George Felipe de Lima Dantas e Nelson G. Souza
De acordo com o Capitão DeLadurantey[i], comandante da Divisão de Investigação Científica da Polícia de Los Angeles, a expressão Inteligência pode ser entendida da seguinte maneira:
É o conhecimento das condições passadas, presentes e projetadas para o futuro de uma comunidade, em relação aos seus problemas potenciais e atividades criminais. Assim como a Inteligência pode não ser nada mais que uma informação confiável que alerta para um perigo potencial, também pode ser o produto de um processo complexo envolvendo um julgamento bem informado, um estado de coisas, ou um fato singular. O "processo de Inteligência" descreve o tratamento dado a uma informação para que ela passe a ser útil para a atividade policial.
Já a Análise Criminal, conforme aponta o autor e docente policial Steven Gottlieb (1994)[ii], referindo o "Integrated Criminal Aprehension Program" (Programa Integrado de Prisão de Criminosos), tem a seguinte significação:
É um conjunto de processos sistemáticos (...) direcionados para o provimento de informação oportuna e pertinente sobre os padrões do crime e suas correlações de tendências, de modo a apoiar as áreas operacional e administrativa no planejamento e distribuição de recursos para prevenção e supressão de atividades criminais, auxiliando o processo investigativo e aumentando o número de prisões e esclarecimento de casos. Em tal contexto, a análise criminal tem várias funções setoriais na organização policial, incluindo a distribuição do patrulhamento, operações especiais e de unidades táticas, investigações, planejamento e pesquisa, prevenção criminal e serviços administrativos (como orçamento e planejamento de programas).
No contexto da Análise Criminal, a expressão padrão corresponde a uma característica da ocorrência de um determinado delito, segundo a qual pelo menos uma mesma variável daquela ocorrência se repete em outra, ou outras ocorrências ao longo do tempo (antes e/ou depois). A categoria da variável repetida pode ser o dia da semana, hora, local, tipo de vítima, descrição do autor, modus operandi ou outra variável qualquer da ocorrência sob análise. Já a tendência indica uma propensão quantitativa geral (aumento, estabilização ou diminuição) de um fenômeno da segurança pública, por exemplo, as ocorrências de um delito específico. Tal propensão deve ser verificada ao longo de uma área geográfica e série histórica extensas o suficientemente para que a tendência possa ficar confiavelmente determinada.
A exemplo de análise criminal tática, os trabalhos analíticos que identificam um padrão resultante das ações de um determinado delinqüente que comete uma série de crimes, do mesmo tipo penal, em uma mesma localidade, e em um pequeno espaço de tempo. Já na análise criminal estratégica, o analista estará voltado, por exemplo, para a determinação de um padrão geral de delinqüência (a exemplo, arrombamentos) e que produz uma série de vítimas tipicamente pertencentes a um mesmo grupo de risco (a exemplo, os comerciantes de uma determinada cidade). Um dos resultados típicos da análise criminal estratégica é a formulação de programas preventivos.
Já a chamada Análise Criminal Administrativa provê os gestores de informações gerais de natureza econômica, social, geográfica, ou de outra área qualquer do conhecimento com interface com a segurança pública.
A Inteligência e a Análise Criminal, enquanto instrumentos de produção de conhecimento, igualmente coletam e processam dados, disseminando o conhecimento produzido sob a denominação geral de informes, informação e apreciação. O sigilo é umas das características comuns da Inteligência e da Análise, bem como vários outros comportamentos típicos da cultura operacional da chamada atividade de Inteligência Humana.
Para entender a Análise Criminal em sua articulação com a Inteligência, é necessário entendê-la em um nível topológico conceitual mais abrangente. É em tal nível topológico que ela está estreitamente ligada ao metiê da Inteligência de Estado, quando fica posicionada com outras três espécies de análise: Análise de Inteligência propriamente dita, Análise de Operações e Análise Investigativa. Gottlieb estabelece uma interessante correspondência de atividades para cada tipo citado de análise:
Análise Criminal: quem está fazendo o quê contra quem?
Análise de Inteligência: quem está fazendo o quê junto com quem?
Análise de Operações: como a organização está utilizando seus recursos?
