Documento manifesta preocupação com a possibilidade de que 100 mil pessoas sejam atingidas no País, nos próximos anos, por hidrelétricas.
Marco Aurélio Weissheimer
Porto Alegre - Um grupo de 100 pesquisadores brasileiros da área do meio ambiente, de universidades e instituições de vários Estados do Brasil, encaminhou sexta-feira (14) à Presidência da República e aos ministros do Meio Ambiente e de Minas e Energia, o Manifesto de Cientistas pela Defesa de Nossos Rios. A data foi escolhida pelo fato de 14 de março ser o Dia Internacional de Ação Pelos Rios. O manifesto resgata a Moção sobre Barramentos, aprovada no X Congresso de Ecologia do Brasil, realizado em São Lourenço (MG), em setembro de 2011.
O objetivo dos pesquisadores é chamar a atenção do governo para a “necessidade de políticas públicas eficientes que garantam a continuidade de manutenção da vida diversa, incluindo aqui as culturas humanas tradicionais dos ribeirinhos, e os remanescentes de ecossistemas fluviais e de sistemas associados, como as matas ciliares, por exemplo, diante do crescimento praticamente indiscriminado de empreendimentos hidrelétricos no Brasil”. O documento manifesta preocupação com a possibilidade de que 100 mil pessoas sejam atingidas no País, nos próximos anos, por hidrelétricas, sendo que 15% dos atingidos seriam integrantes de povos indígenas, especialmente na região amazônica, como é o caso de Belo Monte (PA).
O manifesto cita o trabalho do professor Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, que vem alertando para “o efeito cascata de degradação ambiental, inclusive emanação de gases de efeito estufa nos reservatórios, provocada por empreendimentos em sistemas hídricos altamente complexos, cujos processos ecológicos ainda não são minimamente conhecidos”.
Na Amazônia, prossegue o documento, “enormes impactos estão sendo derivados de duas grandes hidrelétricas no rio Madeira (Santo Antônio e Jirau) (RO), que poderiam ter relação com as inéditas inundações deste rio, que afeta parte da capital de Rondônia, Porto Velho”. No ritmo atual, adverte, “nem mesmo o Pantanal escaparia de suas mais de 130 pequenas e médias hidrelétricas previstas ou em construção em série nas cabeceiras dos rios dos estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, segundo relatos de pesquisadores da biodiversidade da região”.
Os pesquisadores alertam ainda que praticamente não há estudos de capacidade de suporte para a construção de tantos empreendimentos, em um mesmo rio, o que configuraria a ausência de controle no processo de expansão de hidrelétricas no Brasil. O manifesto também manifesta preocupação com os projetos de hidrelétricas no rio Uruguai, no Sul do Brasil:
“Os planos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, do MME) preveem pelo menos 11 barramentos em série, no mesmo rio, o que inevitavelmente causaria perdas regionais de organismos aquáticos, como o peixe dourado, que vem desaparecendo na região. O tema da extinção de espécies na natureza é mais do que premente, e os estudos que destacam a presença de espécies exclusivas e endêmicas são muito recentes. Uma grande polêmica surgiu com as reófitas (plantas de curso de água corrente), destacando-se a bromélia dos lajeados (Dyckia distachya) que praticamente não é mais encontrada em estado silvestre no rio Pelotas (RS/SC), após a construção da UHE Barra Grande, em 2005”.
Além do problema ético envolvendo a extinção de espécies, os pesquisadores citam o agravante do problema científico relacionado à existência de centenas ou milhares de espécies ainda não descritas para a Ciência, que podem se afetadas ou até desaparecer nos próximos anos nos sistemas fluviais, principalmente no Norte do Brasil.
O manifesto também chama a atenção para o fato de que cerca de 2/3 dos projetos de grandes, médias e pequenas hidrelétricas está incidindo justamente no Mapa Oficial das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade. Mesmo o mapa das áreas definidas como de “extrema importância” possui cerca de um quarto dos projetos de hidrelétricas previstos para os próximos anos. Os pesquisadores criticam a postura dos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia que estariam evitando debater essa contradição, “ainda mais em um momento de crise de energia elétrica, que também é reflexo do débil planejamento em alternativas de menor impacto (energia eólica, biomassa e energia solar)”.
O documento defende a necessidade de o governo assumir compromissos com a realização de estudos mais abrangentes, denominados de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) ou Integrada (AAI). E cita como exemplo o estudo de Avaliação Ambiental Integrada realizado em 2001 pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente do RS (Sema), no rio Taquari-Antas, na região Serrana do Estado.
Além disso, propõe o investimento em alternativas energéticas viáveis e baratas, com destaque para a energia eólica e a energia solar:
“(...) estas alternativas já são cada vez mais viáveis e baratas, com destaque a energia eólica que poderia, sozinha, segundo dados da própria EPE, gerar muito mais do que toda a energia elétrica gasta no Brasil (obviamente sem afetar UCs, APCBio ou rotas migratórias), ou a energia solar que, somente na Alemanha - onde a incidência solar é bem menor do que a do Brasil - é responsável por uma geração de 30 GW, descentralizada, sendo maior do que a geração da usina de Itaipu”.
Créditos da foto: Arquivo
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