Por: Elarmim Miranda Advogados Associados
A Lei 12.234/2010, que entrou em
vigor em 6 de maio de 2010, alterou os artigos 109 e 110 do Código
Penal, refletindo em inovações quanto ao prazo mínimo da
prescrição da pretensão punitiva, o qual era de dois anos para o
crime com pena máxima privativa de liberdade inferior a um ano, bem
como quanto à revogação da prescrição da pretensão punitiva
retroativa.
Este trabalho tem por escopo trazer à lume, em breve
digressão, às alterações que essa nova lei refletirá no poder
punitivo estatal, discorrendo, inicialmente, o conceito de prescrição
e suas modalidades, as consequências da mudança legislativa, a
crítica da doutrina em relação ao equívoco do legislador quanto à
extinção total da prescrição retroativa, a questão da prescrição
virtual e, por fim, a alteração do prazo mínimo prescricional e
repercussão do direito intertemporal, seguida da conclusão.
Trata-se do instituto jurídico mediante o qual o Estado perde o
direito de exercer seu monopólio punitivo diante do decurso de lapso
temporal previsto em lei.
Em outras palavras, o Estado atesta sua
incapacidade de fazer valer seu direito de punir dentro de
determinado prazo regulado por lei, acabando por gerar a extinção
da punibilidade, conforme prevê o artigo 107, IV, do Código Penal.
Vale lembrar que o fundamento principal da prescrição é que o
tempo faz desaparecer o interesse social em punir, seja pelo
esquecimento do fato, pela dispersão de prova, pela falência da
finalidade punitiva ao infrator ou, por fim, seja pela vedação da
proibição da perpetuidade da persecução penal.
Modalidades de
prescrição O Código Penal prevê duas modalidades de prescrição:
prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão
executória. Por sua vez, a prescrição da pretensão punitiva,
divide-se em abstrata, superveniente ou intercorrente e retroativa. A
prescrição da pretensão punitiva em abstrato tem previsão do
artigo 109, caput, do Código Penal, sendo essa prescrição
calculada sobre a pena máxima em abstrato cominada para cada
infração penal, considerando que não há título executivo
punitivo, ou seja, não há sentença condenatória com trânsito em
julgado.
Já a prescrição da pretensão punitiva intercorrente ou
superveniente, disciplinada no artigo 110, parágrafo 1º, do Código
Penal, ocorre quando há trânsito em julgado apenas para a acusação
ou quando improvido seu recurso, mas tem por cálculo a pena já
fixada na sentença condenatória. Por sua vez, a prescrição da
pretensão punitiva retroativa tinha previsão no parágrafo 2º do
artigo 110 do Código Penal, atualmente revogado pela Lei
12.234/2010.
Para sua caracterização necessário se fazia percorrer
dois percursos: o primeiro, verificando se entre a data do fato
delituoso e o do recebimento da peça acusatória houve prescrição,
conforme a pena em concreto imposta na sentença condenatória; o
segundo, entre a data desse recebimento da denúncia ou da queixa e a
da sentença penal condenatória recorrível ainda para a defesa. Por
fim, a prescrição da pretensão executória, prevista no artigo
110, caput, do Código Penal, é calculada com base na pena
efetivamente imposta na sentença penal condenatória, já transitada
em julgado, sendo que seu lapso prescricional também é obtido
mediante a análise da tabela prevista no artigo 109 do CP, contudo,
com base na pena em concreto.
Ressalta-se, por oportuno, que a
prescrição da pretensão punitiva refere-se ao lapso temporal que o
Estado tem para a apuração a prática criminal de cada fato
delituoso, enquanto que a prescrição da pretensão executória diz
respeito ao prazo para cumprir a pena que já aplicada na sentença
penal condenatória irrecorrível.
As alterações após a Lei
12.234/2010 A mais importante alteração trazida pela Lei
12.234/2010 refere-se à revogação do parágrafo 2º do artigo 110
do Código Penal, que previa a possibilidade de reconhecer a
prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa, que
tinha por termo inicial data anterior à denúncia ou queixa, bem
como a alteração da redação do § 1º desse mesmo artigo, o qual
passou a proibir expressamente a prescrição retroativa.
Como já
mencionado anteriormente, a prescrição da pretensão punitiva
retroativa é aquela contada para trás, ou seja, da sentença penal
condenatória até o recebimento da denúncia ou queixa, a qual
recebe o nome de retroatividade processual, ou então, calculada do
recebimento da denúncia ou queixa até a prática do fato delituoso,
que recebe o nome de retroatividade pré-processual. Portanto, havia
dois cálculos autônomos.
