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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A sustentabilidade interior por um mundo melhor


DEBATE ABERTO


Autocrítica não é sinônimo de fraqueza, mas sim de franqueza. Reconhecer a própria sombra e ser coerente no discurso, dentro das organizações políticas, sociais e na vida pessoal é um dever sustentável que precisa ser perseguido com disciplina e simplicidade por quem prega e luta por um mundo melhor.
Está difícil sustentar a crise de valores da atualidade. Ela não tem fronteiras, nem é demarcada por classe social. Ela é civilizatória. O que se discute no mundo hoje no que se refere à proteção do nosso planeta, dos recursos naturais, do meio-ambiente, da garantia da mobilidade com qualidade, etc., exige que o mesmo olhar atento e crítico se volte também para o homem, em cada detalhe de suas ações com ele mesmo e com os outros. 

A palavra ”verdade” busca seus verdadeiros interlocutores perdidos no vulto da hipocrisia que permeia as relações pessoais de muitos que vestem a máscara do politicamente correto e, no seu dia a dia, repetem o velho jargão: “façam o que eu falo, mas não façam o que eu faço.” Quem consegue falar e viver a verdade hoje? O que é a verdade? 

A busca por essa coerência entre o discurso e a ação pode ser encontrada ou desencontrada em nosso próprio cotidiano. Quantas histórias de homens que publicamente defendem ideais e em casa são violentos com suas próprias mulheres? Quem denunciaria isso? E o medo das represálias por parte destes homens que eventualmente ocupam alguma posição de poder social ou profissional? Quantos de nós não conhecem casos similares como estes tão próximos da nossa realidade? 

Em suma é muito fácil falar e apontar o dedo para o outro, mas extremamente difícil e raro viver a sua própria verdade - aquela que se encontra na célebre frase de Gandhi: “seja a mudança que você quer ver no mundo. “ 

Esta crise de valores fica muito mais transparente quando aparecem indivíduos corajosos como o ex-analista de inteligência dos Estados Unidos, Edward Snowden, que trouxe à tona o esquema indecente de espionagem eletrônica do governo americano como também, recentemente, a cineasta paulista Beatriz Seigner que desabafou publicamente levantando sérios questionamentos éticos sobre o grupo Fora do Eixo – responsáveis pelo Mídia Ninja, a partir de sua convivência com o coletivo. 

O texto transparente e lúcido de Beatriz publicado no perfil do seu Facebook sob o título:“Fora do Fora do Eixo” e reproduzido por milhares de pessoas, desencadeou um forte debate sobre os princípios e valores daRede Fora do Eixo (FDE) trazendo outros desabafos similares de pessoas que passaram por lá. Após as denúncias, foi criada até a plataforma anônima Fora do Eixo Leaks para facilitar a recepção e publicação de denúncias anônimas sobre possíveis funcionamentos questionáveis do FDE.

Algumas das principais acusações são de não valorização profissional e de não pagamento de cachê aos artistas que passam por lá, junto com depoimentos de jovens que entraram no coletivo por ideal e se sentem explorados financeiramente e moralmente, conforme depoimento da jornalista Lais Bellini, que morou em uma das casas da organização. Alguns trechos de seu relato foram reproduzidos na Folha de São Paulo

Muitos movimentos que foram às ruas também estão sendo questionados internamente sobre suas posturas. Participei de reuniões em diversos grupos de ativismos e pude testemunhar, em alguns casos, a falta de coerência entre o que se fala e o que se faz. Grupos que teoricamente defendem a liberdade e a justiça social, mas são antidemocráticos nas diretrizes de suas entidades com medo da perda do poder.

A verdade naturalmente se desenha com o tempo e os falsos discursos cedo ou tarde têm seu próprio tempo de validade. 

Mas chegou a hora de radicalizar a transparência para que este conceito seja o sinônimo da sustentabilidade dentro de todas as temáticas transversais que o tema permeia (política, educação, cultura, nova economia, meio-ambiente etc). Transparência e sustentabilidade são irmãs siamesas, uma não pode sobreviver sem a outra. Acredito que ser sustentável é antes de tudo ser coerente e ético nas pequenas escolhas pessoais, ainda mais quando se luta publicamente por direitos coletivos. 

Por trás desta crise de representatividade política e social que vivemos há uma crise de valores individuais, que quando somados, a torna institucional. 

A reação em cadeia da indignação pública sobre isso trouxe nas recentes manifestações, a aparição do Black Bloc, uma tática de guerrilha urbana usada por pessoas mascaradas que se vestem de preto, cuja marca é depredar e pichar símbolos capitalistas e globalizados como: fachadas de bancos, concessionárias de carros, multinacionais, lojas, escritórios; além de seus integrantes protegerem os manifestantes da repressão e violência policial. 

Ficou claro nessa tática o caráter da desobediência civil. Encontrei uma ideologia muito similar quando sugeri em um grupo de trabalho formado por artistas da sociedade civil, na Conferência Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, realizada recentemente, que fizéssemos propostas para a Prefeitura de criar campanhas e ações de cultura de paz e não-violência permanentes, integrando os artistas populares nas escolas. A proposta foi contestada por vários jovens, pois não gostavam do termo: “cultura de paz”. 

Um deles inclusive disse que era a favor da violência, referindo-se ao Black Bloc. 

Entendi, depois, que o conceito de “cultura de paz” para eles estava associado a uma cultura da passividade, do comodismo e não ao caráter pacifista que eu havia sugerido, o que de certa forma me deu um certo alívio por entender que ali não se pregava a violência, mas sim uma urgência em sairmos da posição de conforto, que frequentemente nos paralisa por qualquer razão: medo, preguiça, inércia etc.

Dentro dessa postura da não passividade precisamos olhar para dentro e entramos em ação, afinal todos nós fazemos parte deste quebra-cabeça coletivo existencial que busca a integridade do homem com o seu próprio ser. 

E é dentro de nós que nasce a mudança genuína que queremos ver no mundo. 

A verdadeira sustentabilidade é a interior. O resto é luta por poder, machismo, misoginia, autoafirmação, ego exacerbado e autoestima frágil. Que os associados e líderes dos movimentos sociais, ongs, coletivos se desapeguem um pouco de seus discursos voltados para seus indicadores externos e suas pautas sociais e voltem seus olhares com coragem para seus valores mais íntimos. Que este seja o ponto de partida para uma verdadeira revolução política sistêmica. 

O tempo de hoje pede uma meditação profunda, um silêncio interior permanente, para que se fale menos e se faça mais, onde a ética apareça na mesma medida que essas ações politicamente corretas são noticiadas.

Autocrítica não é sinônimo de fraqueza, mas sim de franqueza. Reconhecer a própria sombra e ser coerente no discurso, dentro das organizações políticas, sociais e na vida pessoal é um dever sustentável que precisa ser perseguido com disciplina e simplicidade por quem prega e luta por um mundo melhor. 


Luciana Burlamaqui é jornalista, documentarista e produtora da Zora Mídia, voltada para produção de documentários e longa-metragens focados em temáticas humanistas.

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