipótese alguma, que tal discurso do “direito penal do inimigo” se funda em bases idênticas à dos regimes totalitários que os inspiram. Isto é, se funda no ódio indistinto a incriminados (acusados, indiciados, suspeitos etc), ao ponto de se chegar a requerer execuções sumárias, prisões ilegais (mas que no “vox pupuli” seriam “prisões JUSTAS”), desaparecimentos, submissão dos mesmos a tortura e abandono completo à morte lenta dentro dos sistemas penitenciários brasileiros.
A ira chega a ser tanta que até os familiares de tais detentos / incriminados são também alvo desse ódio visceral da argamassa social, em suposta forma de “justiçar” as vítimas já extintas ou de cuja saúde e paz foram despojadas pelos “bandidos.” É mais fácil discursar nesse sentido, defender tais coisas, do que compelir o Estado a adotar política eficiente na educação de base, educação superior, na geração de empregos, na qualidade de vida e da saúde, na resposta mais célere da prestação jurisdicional, no combate atroz à impunidade etc.
Toda a criminologia forense se dedicou, por décadas, a tentar identificar e prevenir as causas da violência. Essa ciência buscou, também, lançar um olhar para a vítima dos crimes. Lamentavelmente, a jurisprudência brasileira não se vale tanto dessa ciência. Pior ainda é o executivo que sequer dela lança mão!
Dai surgem os justiceiros sociais, para os quais “direitos humanos é para humanos direitos.” Em outras palavras, só tem direito quem o Estado não disser que é “bandido.” Se assim for considerado, não tem direitos.
Mas, mutatis mutandis, se “bandido bom é bandido morto”, e se “direitos humanos é para humanos direitos”, o que dirão os justiceiros sociais que deflagram essa frase nos fóruns, nas esquinas, nos sites de relacionamento, com relação àqueles “bandidos” como:
1) Robin Hood —que roubava dos ricos opressores, desafiava as autoridades constituídas, e dava para os pobres marginalizados?
2) Troy Anthony Davis [2] —um negro acusado de assassinar um policial “branco”, no Texas, e que apesar de “sérias dúvidas” sobre a procedência das acusações foi condenado à morte e executado em novembro de 2011, após densa luta internacional contra a aplicação dessa pena irreversível? Possivelmente, foi vítima de um sistema judicial corrompido por questões raciais e étnicas;
3) Joana d'Arc —marginalizada e condenada à morte na fogueira, na época dos grandes suplícios públicos, ela foi acusada de heresia e assassinato, além de sequer ter direito de ir se defender durante dez sessões de julgamento. Além disso, foi presa em uma cela escura e vigiada severamente por vários soldados. Séculos mais tarde, a história lhe fez justiça, mas Joanna era, em seus dias, “bandida boa, bandida morta”, sem “direitos humanos” porque “não era uma humana direita” aos olhos de seus algozes.
4) Jesus Cristo e o apóstolo Paulo —sem mais delongas, foram considerados promotores de sedições perante o Império Romano. Em seus dias, experimentaram açoites e prisões severas, torturas delirantes, e a pecha de “bandido bom, bandido morto”, sem direitos humanos porque não foram considerados pela sociedade de sua época, e nem pelas autoridades, como “humanos direitos.” Séculos depois, a história lhes fez justiça.
5) Os Judeus na Alemanha —foram considerados “bandidos” pela doutrina nacional socialista, que lançou as bases do “Direito Penal do Inimigo”, fomentando no coração da sociedade alemã que toda miséria, tragédia social, violência, desemprego etc advinha da má influência dos judeus no Estado Alemão. Logo após, baixaram-se leis (“Leis de Nuremberg”, 1935 d.C) considerando que “judeus” não eram “cidadãos” e não podiam receber atendimento médico em hospitais públicos. Portanto, não tinham “direitos humanos”, pois não eram considerados “humanos” pela gente daquele Estado.
6) Os Huguenotes na França: também eram considerados a escória da nação. Aqui, o motivo da repulsa e ódio era religioso. O resultado: perseguição, execuções sumárias, e grandes atrocidades sob a chancela do Estado.
7) Os Negros eram considerados “marginais”, “bandidos” e não eram considerados “seres humanos” pelos senhores de engenho ou “brancos”: Nos Estados Unidos, a questão de inocência ou culpa estava vinculada à “etnia” do acusado durante a Guerra Civil Americana. Para ser um “ser humano direito” e possuir “direitos humanos”, bastava o critério étnico em certas comunidades e estados norte-americanos. Até hoje, eles lutam com essas questões.