Análise Investigativa: por que alguém está fazendo tal coisa?
Gottlieb estabelece ainda que para cada um dos tipos de análise acima existirão três processos básicos de análise: tática, estratégica e administrativa.
Tais definições e conceitos são instrumentais para a compreensão do que seja a Inteligência Policial e a Análise Criminal, em sua associação germana com a metodologia da Inteligência de Estado, bem como para o entendimento dos métodos de abordagem e procedimento para a construção de um conhecimento específico sobre o crime, criminosos e questões conexas.
CONSIDERAÇÕES GERAIS: A CRIMINALIDADE GLOBAL
Neuman[iii] editando estudo de vários colaboradores, aponta algumas conclusões acerca da situação da criminalidade mundial no "Sexto Relatório Global sobre Crime e Justiça". O relatório, segundo seu editor, é uma pesquisa internacional cujo objetivo principal "não é medir a quantidade exata de crime que existe no mundo, mas sim prover uma avaliação do fenômeno e da respectiva resposta governamental". Dentre outras, parecem dignas de nota as seguintes ilações gerais daquele documento:
O crime está em toda parte; ainda que os vários países definam os crimes diferentemente, não existe lugar onde eles não ocorram; a criminalidade global continuou a aumentar nos anos 90, igual que na década anterior; o crime mais comum foi o furto, com os delitos mais graves (homicídios, estupros roubos, etc...) representando entre 10 e 15% do total geral.
A situação atual da segurança pública brasileira, mesmo considerando o quadro global sombrio delineado na obra editada por Neuman, talvez inspire mais cuidados que a de outros países que participaram da pesquisa que deu origem ao relatório. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o Brasil apresenta hoje a segunda maior taxa geral de homicídios, superada apenas pela da Colômbia[iv]. Assim, parece plausível que o problema da criminalidade brasileira esteja hoje motivando novas ações, em todos os níveis de governo, visando um melhor e maior controle do fenômeno pelo Estado. A realização do seminário A Inteligência Criminal e a Criminalidade de Massa pela ABIN (neste mês de junho de 2004), é emblemática da postura que o Governo Federal vem adotando, ao buscar estimular a adoção de novas e modernas estratégias para o trato da questão.
Newman (idem) aponta ainda algumas conclusões pontuais acerca da situação da criminalidade global, e que podem ser tomadas como indicadoras do alcance da grave crise mundial de insegurança, já levadas em conta as considerações de caráter geral citadas anteriormente.
A cada cinco anos, independente do país, dois de cada três habitantes das grandes cidades globais, ao menos uma vez, são vítimas de algum crime; os riscos em relação ao crime são maiores na América Latina e países da África situados ao redor do Saara, que em outras regiões do globo; as grandes cidades globais apresentam níveis similares de índices de homicídio e roubo; em geral, os países que possuíam alto número de proprietários de armas de fogo também apresentaram os maiores índices de mortalidade por essas armas, incluindo homicídios (com exceções); quando comparados com outros fenômenos criminais, os delitos relacionados com as drogas aumentaram desproporcionalmente nas duas últimas décadas; os incentivos econômicos do chamado narcotráfico fazem com que essa atividade seja extremamente durável.
Um outro aspecto que deve ser considerado é a dimensão mais abrangente da crise global de insegurança, nomeadamente seus aspectos políticos, sociais e econômicos. As indicações do Sexto Relatório Global parecem estar em sintonia com a percepção do Banco Mundial, quando esta organização internacional de fomento aponta[v]: "o desenvolvimento econômico sustentável não pode acontecer sem que as garantias básicas de segurança estejam providas (...) Um sistema de justiça criminal responsável requer comprometimento da parte do governo".
Na origem do fenômeno da criminalidade e da violência, em países como o Brasil, parecem estar causas estruturais cujo controle está muito além do escopo ou finalidade da Inteligência e da Análise Criminal. Por isso mesmo, parece oportuno citar Ferreira (2000)[vi], quando explica que "O fenômeno da urbanização (súbita e desordenada), observado em grande parte dos países subdesenvolvidos, em muito se deve à matriz de industrialização tardia (...) E prossegue, nessas mesmas linhas: "As grandes metrópoles subdesenvolvidas são hoje a expressão do antagonismo e da desigualdade". Ferreira refere a situação específica do Brasil, apontando: "No caso das cidades brasileiras, assim como em muitas metrópoles subdesenvolvidas, pode-se dizer que vivemos hoje em dia uma situação limítrofe entre a Cidade e a Barbárie".