Ocorre que com o advento dessa novel lei,
a prescrição da pretensão punitiva retroativa não acabou por
completo, isto porque a lei apenas vedou, na nova redação do artigo
110, § 1º, do Código Penal, a prescrição que tenha por termo
inicial data anterior à da denúncia ou da queixa.
Ou seja, proibiu
a prescrição retroativa pré-processual, aquela que poderia ser
alegada pela demora na fase investigativa policial, contada da data
do fato até o recebimento da peça acusatória, senão vejamos sua
nova redação: Art. 110, § 1º. A prescrição, depois da sentença
condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de
improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em
nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia
ou queixa.
Como se vê, continua existindo a prescrição da
pretensão punitiva processual, vale dizer, aquela que ocorre entre a
data do recebimento da denúncia ou queixa até a sentença
condenatória com TJ para a acusação, contada para trás.
A
doutrina e a crítica do legislador A doutrina mais atenta aponta
para o descuido do legislador ao sancionar e publicar a Lei
12.234/2000, com a redação do artigo 110, parágrafo 1º, no que
concerne à proibição expressa de prescrição que tenha por termo
inicial data anterior "à da denúncia ou queixa". Isto
porque o projeto original, desse mesmo dispositivo, vedava a
prescrição que tenha por termo inicial data anterior "à da
publicação da sentença ou do acórdão".
Essa redação sim
extinguiria por total a prescrição da pretensão punitiva
retroativa, o que de fato, não ocorreu. Em síntese, a nova redação
do artigo 110, paágrafo 1º, do CP, não vedou o reconhecimento da
prescrição com base na pena aplicada na sentença penal
condenatória, seja transita em julgada para a acusação seja pelo
fato de seu recurso ser improvido, verificada entre o recebimento da
denúncia/queixa e a data da publicação da sentença ou do acórdão
condenatório.
Ressaltando que a data da publicação da sentença
condenatória recorrível interrompe a prescrição, conforme a
inteligência do artigo 117, inciso III, do Código Penal. Não
obstante, a doutrina alerta para o fato que a nova lei proibiu a
prescrição da pretensão punitiva, na sua modalidade retroativa, ou
seja, quando já houver sentença condenatória com TJ para a
acusação ou se improvido seu recurso, calculada antes do
recebimento da denúncia ou da queixa.
Por outro lado, deve-se
observar atentamente para o fato deque de ainda existe a prescrição
calculada pelo termo inicial anterior a denúncia ou queixa. Contudo,
trata-se da prescrição da pretensão punitiva na sua modalidade
abstrata, vale dizer, aquela em que ainda não houver título
executivo aplicando a pena em concreto, com base no artigo 109,
caput, do Código Penal.
A título de exemplo, um crime de lesão
corporal leve praticado em 2005, com recebimento da denúncia em 2006
e sentença penal condenatória com pena de três meses (pena mínima
do artigo 129, caput, CP), já transitada em julgado para a acusação
em 2010, prescreve em 3 anos, conforme tabela do artigo 109, VI, do
Código Penal.
Como se vê, nesse caso houve prescrição retroativa
pelo decurso do prazo de mais de três anos contados do trânsito em
julgado da sentença condenatória e do recebimento da denúncia, o
que não foi proibida pela nova lei, visto que essa vedação só se
estendeu ao tempo anterior ao da denúncia ou queixa.
A razão de ser
dessa alteração legislativa refere-se ao fim da eternidade da
persecução penal processual, vale dizer, a demora do Poder
Judiciário não deve ser imposta ao acusado, sob pena de violar o
princípio constitucional da razoável duração do processo,
disciplinado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal
e da dignidade da pessoa humana, fundamento de todo o ordenamento
jurídico brasileiro.
Entretanto, essa mesma vedação não se impõe
a persecução penal na fase investigativa, ressalvada a prescrição
da pretensão punitiva em abstrato, conforme acima mencionado. A
proibição da prescrição virtual A prescrição virtual, também
chamada de antecipada, projetada ou em perspectiva, era considerada
uma derivação da prescrição retroativa, reconhecida na primeira
hipótese da prescrição da pretensão punitiva retroativa, ou seja,
entre a data do fato até o recebimento da denúncia ou da queixa.
Esse tipo prescrição era reconhecimento doutrinário e
jurisprudencial (nunca teve previsão legal), sendo corriqueiramente
utilizado pelo Ministério Público, quando se vislumbra-se,
antecipadamente, a possível pena a ser aplicada àquele fato
delituoso, calculando-se o prazo prescricional em perspectiva, ou
seja, apenas com bases em prognósticos penais.
