Conselheiros reclamam de falta de condições de trabalho em audiência pública da Comissão de Assuntos Municipais.
As dificuldades enfrentadas pelos conselheiros tutelares foi a tônica da audiência pública da Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada na tarde desta terça-feira (25/3/14). Os conselheiros presentes encaminharam aos deputados da comissão denúncia de que os itens de um kit fornecido pelo Governo Federal para garantir o funcionamento dos conselhos estão sendo desviados pelas administrações municipais. Segundo o presidente da comissão, deputado Paulo Lamac (PT), autor do requerimento que motivou o debate, o Ministério Público Federal será acionado para investigar o problema.
Os itens desse kit – veículo, computadores, impressora e mobiliário – estariam sendo usados em outros órgãos das administrações municipais, em fins diversos, e em pelo menos um dos casos, foram repassados a outro município. “Nossa intenção não é interferir no funcionamento dos municípios, mas garantir as condições mínimas para resguardar a atividade do conselheiro, que muitas vezes fica sujeito à percepção equivocada do gestor municipal do papel do Conselho Tutelar. É preciso entender que não se trata de um grupo politico a favor ou contra a administração, mas um órgão que tem um papel fundamental para a sociedade”, afirmou o deputado Paulo Lamac.
Além de reforçar a preocupação do Governo Federal em melhorar o funcionamento dos conselhos tutelares, por meio da entrega dos kits, o deputado Ulysses Gomes (PT) destacou que os conselheiros lutam no dia a dia para defender o que a Constituição Federal preconiza: fazer da criança e do adolescente a prioridade absoluta do poder público. “Isso, na maioria das vezes, não acontece na prática. Essa causa merece maior atenção da sociedade. Às vezes, falta diálogo com o poder publico municipal e um maior entendimento com a sociedade. O conselheiro precisa ter melhores condições de ver o seu trabalho dar resultado. Afinal, ele não é parte do problema, mas sim parte da solução”, afirmou.
Na mesma linha, o deputado Dalmo Ribeiro Silva (PSDB) reconheceu as dificuldades enfrentadas pelos conselhos tutelares em todo o Estado. “Muitas vezes eles são mal interpretados, apesar de fazerem, com sacrifício, um trabalho excepcional pelos interesses da família”, apontou. Entre os principais problemas relatados pelos conselheiros, que lotaram o Auditório, estão as baixas remunerações – em algumas cidades inferiores a um salário-mínimo, quando são pagos –, precária infraestrutura de funcionamento, insegurança e falta de espaço adequado e de capacitação para o bom desempenho de suas funções.
Penúria - Um dos depoimentos mais contundentes foi dado pela conselheira tutelar de Nova Lima (RMBH), Islei Aparecida Peixoto, que também representou o Fórum Nacional dos Conselheiros Tutelares. “Dizem que os conselheiros só sabem reclamar, mas o que nos resta é vir a público mostrar essa triste realidade em Minas Gerais, que não é diferente no restante do Brasil. Reconheço o esforço do Governo Federal, mas os conselheiros estão sendo massacrados nos municípios, que têm a responsabilidade de garantir o seu funcionamento”, criticou. Ela confirmou ter conhecimento de que muitos veículos doados aos municípios foram desviados para órgãos como os centros de referência em assistência social (Cras), que já dispõem de recursos próprios.
“Nós fomos escolhidos diretamente pela comunidade. Conselho tutelar não é lugar de fazer política, e quem acha o contrário deve pegar o seu banquinho e ir embora. Já fui ameaçada em minha cidade de ser exonerada por um membro do Ministério Público que aparentemente não conhece nada do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Tudo o que fiz foi exigir o cumprimento de uma medida que a comunidade me pediu. Ela até pode tirar o meu cargo, mas não vai calar minha voz”, afirmou Islei, arrancando aplausos dos presentes.
Durante os debates, ela realizou um pequena enquete com os presentes para confirmar as precárias condições de funcionamento dos conselhos em todo o Estado. Entre as perguntas feitas por ela, um exemplo foi a confirmação da maioria dos presentes de que sequer receberam das prefeituras, ao assumir o cargo, um exemplar do ECA.
Conselheiro denuncia preconceito de prefeitos
Outro depoimento dramático durante a audiência pública foi dado pelo conselheiro tutelar de Estiva (Sul de Minas) e representante do Fórum Mineiro de Conselhos Tutelares, Jésus dos Santos Moreira. “Para muitos prefeitos, os conselhos tutelares são uma lepra na administração deles. E os governos Estadual e Federal pouco fazem para nos ajudar”, lamentou.
“Uma prisão oferece mais conforto e recebe mais dinheiro do que os conselhos tutelares. Mas nós só tratamos crianças pobres e tentamos transformá-las em cidadãs”, ironizou Jésus Moreira. Segundo ele, a origem dos problemas remonta à instalação dos conselhos, criados às pressas para satisfazer as exigências da Organização das Nações Unidas (ONU).