Assim, apenas ao exame perfunctório de alguns poucos argumentos explicativos da problemática do crime da violência, parece restar a noção de que o fenômeno é global, grave e profundo. Em sua expansão e complexidade crescentes, demanda todos os recursos de controle ao alcance do Estado, inclusive o potencial representado pelo conhecimento produzido a partir das atividades de Inteligência e Análise Criminal, objetos de exploração e estudo neste trabalho.
Se por um lado não cabe esperar combater as causas do fenômeno da crescente criminalidade contemporânea apenas com a Inteligência e a Análise Criminal, por um outro, elas representam instrumentos indispensáveis para um melhor controle da expressão mais perniciosa do fenômeno, a chamada criminalidade de massa[vii].
INTELIGÊNCIA: ABIN & SISBIN
A "Inteligência é o mesmo que clarividência, tipo de ofício artesanal de profetizar" argumenta Dulles[viii]. Segundo o ex-diretor da "Central Intelligence Agency" [Agência Central de Inteligência (CIA)] dos Estados Unidos da América (EUA), "a inteligência está sempre em estado de alerta, em todas as partes do mundo". No sentido da afirmação de Dulles, bem como das indicações de vários outros autores sobre o tema, ao produzir uma visão futura a Inteligência permite ao Estado poder de antecipação e uma conseqüente articulação privilegiada de meios, marca das organizações inteligentes.
É bastante complexa e controvertida a percepção brasileira acerca do tema da inteligência, com sua evocação causando reações que vão da simpatia ao total rechaço. Independente disso, a atividade de Inteligência parece existir em boa parte do mundo. A tal respeito, Gonçalves[ix] afirma: "Modernamente, não se pode cogitar a existência de Estado que não disponha de órgãos de inteligência em sua estrutura". E prossegue, dando contorno ao surgimento e funções da inteligência: "Com sua origem remontando aos primórdios das civilizações, a atividade de inteligência sempre foi percebida como essencial para a governabilidade e garantia de segurança, não só em contextos de guerra, mas também em períodos de paz e ordem institucional". O autor também enfatiza a importância da Inteligência na seara do controle do crime, "tanto no fornecimento de dados úteis para a repressão aos delitos quanto para o "estabelecimento de cenários e estratégias de atuação nas áreas de segurança pública e institucional".
É bastante sutil a diferenciação entre a atividade de Inteligência e a de investigação policial. Ambas lidam, muitas vezes, com os mesmos objetos (crime, criminosos e questões conexas), com seus agentes atuando lado-a-lado. Enquanto a investigação policial tem como propósito direto instrumentar a persecução penal, a Inteligência Policial é um suporte básico para a execução das atividades de segurança pública, em seu esforço investigativo inclusive. A metodologia (de abordagem geral e de procedimentos específicos) da Inteligência Policial está essencialmente identificada com a da Inteligência de Estado.
De acordo com o ordenamento jurídico-constitucional vigente, a Inteligência, a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) e o chamado SISBIN (Sistema Brasileiro de Inteligência) foram criados e instituídos conforme determina a Lei 9983/1999.
LEI Nº 9.883, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1999
Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, e dá outras providencias.
Art. 1º Fica instituído o Sistema Brasileiro de Inteligência, que integra as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência do País, com finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesses nacional.
§ 1º O Sistema Brasileiro de Inteligência tem como fundamentos a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição Federal, os tratados, convenções, acordos e ajustes internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ou signatário, e a legislação ordinária.
§ 2º Para os efeitos de aplicações desta Lei, entende-se como inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.
É digna de nota a preocupação do legislador, não só em criar um órgão central de Inteligência, mas também de instituir o sistema respectivo. A existência de um sistema não só permite que as atividades de coleta possam ser desdobradas em nível local, mas também que o conhecimento final produzido possa ser disseminado em todos os pontos do sistema em que haja necessidade de saber, aspectos essenciais para uma efetiva utilização da informação. Não menos importantes são os valores sobre os quais o sistema está assentado, todos eles, de alguma forma, objeto de ações garantidoras dos órgãos de segurança pública. É explícita a referência, na lei, à "salvaguarda e segurança da sociedade e do Estado".
