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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A tropa de elite ruralista: o inimigo é o outro


"Enquanto indígenas são ameaçados e assassinados, enquanto pequenos agricultores se veem sem saída, a mídia hegemônica usa uma de suas táticas mais desprezíveis: apenas apresenta fatos, mas não os discute. Falta de tempo? Recursos precários? Não. Todos sabemos que não. É que a mídia não pode falar.", escreve Bibiano Girard, jornalista, em artigo publicado no site Jornalismo B, 02-12-2013.
Eis o artigo.
Para quem acompanhou a saga do Capitão Nascimento, inicialmente transformado em herói brasileiro, deve lembrar do subtítulo do segundo filme: “O inimigo agora é outro”. O público, mergulhado no senso comum do cotidiano midiático, foi às salas esperando ver jorrar sangue de preto, pobre, favelado e traficante. Do lado da justiça, Nascimento e todo seu batalhão. Mais ou menos através dos mesmos estereótipos, a mídia dos barões apresenta essas personagens. De um lado do suposto combate, traficantes, do outro, a polícia. A velha brincadeira de polícia e bandido. E só. Além disso, ninguém vê. Ou não quer ver. Mas o inimigo agora não era outro?
O caso trazido acima serviu para ilustrar uma situação análoga que acontece hoje em dia no Rio Grande do Sul. Longe de criarmos uma relação direta entre as regiões e as personagens de cada história, um conflito existente sobre a comunidade de Rio dos Índios, na cidade de Vicente Dutra, tem exposto os meandros que a imprensa usa para mascarar os reais motivos do conflito.
Rio dos Índios passa por um período conturbado de sua história recente, e o conflito que lá se instaura tem – para a imprensa – um cunho de briga entre pequenos. Sem se aprofundar, a mídia das elites joga indígenas e pequenos agricultores na tela, faz uma ou duas perguntas a cada lado e deixa para o espectador a mísera construção de uma narrativa deformada. O que a imprensa dos barões mascara é que o conflito instaurado em Vicente Dutra passa muito longe de ser uma briga entre pequenos. E não é difícil entendermos o porquê.
Segundo as ideológicas e interesseiras reportagens de jornais como Zero Hora sobre a situação no local, a ideia que se tem é que, em Vicente Dutra, indígenas lutam para tirar pequenos agricultores de suas terras enquanto estes brigam na justiça para permanecer sobre ela, procurando a expulsão dos primeiros.
Aprofundando-se na história da região, logo se percebe que o conflito tem outro inimigo, quase invisível, que passa imperceptível pelos bastidores da guerra que se instaurou contra indígenas no Brasil nos últimos anos: os ruralistas e seus zelosos cúmplices, entre eles a própria mídia.
Em reassentamentos realizados por governos passados, pequenos agricultores foram colocados sobre terras indígenas, reconhecidas há mais de dez anos como tradicionalmente kaingang. Na situação atual, com o reconhecimento da área como indígena, muitos agricultores esperam do governo um novo espaço para reassentarem-se. O problema local, no entanto, vai além: o ex-prefeito, Osmar José da Silva, em 1981, expropriou indevidamente terras pertencentes aos indígenas para a construção de um empreendimento – o “Águas do Prado”, que explora de maneira privada as termas e águas mineiras da cidade. O empreendimento pertencia, à época, ao prefeito.
É aí que o conflito se mostra dual entre pequenos – indígenas e agricultores – e grandes – ruralistas e latifundiários. Por quê?
A terra indígena reconhecida obriga o governo a realocar os pequenos agricultores em territórios desapropriados para Reforma Agrária. Contudo, até a metade deste ano, resta lembrar, o governo Dilma não havia usado nem 30% da verba destinada à Reforma Agrária, e desde 1985 nunca se desapropriou tão pouco.
O problema é bem maior do que uma suposta briga entre famílias campesinas e indígenas que produzem para seu próprio sustento, como adverte o Grupo de Apoio aos Povos Indígenas (GAPIN). Atualmente, para ocorrer a desapropriação de uma fazenda destinada à reforma agrária, é preciso provar que o local é latifúndio improdutivo e que a terra passa a ser, então, de interesse social.
Mas o que se configura como improdutivo, na leitura atual?, questiona o GAPIN. Quase nada, ou nada, porque até mesmo inúmeros hectares com plantação de eucalipto, que só servirá como moeda para exportação, é lido como legal. Como expõe Marília Budó, advogada e jornalista, o Artigo 186 da Constituição fundamenta que a função social de uma terra é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, o aproveitamento racional e adequado, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Longe disso é o que ocorre nas terras protegidas por jagunços aos mandos de ruralistas, muitos deles sentados em alguma poltrona do Congresso nacional.
O problema territorial em Rio dos Índios não recai apenas sobre os povos indígenas, que têm direito constitucional e legítimo sobre suas terras. Sem territórios destinados à reforma agrária, fruto da pressão desmedida dos latifundiários e empresas com interesses em grandes zonas rurais, acionistas, patrocinadoras ou donas de empresas de comunicação, o pequeno agricultor de Vicente Dutra fica sem enxergar um futuro próspero.
Mesmo produtiva, como lembra Marília, uma propriedade que desrespeitasse o meio ambiente – pode ser o caso do desmatamento ou do “reflorestamento” – poderia ser desapropriada por interesse social. Entretanto, na constituinte, a bancada ruralista da época – com alguns barões vigentes na política brasileira até hoje – conseguiu aprovar a inserção do art. 185, que diz que é insuscetível de desapropriação a propriedade considerada produtiva. Para a mídia, basta dizer que os problemas se restringem aos indígenas e aos pequenos agricultores, que criaram um ambiente de tensão no estado. Não. Não mesmo. Como frisa Marília, “a Constituição tem sido usada como forma de sustentar interesses puramente econômicos, mesmo quando vão contra os direitos humanos, o meio ambiente e os direitos culturais dos povos indígenas”.
Enquanto indígenas são ameaçados e assassinados, enquanto pequenos agricultores se veem sem saída, a mídia hegemônica usa uma de suas táticas mais desprezíveis: apenas apresenta fatos, mas não os discute. Falta de tempo? Recursos precários? Não. Todos sabemos que não. É que a mídia não pode falar. Ela é uma dos inimigos invisíveis. Os barões do campo estão de mãos dadas com os barões da imprensa, e, para eles, todos os esforços possíveis serão empenhados para retirar os indígenas do caminho do “progresso e do desenvolvimento”.

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