Desse modo,
verificada a suposta prescrição virtual, o parquet deixava de
formular denúncia, requerendo diretamente o arquivamento. Ademais,
essa prática também era utilizada pelo juiz, que, verificando sua
ocorrência, rejeitava a denúncia com fundamento na ausência de
condições da ação, consistente no interesse de agir, diante da
inutilidade da máquina judiciária e com base no princípio da
economia processual.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça
sepultou essa discussão, com pá de cal, editando o Enunciado de
Súmula 348, vedando a prescrição virtual em nosso ordenamento
jurídico, com seguintes dizeres: "É inadmissível a extinção
da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com
fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou
sorte do processo penal".
Alteração do prazo mínimo
prescricional Outra importante alteração trazida pela Lei
12.234/2010 diz respeito ao prazo mínimo prescricional previsto no
artigo 109, inciso VI, do Código Penal, o qual previa a prescrição
em dois anos para o crime com pena máxima privativa de liberdade
inferior a um ano. Com a mudança legislativa, a prescrição mínima
do Código Penal só ocorrerá após o prazo de três anos, o que
importa na repercussão da contagem dos prazos prescricionais,
ampliando sobremaneira o tempo disposto ao Estado para a apuração
das infrações penais.
Oportuno alertar para a manutenção de duas
hipóteses legais em que o prazo prescricional continuará a ser de
dois anos. A primeira delas é a da pena de multa quando for a única
aplicada ou cominada (artigo 114, I, do CP) e nas multas aplicadas
isoladamente nos casos de contravenção penais. A segunda, refere-se
à prescrição da pena aplicada ao crime de posse de drogas previsto
no artigo 28 da Lei 11.3434/06, em respeito ao princípio da
especialidade da legislação especial.
O direito intertemporal Como
se observa, essa nova lei, ao aumentar o prazo prescricional no
artigo 109, inciso VI, do Código Penal, possibilitando ao Estado
maior tempo para fazer valer seu mister de punir quem viola a lei
penal, é desfavorável ao réu, portanto, irretroativa. Desse feita,
sua aplicação só poderá repercutir aos fatos praticados após
06.05.2010, sob pena de retroatividade in pejus.
Dessarte, aos crimes
com pena máxima privativa de liberdade até um ano, praticados antes
da vigência da Lei 12.234/2010, deverá ser observado o prazo
prescricional de anos, conforme a antiga redação do artigo 107,
inciso VI, do Código Penal. Não obstante, em relação à
prescrição retroativa também deve se observar que a nova lei nada
mais é do que novatio legis in pejus, portanto, aos delitos
praticados antes de maio de 2010, pode ser reconhecida a prescrição
retroativa ocorrida antes do recebimento da denúncia ou da queixa.
Em linhas gerais, foi possível verificar as alterações trazidas
pela Lei 12.234/10, no que concerne à extinção da prescrição da
pretensão punitiva retroativa e quanto ao prazo prescricional mínimo
previsto na tabela do artigo 109 do Código Penal, que passou a ser
de três anos, para os crimes com pena máxima inferior a um ano, bem
foi analisado o reflexo dessas modificações no direito
intertemporal, por ser ela uma novatio legis in pejus.
A abordagem
principal refere-se à crítica da doutrina quanto a não extinção
total da prescrição retroativa, uma vez que a novel lei apenas
vedou expressamente a possibilidade de considerar prescrito o lapso
temporal anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa.
Portanto,
conclui-se que a nova lei apenas extinguiu parte da prescrição
retroativa, aquele que ocorria na anterior ao processo. Em outras
palavras, continua a existe a existir a prescrição retroativa
calculada entre a data do recebimento da denúncia ou da queixa e a
data da sentença condenatória com trânsito em julgado para a
acusação ou quando improvido seu recursos.
Dessa forma, com o fim
da parte da prescrição retroativa anterior ao ato de recebimento do
juiz da peça acusatória, bem como com a nova Súmula 348 do
Superior Tribunal de Justiça, acabou de vez a possibilidade da
aplicação da chamada "Prescrição Virtual"
Bibliografia
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume I. 12ª. ed. Niterói:
Impetus, 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume I. 6ª.
ed. Saraiva, 2003. Delmanto, Celso. Código Penal Comentado. 6ª. ed.
Renovar, 2002. GOMES, Luiz Flávio. Lei nº 12.234/2010: mudanças na
prescrição penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2514, 20 maio
2010.
Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2011. CABETTE, Eduardo
Luiz Santos. Prescrição Penal e Alterações da Lei 12.234/10.
Disponível em http://www.lfg.com.br. 02 de junho de 2010. Acesso em:
23 de abril de 2011. Por Myrian Pavan. Advogada, pós-graduada em
Direito Civil, Difusos e Coletivos, em Direito Ambiental -
Desenvolvimento Sustentável e em Direito Público, com ênfase em
Direito Processual Civil
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