PERCEPÇÕES SOBRE A INTELIGÊNCIA POLICIAL NO BRASIL
É possível detectar, no seio da sociedade e do próprio Estado, freqüentes alusões aos temas da Inteligência Policial e da Análise Criminal no contexto da atual problemática da segurança pública brasileira. Uma convergência de referências indica uma percepção generalizada de que a Inteligência Policial possa ser um diferencial de qualidade na Segurança Pública. O meio policial constitui um primeiro nível onde pode ser detectada tal percepção:
Especialistas ouvidos pela Folha destacaram a importância de se organizar as informações policiais para combater o crime organizado, mas mostraram-se preocupados com o fato de o país não ter encontrado ainda um modelo ideal para seguir (...) A equipe do Dipol (Departamento de Inteligência da Polícia Civil de São Paulo) ainda está em formação. Em dois meses, o delegado Bernardes Filho espera terminar um manual sobre inteligência policial para o Estado, um documento com regras de atuação e um código de disciplina [x]
O objetivo é chegar na frente e combater o crime com inteligência policial. Para trabalhar no departamento, os policiais serão treinados na Academia de Polícia e se dividirão entre o serviço de inteligência, contra-inteligência e operações.[xi]
Acadêmicos como Cláudio Beato, estudioso da gestão da segurança pública, vão um pouco mais além, diagnosticando falhas estruturais e funcionais que podem dar causa ao problema da escassez de conhecimento produzido pela Análise Criminal sob a cultura e metodologia da Inteligência Policial. Beato aponta que:
São raras as secretarias de segurança no Brasil que dispõem de departamentos de estatística e coleta de dados, bem como da tecnologia necessária para tal. O próprio governo federal, que contabiliza bem dados referentes à economia, saúde ou educação, não dispõe de nenhuma estrutura para esta tarefa.[xii]
A cada crime de repercussão nacional ou grande evento político, voltam a ser anunciadas as virtudes da Inteligência Policial. O então candidato, Cyro Gomes, já declarava em 2002: "Não vamos inventar a roda. Temos que nos espelhar no que deu certo lá fora. No mundo, se combate o crime investindo em inteligência."[xiii]. O Governo Federal, entretanto, regularmente, vem dando mostras regulares do quanto a Inteligência Policial e a moderna Análise Criminal passaram a ser consideradas pelo Poder Público. O anúncio da escolha do novo Secretário Nacional de Segurança Pública, consignado no sítio oficial do Ministério da Justiça ao final de 2003, demonstra, de forma inconteste, a importância que certamente passou a ter a Inteligência:
Luiz Fernando Corrêa, Delegado do Departamento de Polícia Federal no Distrito Federal, tomou posse nesta quarta-feira (12/11) como novo secretário nacional de Segurança Pública. Corrêa foi escolhido pelo ministro Márcio Thomaz Bastos por sua experiência no comando de ações de inteligência policial contra o crime organizado e o narcotráfico.[xiv]
A TÉCNICA DA ANÁLISE CRIMINAL - ESCORÇO HISTÓRICO
A Análise Criminal[xv] é, genericamente, a coleta e análise de informação pertinente ao fenômeno da criminalidade. Através dela, grandes quantidades de dados criminais podem ser analisados para detecção de padrões criminais; estabelecidas correlações entre delitos e autores; determinadas perfis de alvos e respectivos delinqüentes habituais e mesmo previsto o cometimento de crimes. Tais informações, providas pelo analista, são utilizadas para o dimensionamento e posicionamento de recursos, bem como para a realização de ações gerais de gestão em relação ao patrulhamento e investigação policial.