8) O “Monstro da Mamadeira”, assim apelidada a desempregada Daniele Toledo Prado: foi acusada de causar overdose na filha bebê que veio a óbito. Foi acusada, em primeiro lugar, pelos médicos que avaliaram a filha. Depois, foi presa e sem sequer poder se defender e logo em seguida a grande mídia incentivou o “julgamento paralelo”, levando a sociedade a clamar por justiça e batizando-a de “monstro da mamadeira.” Consequências: Daniela foi considerada inocente tempos depois, provando o laudo que a filha não tinha ingerido cocaína. Antes disso, Daniela foi espancada com a permissão das autoridades que a tinham sob custodia (delegado Paulo Roberto Rodrigues, de Taubaté-SP, e o delegado Carlos Prado Pinto, de Pindamonhangaba-SP), teve os tímpanos perfurados, perdendo a audição e visão do lado direito.
9) Condenados à morte nos EUA que escaparam da pena capital graças a exames de DNA: estes casos enfatizam o perigo do julgamento sumário do Estado e a importância a um direito de defesa ao mais reconhecido dos criminosos, dentro do Estado de Direito Democrático.
10) O episódio dos Donos da Escola-Base, no Brasil: Em 29 de março de 1994, o Jornal Nacional, da Rede Globo, levou ao ar uma reportagem que acusava os donos da Escola de Educação Infantil Base de terem cometido abuso sexual contra crianças que lá estudavam. No dia seguinte, todos os jornais paulistanos (exceto o Diário Popular, hoje Diário de S. Paulo) avocaram a condição de “juízes” e publicaram enormes reportagens com acusações contra os donos da escola. A ira popular se ascendeu mais uma vez, incentivadas pela mídia. Contudo, anos depois a acusação revelou-se improcedente. Isso não impediu, porém, que a reputação dos donos da escola jamais se reerguesse novamente, tamanha foi a devastação de sua imagem na sociedade. Existisse pena de morte no Brasil, talvez tivessem aqueles educadores dela sido alvos antes de provarem a inocência, na sociedade que defende que “bandido bom, é bandido morto.”
Enfim. 
Seja qual for a motivação que buscava legitimar o discurso do “direito penal do inimigo”, em todas as épocas, a familiar em toda elas era o ódio e a suposta “política preventiva” contra a violência ou mantença da “ordem pública.”
Não é demais recordar que estas pessoas e classes acimas referidas, em suas sociedades, eram “bandidos” —uns considerados “assassinos”, outros meramente “bandidos” por questões políticas / raciais etc.
Com esses exemplos, não se está a afirmar que a irresignação social contra facínoras não é legítima. Nossa oposição não é contra o desejo por justiça, mas sim contra essa justiça sumária que pode ser injusta ou irreversível a possível inocente. É contra rótulos, acusações formalizadas pela via do “alarde” (ou clamor social) e incentivadas pela mídia, formando um veredicto preliminar popular do qual —para algumas mentalidades!— não cabe recurso ou defesa. É contra, ainda, à ideia medieval de que a defesa de incriminados é um incentivo à impunidade e contra as vítimas ou familiares destas.
Por outro lado, será que aqueles que tão ardorosamente defendem que “bandido bom é bandido morto” ou que “direitos humanos é para humanos direitos” não se sentem incomodados com a possibilidade de um dia irem parar no banco dos réus? Nessa hipótese, serão bons juízes ou pedirão direito de defesa? Aceitarão passivos, com tanta “justiça própria”, que os’ juízos do povo’ —implacáveis— lhes caia pesado sem que se lhe possa dar o direito sagrado a se pronunciar sobre a acusação?
Ai dói, né, quando somos nós os “injustiçados” ou “acusados”? Logo queremos “direito” de defesa, e advogados já não são pessoas “tão más” e “desprezíveis” assim, não é verdade?
Como descreve a canção:
“Na hora "h"
No dia "d"
Na hora de pagar pra ver
Ninguém diz o que disse
(não era bem assim)
Na hora "h"
No dia "d"
Na hora de acender a luz
Ninguém dá nome aos bois
(tudo fica pra depois)” [3]

Diante desses fundamentos, temos em consideração que aqueles que defendem ideias ancoradas no ódio cego aos incriminados ou suspeitos ou investigados não pensam, racionalmente, nos efeitos letais daquilo que estão propondo à sociedade! Como exemplo disso, vejamos as sequelas sociais, nos Estados Unidos da América, da adoção da Castle Doctrine (Doutrina do Castelo) e da Defense of Habitation Law (Lei da Defesa da Habitação), que espelham tais ideais de intolerância à violência, pondo ao dispor de cidadãos poderes de abater o “inimigo” de forma implacável.
