Proliferação da droga alarma as autoridades e tira o brilho da imagem cultivada do País que receberá 2 dos principais eventos esportivos mundiais
Ao amanhecer, centenas de viciados magérrimos, sujos, o olhar vidrado, surgem das portas dos prédios pelas ruelas do bairro da Luz outrora distinto, no coração da cidade.
Depois de rápidas transações com os traficantes, procuram apressados um pouco de privacidade para acender seus cachimbos e inalar as pedrinhas que provocam enorme dependência e são vendidas ao equivalente a US$ 5 (R$ 10) cada uma. O ambiente lembra Washington ou Nova York nos anos 1980, quando o crack dominava bairros inteiros e causava um ciclo de violência enlouquecedor.
Mas desta vez a epidemia de crack ocorre no Brasil, alarma as autoridades e tira o brilho da imagem cuidadosamente cultivada deste País que hospedará dois dos principais eventos esportivos mundiais: a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e as Olimpíadas em 2016.
Em todas as cidades do Brasil - desde esta metrópole até o Rio de Janeiro, a joia da coroa, e cidadezinhas no meio da selva amazônica - ao anoitecer enxames de viciados desesperados procuram a próxima dose nas conhecidas cracolândias.
E como na onda que varreu os Estados Unidos, o resultado é o mesmo - vidas e famílias destruídas, bairros inabitáveis.
"O crack é uma doença incurável", diz Paulino, um viciado de 50 anos, magro, de fala rápida, que não quer dizer o sobrenome, ao explicar seu apetite diário pela droga. "Preciso de crack no sangue. Minha doença é como uma cobra. Há um remédio para uma cobra?" Com cerca de 1 milhão de usuários de cocaína, o Brasil está sendo devastado por um problema que as autoridades brasileiras consideravam típico dos Estados Unidos. A tendência produz preocupantes ramificações em todo o País, cuja população de 200 milhões de pessoas inclui uma nova e florescente classe média, que oferece um mercado promissor aos traficantes, afirmam os especialistas em controle da droga.
"No Brasil, temos uma situação semelhante à dos Estados Unidos nos anos 1980", diz Eloísa Arruda, que, na qualidade de secretária da Justiça do Estado de São Paulo coordena a política de combate à droga da região. "Há um grande crescimento do uso do crack entre o público, e as pessoas estão permanentemente nas ruas consumindo drogas, dia e noite, que são fornecidas incessantemente pelos traficantes."
As diferenças entre os dois casos são fundamentais: o crack se espalhou nas cidades americanas que estavam em declínio, afetando principalmente as comunidades habitadas por minorias. A batalha contra o comércio de drogas levou a um número recorde de homicídios, e alguns bairros tornaram-se praticamente zonas de guerra.
A reação dos EUA ao crack envolveu a prisão de viciados e de traficantes, estratégia que encheu as prisões americanas e posteriormente obrigou alguns Estados a moderarem as penas de prisão.
As autoridades brasileiras, conhecendo a experiência americana, preocuparam-se em explicar que sua resposta à epidemia de crack é diferente. Embora o crack seja ilegal, elas consideram o problema uma questão de saúde pública na qual o Estado tem um papel fundamental no combate ao vício.
"Não colocamos os usuários na cadeia", disse Leon Garcia, especialista em saúde mental e drogas do Ministério da Saúde. "Temos penas alternativas para estas pessoas porque não acreditamos que a cadeia seja o melhor lugar para tratá-las."
Na cracolândia de São Paulo, uma destas noites, homens macilentos e algumas mulheres, se acotovelavam ao redor dos cachimbos, enquanto o brilho suave das pedras queimando iluminava a escuridão. Alguns, enrolados em cobertores, guardavam suas preciosas pedras. Outros andavam pela rua frenéticos, procurando alguém que lhes vendesse o êxtase do dia.
Embora a polícia realize rondas para retirar os viciados de circulação, naquela noite equipes de policiais entediados postavam-se nas esquinas das ruas observando centenas de viciados tomar sua dose.
O motivo da rápida proliferação do crack continua difícil de ser determinado, mas os agentes da lei falam que o Brasil está se tornando cada vez mais atraente para a venda de drogas, por causa de suas longas e porosas fronteiras com os três maiores produtores de cocaína do mundo.
Agentes públicos criadores de estratégias antidrogas dizem que o Brasil avançou muito devagar. O crack apareceu no início dos anos 1990 e os mercados ilícitos ao ar livre começaram a surgir em 2006. "Não foi dado o peso que deveria. Foi visto como um problema pequeno", disse Rosangela Elias, que coordena os programas de saúde da cidade de São Paulo voltados aos viciados em crack.
Em dezembro do ano passado, a presidente Dilma Rousseff lançou um programa de R$ 4 bilhões para prevenção e atendimento a dependentes químicos, no qual o Ministério da Saúde tem um papel fundamental. Milhares de leitos são oferecidos nos centros de atenção psicossocial, dos quais 80 são em São Paulo - quase o dobro do que havia em 2005, segundo Rosangela.
Em uma tarde em um desses centros, Antônio Sérgio Gonçalves, um psicanalista que trabalha com dependentes há 27 anos, via dezenas de viciados chegando voluntariamente. "A pedra age rápido, dá segundos de êxtase, mas são segundos, só segundos", conta. "O efeito passa e isso cria uma situação de uso contínuo. Essas pessoas são presa fácil."
O Estado de S.Paulo
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