É farta a literatura de Análise Criminal em língua inglesa. Isso se deve ao fato de que os Estados Unidos da América (EUA) seja hoje o país que possui a maior comunidade profissional e acadêmica voltada para a produção de tal conhecimento. Aquela comunidade, sob a grande denominação de Justiça Criminal, é composta por milhares de instituições policiais (mais de 17 mil...) e centenas de programas acadêmicos de graduação[xvi] e pós-graduação[xvii] sobre o tema. Tais programas de educação e produção de conhecimento estão reunidos numa grande área de convergência do saber, onde a tônica é a interdisciplinaridade produzida pela interação de ciências como direito, administração, psicologia e criminologia com a moderna disciplina de Ciência Policial.
A situação norte-americana difere radicalmente da que predomina no Brasil, país onde os temas da segurança pública ainda permanecem fragmentados, sendo tratados separadamente pela sociedade civil e instituições policiais. Segue não existindo ainda uma grande área acadêmica específica de convergência daquelas duas vertentes do saber sobre a segurança pública.
A cultura da gestão da segurança pública brasileira está permeada por conceitos intensamente estudados e desenvolvidos por norte-americanos, caso, por exemplo do chamado Policiamento Comunitário, originalmente estabelecido por Herman Goldstein, Professor Emérito da Universidade de Wisconsin. O mesmo acontece em relação à doutrina de Policiamento Orientado por Problemas e, mais modernamente, o Policiamento Orientado pela Inteligência.
A existência da Justiça Criminal enquanto área profissional e acadêmica do interesse da gestão da segurança pública e privada norte-americana, aliada a uma poderosa indústria de bens e serviços estabelecida para o setor naquele país, induz a busca da identificação das origens do conhecimento da Inteligência Policial e da Análise Criminal segundo a vertente apontada na literatura correspondente dos EUA. Há que ter ainda em conta, que as atuais tecnologias aplicadas à moderna Análise Criminal, quase invariavelmente têm sua origem naquele mesmo país.
A TÉCNICA DA ANÁLISE CRIMINAL - ESCORÇO HISTÓRICO DA VERTENTE NORTE-AMERICANA
Podem ser atribuídos aos britânicos, começando por Henry Fielding, os mais antigos esforços no sentido de subsidiar a segurança pública com informação estruturada, válida e confiável[xviii]. Tal tendência parece ter sido assumida posteriormente, nos países de matriz cultural britânica, caso da Austrália, Canadá e Estados Unidos da América (EUA). Nesse sentido, a criminalística e a ciência forense modernas parecem ter começado a tomar sua configuração atual no início do século XX, tendo sido efetivamente incorporadas ao serviço policial na década de 1930, sob a influência de August Vollmer, na Califórnia, e depois de Edgar Hoover em Washington, D.C., ambos reconhecidos como importantes próceres da gestão policial norte-americana.
Henry Fielding (1707-1754)[xix], magistrado inglês (autor da ópera Tom Jones), ficou conhecido por estimular o público a denunciar crimes e prover descrições de criminosos, informações que ele próprio sistematizava para consulta e análise a posteriori. Seus policiais, ainda por serem parte do que hoje é a Polícia Metropolitana de Londres, eram chamados de "Bow Street Runners" (Corredores da Rua da Curva). Não usavam uniformes, mas ganharam tal reputação que passaram a ser temidos pela criminalidade local. Uma das características organizacionais dadas por Fielding a seus "policiais" pode ser vista como forma embrionária dos atuais departamentos de investigação criminal.
August Vollmer (1876-1955)[xx], considerado o "pai" da moderna gestão científica da atividade policial norte-americana, já apontava, no início do século XX, as mesmas metodologias básicas atualmente utilizadas na Análise Criminal moderna: "Na premissa da regularidade do crime e de fatos similares, é possível tabular as ocorrências policiais de uma cidade e assim determinar seus pontos de maior e menor risco para a ocorrência de crimes". A observação de Vollmer está diretamente relacionada com o moderno conceito de ponto quente ("hot spot"), Hodiernamente, um ponto quente é um local de alto risco para a ocorrência de crimes, podendo ser "mapeado" através de estatística computadorizada e sistemas de informação geográfica.
Vollmer foi o primeiro chefe de polícia da cidade de Berkeley, Califórnia (1909-1932), local em que também exerceu a docência de Administração Policial na Universidade da Califórnia (1932-1937). Buscou fazer da atividade policial uma ocupação de indivíduos altamente qualificados e de educação superior. Desenvolveu o curso de graduação e de mestrado em criminologia daquela universidade, bem como estabeleceu a primeira Escola de Criminologia dos EUA, assim formalmente designada (1950).