De fato, em tempos recentes, o Consultor Jurídico [4] divulgou a polêmica envolvendo o assassinato de Trayvon Martin, de 17 anos, um estudante negro que foi morto por um patrulheiro voluntário de um condomínio, por parecer um "suspeito". A matéria dispôs que
“O estudante caminhava à noite pela calçada, "observando as casas", com a cabeça coberta pelo capuz de seu agasalho de moletom. George Zimmerman, de 28 anos e branco, matou Trayvon, que estava desarmado, mas não foi preso. Ele está protegido por uma lei estadual da Flórida.”
Note-se que o “assassino” nessa matéria é um cidadão. O suspeito é que foi vítima. Aos olhos de quem nos lê, isso foi absurdo. Mas a Lei na qual se escora o “assassino” dessa matéria é um fruto do discurso que estamos debatendo, do “Direito Penal do Inimigo.” Lá nos Estados Unidos da América, o estado da Flórida e mais 15 estados resolveram adotar essa “Doutrina do Castelo” ou “Lei da Defesa da Habitação,” que significa, simplesmente, o poder de abater quem quer que seja “tido” como “inimigo.”
Em primeiro momento, o suposto “inimigo” teria de ameaçar o lar da suposta vítima. Depois a Stand Your Ground Law absorveu esse conceito e o estendeu para virtualmente qualquer lugar no Estado —a rua, a quadra de basquete, o bar, o restaurante, a calçada. A reportagem salienta algo assustador:
“De acordo com o New York Times, um levantamento de 65 casos semelhantes ocorridos na Flórida que resultaram em mortes revelou que, em 57 deles, sequer houve indiciamento criminal. Em sete outros, a denúncia foi apresentada à Justiça, mas os réus foram absolvidos. A Suprema Corte da Flórida já decidiu que, com base nessa lei, os juízes podem rejeitar as denúncias, antes mesmo de iniciar o julgamento. Isso porque, segundo a Corte, a lei dá ao réu o que se chama de imunidade verdadeira.”
Para as supostas ‘vítimas’ desses 65 casos registrados pelo New York Times, o pensamento de que “bandido” era o adversário —que foram executados— parece ser a motivação comum para os assassinatos em “legitima defesa.” O que será que pensam, hoje, os elaboradores e defensores dessa Lei, após a avalanche de protestos da sociedade norte-americana?
Esse fast-foward do pensamento social norte-americano, que suplica sangue a depois se arrepende das consequências de seus próprios reclamos, me fez lembra um outro verso musical muito próprio para sintetizar essas questões em que os ânimos têm buscado subjugar a razão de ambos os lados. Ele diz:
“É muito engraçado
Que estejam do mesmo lado
Os que querem iluminar
E os que querem iludir” [5]

Não se olvide de que todos nós podemos ser conceituados subjetivamente como “bandidos” pela sociedade, dependendo do foco dado pela mídia em certos acontecimentos ou até falsas denuncias que geram estardalhaços. Ou mesmo ser assim considerados na esfera objetiva da lei, como nos casos dos Estados nazista e fascista. Ou até mesmo, podemos ser bandidos num contexto político, como foram Jesus, Paulo, Joana d’Arc. Todas essas possibilidades devem nos afastar das ideias propagadas de que “bandido bom é bandido morto”, ou de que “direitos humanos é para humanos direitos” ou de que “quem defende bandido, leve ele pra casa” etc. O medo de buscar justiça pelos métodos legais tem dado lugar a esse tipo de pensamento, viciando a razão social que busca “por qualquer meio” enfrentar a violência e seus efeitos no tecido coletivo.
“se é o medo que te move
!não se mexa : fique onde está!
se é o ódio que te inspira
!não respire o ar viciado deste lugar!
eu tenho medo do medo que as pessoas têm
o sol nasce pra todos todo dia de manhã
o mal nasce do medo da escuridão” [6]

Assim, somos compelidos a nos posicionar no sentido oposto desse discurso visceral contra “suspeitos” ou “incriminados” ainda não julgados. Esse discurso, como no caso norte-americano, poderá, um dia, ser considerado como “loucura” —por força de suas consequências— na sociedade que hoje clama por esse tipo de justiça sumária e não cognitiva.
