MP responsabiliza quatro bombeiros e isenta prefeito por incêndio na Kiss
Os quatro nomes responderão por improbidade administrativa na Justiça.
Ao município, MP fez recomendações e sugeriu mudanças para o futuro.
Depois de mais de cinco meses de investigações, o Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul responsabilizou nesta segunda-feira (15) quatro bombeiros e isentou servidores da Prefeitura de Santa Maria no inquérito civil que apurava supostas irregularidades na concessão de alvarás para a boate Kiss. O prefeito Cezar Schirmer também foi excluído. O incêndio, em janeiro deste ano, matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos.
Foram citados Altair de Freitas Cunha e Moisés da Silva Fuchs, ex-comandantes do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros (CRB), e Daniel da Silva Adriano e Alex da Rocha Camilo, ex-chefes da seção de prevenção de incêndios do 4º CRB. Uma ação civil pública por improbidade administrativa será ajuizada contra os quatro nomes.
As conclusões são do inquérito civil. O processo criminal contra os quatro réus acusados de homicídio doloso (dois sócios da boate e dois integrantes da banda Gurizada Fandagueira) já está em fase de instrução na Justiça de Santa Maria. A partir desta terça (16), serão realizadas outras três audiências no Fórum do município para ouvir o depoimento de vítimas.
Conforme o MP, os bombeiros tiveram participação decisiva no uso inadequado do software que deveria ser utilizado para concentrar as informações sobre Planos de Proteção e Prevenção Contra Incêndios (PPCIs) no município. O Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndios (SIGPI), segundo o órgão, era usado para aumentar as estatísticas de produtividade dentro da corporação e, principalmente, para o aumento na arrecadação de taxas.
Além disso, o MP isentou a prefeitura de responsabilidades na tragédia e arquivou o inquérito civil contra servidores. No entanto, fez recomendações ao município para que a comunicação interna entre as secretarias seja mais efetiva daqui para frente. Conforme o inquérito, houve falha na comunicação e divisão de tarefas entre as duas secretarias envolvidas.
Entre outras recomendações ao município, o MP solicitou que a prefeitura realize adequadamente “o poder de polícia administrativo” em aplicação de medidas como embargos e interdições. Segundo o órgão, nenhum alvará de localização deve ser expedido sem que a edificação esteja “completamente regularizada”.
Feitas as recomendações, tanto o Corpo de Bombeiros quanto a prefeitura deverão comunicar por escrito, em até 30 dias, como serão executadas as mudanças requeridas. Se os pedidos não forem atendidos, o MP poderá exigir as alterações em juízo.
Participaram da entrevista o promotor Maurício Trevisan, o subprocurador-geral de Assuntos Institucionais do MP, Marcelo Dornelles, e a promotora Ivanise de Jesus. O documento tem nove volumes e mais de 1,7 mil páginas. Durante cinco meses de investigação, a promotoria ouviu 36 pessoas, entre bombeiros e funcionários da prefeitura. O inquérito foi entregue à Justiça de Santa Maria.
“O mais fácil para o MP era acionar todo mundo. Nós temos de atuar de forma correta e técnica, sem deixar ninguém de fora, ninguém que merecesse a atuação do MP e que nos tivéssemos a prova”, afirmou Dornelles na abertura da entrevista coletiva. “Há vários pontos de inconformidade da boate e do projeto técnico, conforme apontado pelo IGP. Eles estavam irregulares. Esses pontos deveriam ter sido apontados”, acrescentou.
O promotor Mauricio Trevisan, por sua vez, falou sobre a expedição de alvarás para o funcionamento da boate. Segundo ele, o MP investigou dois documentos: o alvará dos bombeiros, emitido em 2009, e o alvará de localização, expedido em abril de 2010, meses após a inauguração da casa noturna.
Trevisan criticou o uso do software que concentrava informações sobre as edificações e projetos de PPCI. “Não houve projeto técnico, se baseou apenas na sistemática do programa”, disse. “A crítica não é ao software, mas sim ao seu uso deturpado. Acabou por afastar a aplicação de legislação vigente.”
As conclusões do inquérito civil do MP
- Quatro bombeiros foram responsabilizados por improbidade administrativa;
- O prefeito Cezar Schirmer foi isentado de culpa por falta de provas;
- Servidores da prefeitura também não foram responsabilizados;
- Uso de software para informações sobre PPCIs era inadequado;
- MP constatou falhas de comunicação entre secretarias;
- Município e Corpo de Bombeiros devem atender recomendações em 30 dias;
‘Quem vai pagar a prisão perpétua somos nós’, diz familiar de vítima
Antes da entrevista coletiva, os promotores apresentaram os resultados da investigação aos familiares das vítimas em uma reunião privada. O resultado revoltou os familiares, que deixaram o encontro emocionados, com lágrimas nos olhos.
“Estamos indignadas. Eles disseram que não tem o que comprove o envolvimento de outros. Quem vai pagar prisão perpétua somos nós”, disse ao G1 Denyse Marques, que perdeu o neto Vinícius na tragédia. A namorada do neto, Juliana, também morreu no incêndio.
Também nesta segunda-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou uma ação contra a empresa e os sócios da boate Kiss para o ressarcimento de benefícios previdenciários concedidos a 17 funcionários, terceirizados e dependentes que foram vítimas do incêndio. A expectativa é de que o valor a ser cobrado da empresa e sócios da casa noturna ultrapasse R$ 1,5 milhões.
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 242 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco.
O inquérito policial indiciou 16 pessoas criminalmente e responsabilizou outras 12. Já o MP denunciou oito pessoas, sendo quatro por homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho. A Justiça aceitou a denúncia. Com isso, os envolvidos no caso viram réus e serão julgados. Dois proprietários da casa noturna e dois integrantes da banda foram presos nos dias seguintes à tragédia, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em 29 de maio.
As primeiras audiências do processo criminal foram marcadas para o fim de junho. Paralelamente, outras investigações apuram o caso. Na Câmara dos Vereadores da Santa Maria, uma CPI analisa o papel da prefeitura e tem prazo para ser concluída até 1º de julho.
Veja as conclusões da investigação
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco
- As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo
- O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou
- A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás
- Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas
- A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
- As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas
- A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída
- Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência
- As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário
- Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas
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