Orlando Winfield Wilson[xxi] continuou o movimento de profissionalização policial iniciado por Vollmer. Foi estudante universitário e policial em Berkeley, sob a docência e comando, concomitantemente, de August Vollmer. Wilson sucedeu Vollmer na cátedra de administração policial de Berkeley e, assim como seu mentor, também acreditava no valor da pesquisa acadêmica voltada para a atividade policial. A idéia de mapear o crime, referida por Vollmer, também foi preconizada por Wilson.
As divisões de análise criminal são responsáveis pelo exame sistemático de boletins diários de ocorrência de determinados crimes, de modo a determinar hora, local, características especiais, semelhanças com outras ocorrências e vários outros fatos significativos que podem contribuir para a identificação de um criminoso ou de um padrão de atividade criminal (Orlando Winfield Wilson).
Contemporâneo dos dois policiais da Califórnia, John Edgar Hoover (1895-1972) dirigiu o Federal Bureau of Investigation – FBI por longo tempo, permanecendo no órgão de 1924 até 1972, ano da sua morte. Promoveu a utilização de modernas técnicas investigativas pela instituição, transformando-a em um paradigma de excelência policial. Com Hoover, o FBI passou a estabelecer um diferencial mais claro entre a Inteligência Policial e a investigação, ao tratar concorrentemente de questões de segurança interna e de investigação policial propriamente dita.
Os fundamentos da moderna Análise Criminal, de acordo com o exame dos trabalhos de Fielding, Vollmer, Wilson e Hoover apontam as seguintes linhas mestras:
1. Disponibilidade de grandes volumes de dados sobre o crime, propriamente acumulados e sistematizados; 2. Existência de "ferramentas" de processamento e análise (manuais ou automatizadas); 3. Profissionalização técnica dos agentes policiais, especialmente capacitados para funções de Inteligência Policial e Análise Criminal.
Assim é que a moderna prática da Análise Criminal está hoje fundamentada no uso intensivo da Tecnologia da Informação (TI), nela incluídos os chamados aplicativos de estatística computadorizada e de sistemas de informação geográfica, tendo como objeto de análise coleções de dados organizados em bases nacionais agregadas. Através da análise das bases nacionais de dados agregados é possível estabelecer relações entre várias categorias de dados e informações criminais, determinando padrões e tendências humanamente impossíveis de serem detectados manualmente. No caso norte-americano, o FBI detém hoje as duas mais importantes bases nacionais de dados agregados para as atividades de análise criminal realizadas naquele país:
Centro Nacional de Informação Criminal ("NCIC") e Sistema de Relatórios Padronizados de Criminalidade ("UCR")
A TÉCNICA DA ANÁLISE CRIMINAL - ESCORÇO HISTÓRICO DA PRÁTICA BRASILEIRA
É farta a produção da análise criminal aplicada à gestão da segurança pública em alguns países, além dos EUA, caso da Austrália, Canadá, e Inglaterra. No Brasil, entretanto, a produção desse tipo de conhecimento, ainda escassa, está circunscrita a alguns acadêmicos ou profissionais bastante especializados da gestão policial.
Tal precariedade, ou mesmo inexistência de dados para realização de estatísticas criminais válidas e confiáveis, não acontece, no Brasil, por falta de iniciativas do Estado nesse sentido, conforme fica patente no Decreto-Lei Nº 3.992 de 30 de dezembro de 1941 e que Dispõe sobre a execução das estatísticas criminais a que se refere o art. 809 do Código de Processo Penal:
Art. 1º As estatísticas criminais, policial e judiciária, terão por base o boletim individual , que é parte integrante dos processos.
§ 1º Os dados contidos no boletim individual, referentes não só aos crimes e contravenções, como também aos autores, constituem o mínimo exigível, podendo ser acrescido de outros elementos úteis à estatística.
