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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Mortes no trânsito: mídia, governo e legislador nos iludem com mentiras?




Depois de ouvir os tétricos diagnósticos de Flávio Tavares e Dirceu Alves Júnior na Conferência Global Parar 2014, fiz minha exposição e sublinhei o seguinte: a mentira que nos contam as manchetes: "Após Lei Seca mais rigorosa, mortes caem no trânsito. Depois de três anos de alta, índice tem queda de 10%, a maior desde 1998" (Folha de S. Paulo 10/11/14: A1). O leitor dessas manchetes, desavisado, é levado a crer que o rigor da lei é a solução do problema [o problema do Brasil seria a falta de leis duríssimas]. Isso é puro populismo penal demagógico e irresponsável, que vem sendo levado a cabo no nosso país [desde a redemocratização, com certeza: veja meu livro Populismo penal midiático] pelo governo, legislador e mídia. O primeiro parágrafo da notícia diz: "As mortes em acidentes de trânsito caíram 10% em todo o país no ano passado [2013], segundo o governo federal. É a primeira queda em três anos e a maior desde 1998". 
A informação é do "governo federal". A mídia não tem o cuidado sequer de checar se essa informação tem consistência ou plausibilidade. O que o legislador, o governo e a mídia fazem é um desserviço à cidadania, à nossa democracia (que é uma das mais corruptas do planeta e, ao mesmo tempo, uma das mais manipuladas). A matéria da Folha, depois de mais de 20 parágrafos, diz que eventual diminuição pode ter sido causada pela fiscalização. No último parágrafo (onde normalmente o leitor já não chega) diz: "Os dados do SUS podem ser alterados até junho de 2015. Nos últimos anos, porém, as revisões não mudaram substancialmente os resultados". Ou seja: a informação de que as mortes no trânsito diminuíram em 2013 (com manchete em letras garrafais) constitui um desserviço à cidadania porque pode ser alterada até 2015 (muita água ainda vai rolar sob essa ponte).
Estou me valendo, neste artigo, das manchetes escandalosas e das matérias da Folha (que é um jornal, normalmente, que eu reputo sério) por acaso. Praticamente todos os meios de comunicação fazem, nessa área, a mesma coisa sob a égide da mesma ideologia: "o endurecimento da lei é o responsável pela diminuição dos crimes". Nada mais inverídico. O que todos esses meios ignoram? É que, de 1940 a 2014, o legislador brasileiro já fez 157 reformas penais, das quais 73% pelo endurecimento das leis, e nunca jamais diminuiu qualquer tipo de crime a médio prazo no Brasil. Há 74 anos o legislador ilude a população com leis mais duras, sem nunca ter desenvolvido nenhuma política de "certeza do castigo" (fazer cumprir a lei, por meio de um rigorosa fiscalização). 
Adoramos, em virtude da nossa formação "bacharelesca", normas jurídicas (que são abusivas e excessivas no Brasil: somente no campo tributário, da CF para cá, já emitimos mais de 4 milhões de normas). E acreditamos que elas solucionam problemas sociais. Tradição maldita e desgraçada porque assim o legislador ilude a população (editar uma lei nova não custa nada), sem enfrentar seriamente o problema.
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(Imagem: Diário do Litoral)
A Folha acreditou na informação (do governo) de que em 2013 tivemos 40.500 mortes no trânsito. Em 2012, já tínhamos alcançado 44.891 óbitos. Os números de 2013 vão ser atualizados até 2015. Não percebem os meios de comunicação que essas estatísticas preliminares (manhosas, porosas, enganosas) vêm se mostrando bastante falhas, ficando muitas vezes longe do resultado real, ou até mesmo contrariando a expectativa. 
Em 2009, a Folha (referindo-se ao ano de 2007) publicou o seguinte: "Lei Seca reduz mortes e internações por acidentes de trânsito, diz ministério" (quem leu isso deve ter acreditado na informação). Quando os resultados finais saíram, eles apontavam um aumento real nessa taxa. A reportagem apontava um total de 36.465 mortes no trânsito; o número real (em 2007) ficou em 37.407, tendo havido crescimento de 2,8% em relação ao ano anterior.
Em junho de 2010, a mídia também divulgou uma informação que dava conta de uma redução de 6,2% nas mortes causadas pelo trânsito, também devido à Lei Seca mais dura, entre os anos de 2008 e 2009 ('Lei Seca' reduz em 6,2% as mortes causadas pelo trânsito). O resultado final para os anos de 2008 e 2009, na verdade, apontaram queda de apenas 1,7%. Aliás, 2009 foi o único ano, na década de 2001 a 2010, que houve redução no número de mortes (em virtude da boa fiscalização). 
Em novembro de 2011, outra publicação da mídia (Mortes no trânsito têm alta de 25% em 9 anos, aponta ministério.) também revelou um aumento inferior ao resultado real na taxa de mortes. Era apontado um aumento de 25% para o período entre 2002 e 2010 com base em resultados preliminares, e o que se confirmou foi então um aumento de 30,8%, em 9 anos. O número estimado para 2010 seria de 40.610 vítimas e o resultou final apontou 42.844.
Nos últimos 32 anos (1980-2012), o crescimento da mortandade no trânsito foi de125% no número de mortes absolutas; considerando-se a taxa de mortes por 100 mil habitantes, o aumento foi de 37,5%; a única queda que se nota é na taxa de mortes por 100 mil veículos: menos 68,3%. Isso se deve ao incremento da frota automotiva brasileira. Quanto mais carros circulando no país, menos a quantidade de mortos por 100 mil veículos. 