Esse foi o desabafo de autoridades norte-americanas:
“O procurador geral do estado da Flórida, Willie Meggs, que lutou contra a aprovação dessa lei quando ela foi proposta, disse ao New York Times que as consequências da Stand Your Ground Law têm sido "devastadoras" em todo o estado. "O que estamos passando é quase uma loucura", afirmou. Ele contou que a lei tem sido usada por membros de gangues em guerra com outras gangues, traficantes em guerra com outros traficantes, bem como por namorados ciumentos em bares, que usam revólveres, facas e até mesmo um quebrador de gelo, como já aconteceu, para matar seus desafetos. E relatou que o estado perdeu um caso contra um homem que já estava em seu carro para ir para casa, mas, com muita raiva por causa de uma discussão com outro homem que havia sentado em seu veículo, pegou uma arma no porta-luvas, abriu a porta, desceu, caminhou até perto dele e o matou com um tiro.”
Reclamar penas severas está dentro das possibilidades legais, porém o reclamo por ‘justiça’ ou ‘repressão’ sumárias é um deja vu à idade média e outros tempos totalitários. Conquanto a impunidade mereça pronta resposta, temos de lutar é pela eficiência do sistema de Justiça, pela severidade de sanções em crimes de alta violência, pela mudança do atual sistema de execução da pena, corrigir falhas, permitir o trabalho forçado de presos como forma de subsistência e reeducação. Ou seja, encontrar alternativas, dar atenção às vítimas, ir em busca de resolver o problema do crime dentro das famílias etc. Para isso, vastos estudos foram desenvolvidos, cabendo a cada cidadão buscar acionar o poder público a fim de que este os ponha em prática.
Enquanto essas coisas ficam apenas no plano do debate:
“Tantas pessoas
Paradas na esquina
Fingindo pena:
Criança pequena
Cheirando cola
Beijando a sola, do sapato” [7]

Não se pode esquecer que no Brasil o povo tem o poder de mudar a Constituição. É o “poder encarnado”, imanente. Na doutrina, nominado de Poder Constituinte Originário —isto é, aquele que “tudo pode, menos deixar de tudo poder (para continuar sendo aquele que tudo pode)” [8], nas palavras do conterrâneo ministro do STF, o sergipano de Propriá, Carlos Ayres Britto.
Enquanto não se decide pela nova Assembléia Nacional Constituinte, o Estado brasileiro tem convocado a sociedade para debater as penas da legislação repressiva penal. A comissão de juristas instituída pelo Senado Federal, com a finalidade de elaborar o anteprojeto do Novo Código Penal (CJECP), já realizou seminário e audiência pública nas cidades de Brasília (DF), São Paulo (SP) e Aracaju (SE). Eis uma excelente forma, legítima, de o povo brasileiro, a sociedade, fazer valer sua ânsia de ver penas mais severas em nossas leis. A sugestão disso necessita de maior participação social, em tais audiências. Essa forma de vindicar severidade do Estado com praticantes de crimes é legítima, diversamente da ânsia de repressão sumária que se tem buscado chancelar com a “voz do povo.”
O fato é que enquanto estivermos sob a égide da atual Carta Política, de 5 de outubro de 1988, a última “vontade do povo brasileiro”, não temos como pactuar que “bandido bom é bandido morto” e distinguir que os “direitos humanos são para humanos direitos.” Se esse pensamento é predominante, o povo deve convocar nova Assembléia Nacional Constituinte e mudar a atual constituição.
Concluindo: “Bandido bom” só não é “bandido morto” quando for você que lê esse texto. No íntimo é assim que é. E mesmo quando não somos “humanos direitos” —segundo as leis que nos regram a vida social— queremos, para nós, os ‘direitos humanos.’ Com tais prejulgamentos, podemos estar querendo um poder de julgar que não temos capacidade de administrar no difícil mister de fazer justiça. O que é incontroverso e que a experiência humana já nos comprovou é o fato de que “somos bons juízes, mas para nos absolver e condenarmos os outros.” Prova disso é essa petulante sensação de “justiça própria” por parte daqueles que proferem sentença sem antes lerem os autos ou ouvir o acusado se defender.
Como ultima ratio, antes de responder “para onde devemos levar o bandido que defendemos” nas lides forenses, é necessário, primeiro, descobrir para onde levaremos o bandido que há potencialmente em cada um de nós.

[1] Humberto Gessinger, 1990.
[3] Humberto Gessinger, 1988.
[5] Humberto Gessinger, 1988.
[6] Humberto Gessinger, 1998.
[7] Ibdem.
[8] BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição, RT.
Revista Consultor Jurídico

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