§ 2º O boletim individual é divido em três partes destacáveis, e será adotado no Distrito Federal, nos Estados e nos Territórios. A primeira parte ficará arquivada no cartório policial; a segunda será remetida à repartição incumbida do levantamento da estatística policial; e a terceira acompanhará o processo. Transitada em julgado a decisão final, e lançados os dados respectivos, será a terceira parte destacada e enviada: a) no Distrito Federal, ao Serviço de Estatística Demográfica, Moral e Política, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, e, b) nos Estados e nos Territórios, aos respectivos órgãos centrais de estatística.
Art. 2º Depois de devidamente criticadas e apuradas pelos órgãos de estatística competentes, a segunda e terceira parte do boletim individual serão remetidas ao serviço de identificação, como elementos complementares do registro do prontuário do acusado nelas referido.
Art. 3º O modelo de boletim individual, publicado com o Código de Processo Penal, fica substituído pelo que acompanha a presente lei.
No Brasil, a ausência de uma cultura técnica de Análise Criminal não favoreceu ainda uma necessária presteza no estabelecimento de grandes sistemas nacionais de dados agregados (bases de dados) pela gestão. Em uma outra visão, ao revés, a precariedade ou inexistência de grandes sistemas de bases agregadas de dados não teria favorecido ainda o pleno desenvolvimento de uma cultura técnica de Análise Criminal no país.
Na primeira hipótese, é possível afirmar que a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça, desde a década de 1990, vem tentando induzir, por parte dos entes federativos, a construção de sistemas nacionais de dados agregados (bases de dados) sobre o crime e a violência. Na Segunda hipótese, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) estaria hoje buscando dar foco e sistematizar a cultura da Análise de Inteligência Policial, técnica pertinente ao grande domínio metodológico da Inteligência de Estado.
São dignas de nota, entretanto, algumas iniciativas empreendidas no Brasil, nos últimos anos, tanto no âmbito acadêmico quanto institucional, no sentido de disponibilizar instrumentos e produtos da análise criminal alinhados com as melhores práticas internacionais. Nesse sentido, os trabalhos pioneiros dos sociólogos Cláudio Beato e Túlio Khan devem ser considerados e examinados. Em áreas específicas da gestão, incluindo a da integração do conhecimento, bem como a da análise criminal tática de alta tecnologia, destacam-se respectivamente, os estudos de Nelson Gonçalves de Souza[xxii] e Celso Moreira Ferro Júnior realizados em Brasília.
Parece fora de dúvida que o alinhamento da Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação, em prol da Análise Criminal, seja um modelo a ser adotado pela gestão da segurança pública, no sentido de um melhor controle do fenômeno do crime e da violência. Beato[xxiii] aponta a importância do tema:
A utilização intensiva de tecnologias de informação tem promovido uma verdadeira revolução silenciosa nas polícias do mundo (...) A constituição de unidades de análise de crimes tem se constituído num dos principais suportes para o desenvolvimento de policiamento comunitário e de solução de problemas.
A tendência a uma universalização da prática da Análise Criminal vem favorecendo, inclusive, a constituição de associações internacionais temáticas, caso da "International Association of Law Enforcement Analysts" [Associação Internacional de Analistas de Inteligência Policial (IALEIA)]. A IALEIA, criada em 1981, tem como finalidade promover o profissionalismo da Análise de Inteligência Policial, encorajando seu reconhecimento enquanto atividade técnico-profissional, bem como o desenvolvimento de padrões internacionais de qualificação, treinamento e utilização de métodos e técnicas específicas.
BASES DE DADOS: A "MATÉRIA PRIMA" DA ANÁLISE CRIMINAL
As bases de dados nacionais agregados constituem a matéria prima da moderna Análise Criminal. As bases funcionam como suporte amostral das análises, que terão resultados tão mais confiáveis quanto mais inclusivas forem as respectivas coleções de dados disponíveis. É necessário ter em conta que os registros policiais de crimes,por mais inclusivos que sejam, já são intrinsecamente restritos, já que subentendem a "cifra negra" ou não-notificação de crimes ocorridos. As análises podem ser de maior valor tático ou estratégico, conforme estejam mais focadas nos registros de categorias pontuais de dados sobre os crimes (dados de materialidade, autoria e modus operandi) ou de informações genéricas (número de delitos índice ocorridos e respectivas taxas de resolução).