A coordenadora do Fórum Mineiro dos Conselhos Tutelares, Elizabeth Rodrigues Ferreira Silva, denunciou ter conhecimento de municípios em que apenas um conselheiro tutelar é remunerado. “Isso é um desrespeito. Os conselheiros então fazem um revezamento, mas como é que o trabalho vai ser bem realizado nessas condições?”, afirmou.
Ainda de acordo com Elizabeth Silva, pelo interior afora, os espaços destinados pelas prefeituras aos conselhos são mínimos, comprometendo o sigilo dos atendimentos. “Há uma cidade em que o espaço é tão pequeno que as pessoas são obrigadas a esperar do lado de fora pelo atendimento”, lamentou.
O conselheiro tutelar de Jequitinhonha (Vale do Jequitinhonha), Hélio Alves de Oliveira, reclamou ainda que os órgãos em outras regiões do Estado estão em situação melhor do que os do Norte de Minas e do Jequitinhonha. “Para se ter uma ideia, tentei mobilizar os conselheiros de outras cidades da minha região, mas não consegui. Falta internet e até telefone. Isso sem contar na falta de preparo dos conselheiros, que quando finalmente estão aptos para a função, já está na hora de se despedirem”, completou.
Exceções - O panorama traçado pelo prefeito de Ponte Nova (Zona da Mata), Paulo Augusto Malta Pereira, que também é procurador federal, foi uma exceção à regra na situação de abandono dos conselhos tutelares em Minas relatada durante a audiência pública. Lá, segundo ele, o piso para o conselheiro é de R$ 1.290,00, o órgão goza de completa infraestrutura e tem plena autonomia para trabalhar. “Recebemos o kit do Governo Federal, mas nosso conselho já tem dois carros. E o mais importante é que suas ações são amparadas pelo Judiciário no município e mantemos um canal de diálogo permanente”, relatou.
Mas o prefeito reconheceu que a realidade na maioria dos municípios mineiros é completamente diferente, sugerindo até a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI). “Mas a discussão é ainda maior. O conselho não consegue resolver todos os problemas da sociedade, falta fortalecer os laços familiares”, defendeu Paulo Pereira.
Outra exceção à regra foi o panorama traçado pela gerente da Coordenação de Projetos Especiais da Secretaria Municipal de Políticas Sociais de Belo Horizonte, Denise de Magalhães Matos. Na Capital, os conselhos tutelares são regionalizados. “Belo Horizonte se organizou. Mensalmente discutimos com os gerentes de políticas sociais das regionais o que é necessário para melhorar o trabalho dos conselheiros. Sei que ainda há muito o que fazer, mas temos que trabalhar para que a criança e o adolescente sejam uma prioridade não apenas na fala dos governantes, mas também na prática”, afirmou.
Desvio de equipamentos doados pela União deve ser investigado
O coordenador-geral do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Marcelo Nascimento, prometeu que o Governo Federal vai investigar o desvio dos equipamentos doados às prefeituras. “Não tínhamos conhecimento disso, mas a partir de agora vamos agir. O termo de doação assinado pelo prefeito e pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (ao qual é vinculado), é expresso quanto ao uso exclusivo desses itens pelos conselhos”, afirmou.
Em sua apresentação, Marcelo Nascimento traçou uma evolução na instalação de conselhos tutelares por todo o País. Segundo ele, já são 5.945 conselhos implantados com a perspectiva de uma cobertura de 100% das cidades brasileiras até 2016 - são 5.570 municípios no País, alguns com mais de um órgão. Nesse ponto, ele foi alertado pelo deputado Ulysses Gomes de que, em Minas Gerais, muitos desses conselhos funcionam de maneira irregular, até mesmo com apenas um conselheiro. Ainda de acordo com Marcelo Nascimento, nesta semana será entregue o milésimo kit de equipamentos visando a garantir o funcionamento dos conselhos. Em Minas, segundo ele, 207 municípios que se cadastraram no Governo Federal já foram atendidos.
Já a subsecretária de Estado de Direitos Humanos, Maria Juanita Godinho Pimenta, reforçou a capilaridade da rede de atendimento às crianças e adolescentes proporcionada pelos conselhos. “Já contabilizamos 880 conselhos em 840 municípios. Reforçamos o seu caráter permanente e autônomo, mas lembro que a garantia de funcionamento dos conselhos é de responsabilidade municipal, inclusive na regulação da remuneração dos conselheiros. Não existe um piso para isso, mas cabe aos municípios garantirem recursos na lei orçamentária, como se fosse para uma escola ou posto de saúde”, disse.
“Sei das dificuldades financeiras dos municípios, sobre os quais recaem a maioria das responsabilidades em termos de políticas publicas, embora recebam a menor fatia dos recursos. Mas o Estado já tem feito a sua parte”, apontou. Nesse ponto, a subsecretária também lembrou a doação de veículos e computadores aos municípios e a instituição de uma política de capacitação permanente. Segundo ela, já foram capacitados mais de 12 mil conselheiros de 2007 a 2013, tendo em vista a rotatividade da função.
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