A média de crescimento anual de mortes no trânsito, para este período, é de 2,77%. Faz 32 anos que os óbitos estão aumentando fortemente e não se vê nenhuma política pública adequada de prevenção de mortes (é uma prova inequívoca do quanto as políticas públicas não valorizam a vida). As autoridades sempre empurram o problema com a barriga (são, portanto, administradores de mortes, não tutores da vida).
A solução para as mortes no trânsito passa pela educação e conscientização cívica e ética do cidadão, engenharia (dos carros, das ruas e das estradas), fiscalização, primeiros socorros e punição concreta (efetiva). A fórmula é: ECE-FPP. Falhamos em todos esses itens, a começar pela nossa formação (3/4 da população brasileira é analfabeta funcional: não entende o que lê ou não sabe fazer operações matemáticas mínimas). 
De outro lado, de acordo com FGV, para 81% é muito fácil burlar as leis no país! Analfabetismo (funcional) + falta de cidadania ética + ojeriza do brasileiro em cumprir as leis (principalmente as de trânsito) + ausência de uma efetiva fiscalização = 45 mil mortes por ano.
Para constatar isso basta comparar o Brasil com os países de capitalismo evoluído e distributivo. Selecionamos uma elite (um grupo) de 18 países (dentre os 21 primeiros no IDH), que se identificam com o que estamos chamando de "escandinavização", ou seja, que apresentam baixo índice de violência e métodos socializadores altamente civilizados, muito semelhantes aos dos países da Escandinávia (Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Islândia e Ilhas Feroé), apesar das suas diferenças culturais, sociais, jurídicas e históricas. 
Esses países "escandinavizados" ou em processo de "escandinavização" possuem as seguintes médias: PIB per capita de USD 50.084, Gini de 0,301 (pouca desigualdade e, ao mesmo tempo, pouca concentração da riqueza nas mãos de pouquíssimas pessoas), 1,1 homicídios por 100 mil habitantes, 5,8 mortos no trânsito por 100 mil pessoas, 18.552 presos (na média) e 98 encarcerados para cada 100 mil pessoas.
Mortes no trânsito e IDH. Os países do primeiro grupo (IDH muito elevado = países de capitalismo evoluído e, normalmente, distributivo e civilizado) matam muito menos no trânsito (média de 0,17 para cada mil veículos ou 7,7 mortes para cada 100 habitantes). Os números dos grupos seguintes (IDH elevado, médio e baixo) são: 0,81 e 16,2 (segundo grupo), 2,80 e 18,4 (terceiro grupo) e 22,38 e 20,6 (quarto grupo). O Brasil mata 0,66 para cada mil veículos (perto da média do segundo grupo) e 22 pessoas para cada 100 mil (no quarto grupo). Em síntese, somos muito violentos.
Os países com os melhores IDH´s apresentam baixíssimas taxas de mortes no trânsito, com exceção dos Estados Unidos, país com a maior frota de veículos do mundo e alta incidência de violência (quando comparados com essa elite de dez países). Já entre os países com baixos IDH´s, como Níger, República Democrática do Congo, Moçambique, Chade, Burquina Faso, Mali, Eritréia, República Centro Africana, Guiné e Burundi, os piores do índice, as taxa de mortes no trânsito alcançam números altíssimos, tanto por 100 mil habitantes, como por 1 mil veículos.
O Brasil, quando comparado com os países do primeiro grupo do IDH, é uma nação fracassada. A causa principal é o capitalismo extremamente desigual (extrativista, patrimonialista e clientelista), que não tem nada a ver com o capitalismo distributivo das nações avançadas e prósperas como Noruega, Austrália, Holanda, Alemanha, Nova Zelândia, Irlanda, Suécia, Suíça, Coreia do Sul e Japão etc. As quatro instituições que levam os países para a glória ou para o buraco são as seguintes: políticas (Estado/democracia), econômicas (modelo de economia), sociais (sociedade civil/incivil) e jurídicas (império da lei repressiva, das garantias e do devido processo).
O gigante inacabado chamado Brasil apresenta sérios problemas no funcionamento de todas as instituições assim como nos seis eixos citados (Educação, Conscientização cívica e ética, Engenharia, Fiscalização, Primeiros socorros e Punição efetiva). O sistema educacional é um dos mais deploráveis do planeta (últimas colocações no PISA). Grande parcela dos carros é insegura e as estradas são esburacadas e mal sinalizadas. O Estado negligencia na fiscalização, os primeiros socorros são demorados e a punição é muito falha. 
O brasileiro, no volante de um carro, em muitos casos, é um bárbaro mal educado, bêbado e sem precaução (o céu, para ele, não é o limite, é o escopo). Todos os ingredientes da salada mortífera são abundantes. Resultado: perto de 45 mil mortes por ano. Solução:educação de qualidade para todos (inclusive para o escolarizado, que sempre tem algo a mais a aprender para viver humanamente, ou seja, respeitando todos os seres humanos), mais forte redistribuição de renda (melhor renda per capta) e rápida diminuição nas desigualdades, começando pelas educacionais e socioeconômicas.
Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.
Confira todos os artigos do professor Luiz Flávio Gomes no institutoavantebrasil.com.br.
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