O National Crime Information Center [Centro Nacional de Informação Criminal (NCIC)] do FBI[xxiv] é um exemplo de "depósito de dados" de abrangência nacional, consultado e "alimentado" por milhares de organizações policiais norte-americanas. Estabelecido em 1967, o NCIC serve hoje mais de 80 mil organizações, realizando cerca de 750 mil transações diárias. Suas categorias de dados, primordialmente de valor tático, incluem, dentre outros, os seguintes registros:
delinqüentes sexuais; delinqüentes violentos; procurados pela justiça; fugitivos; pessoas perdidas; armas de fogo; veículos; placas de veículos, etc. A versão 2000 do NCIC possibilita buscas comparativas de impressões papiloscópicas e de imagens fotográficas, contendo ainda uma versão avançada de "motor de busca" de nomes.
Já o Programa Uniform Crime Reporting [Relatório Padrão de Criminalidade (UCR), mantido pelo FBI, provê estatísticas criminais a partir do conjunto de delitos índice ocorridos nos EUA a cada último ano e qüinqüênio. A partir de 1930 o FBI passou a realizar a coleta, publicação e arquivamento das estatísticas criminais nacionais norte-americanas. Várias dessas estatísticas são hoje publicadas anualmente, caso do detalhado relatório - Crime nos Estados Unidos. Tal documento público, de alcance nacional, é produzido a partir de dados transmitidos ao FBI pelas mais de 17 mil organizações policiais daquele país.
Várias outras publicações são também baseadas no UCR, incluindo relatórios sobre Crimes de Ódio e Policiais Mortos e Lesionados. Estudos e pesquisas especiais, incluindo relatórios e monografias acadêmicas são também preparados com a utilização de data mining sobre a grande base de dados agregados nacionais que é o UCR.
INTELIGÊNCIA POLICIAL E ANÁLISE CRIMINAL
De acordo com Deladurantey[xxv], à função Inteligência de uma organização policial compete realizar a coleta de informação sobre as atividades de indivíduos e grupos engajados no crime. Ele descreve o processo da atividade de inteligência da seguinte maneira:
A conversão de inteligência básica em algo útil envolve a avaliação, análise e a disseminação do material resultante para unidades específicas da organização policial considerada. Tais unidades poderão então utilizar a informação como aviso de coisas que estão por acontecer ou indicação de atividades criminais ainda no estágio de desenvolvimento.
Enquanto a avaliação corresponde a um juízo valorativo da produção de conhecimento, a análise pode envolver o processamento de milhares de exemplares de uma determinada categoria de variável, visando identificar relações entre dados constantes de uma base nacional agregada. Para tanto, nos últimos anos uma grande quantidade de ferramentas da Tecnologia da Informação passou a estar disponível para a Análise Criminal. Dentre outras, vale citar:
CrimeWatch, Crime Analysis Extension, CrimeInfo, Crime Analyst, CrimeMapper, CRIMESolv, CrimeStat 2.0, CrimeView, MapALI Desktop, GeoGenie, Rige, S-Plus, SpaceStat, Spatial Analyst, STAC, Vertical Mapper, Terrain Tools, VMS 200 Video Mapping System, etc...
Destaca-se, dentre tais ferramentas, aquelas genericamente chamadas de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e que possibilitam o posicionamento espacial de variáveis, incluindo a espacialização das ocorrências criminais, distribuição de recursos humanos, bens e serviços, características sócio-econômicas, etc. A utilização de ferramentas de SIG vem apoiando de forma inovadora a gestão da segurança pública na formulação de novas políticas, programas e planos no que concerne a prevenção e repressão da criminalidade, através da visualização imediata de tendências, padrões e outras regularidades do fenômeno. Um exemplo disso é a identificação de pontos quentes, locais de alta densidade da criminalidade.
Assim é que, graças aos avanços e popularização da Tecnologia da Informação, hoje é possível aplicá-la diretamente na identificação de relações entre dados sobre o crime (trabalho nem sempre factível de ser realizado manualmente...), incluindo a produção de estatísticas computadorizadas e determinação de informação de posicionamento geográfico. A utilização de instrumentos automatizados parece lógica e oportuna, não só por sua racionalidade no processamento de grandes quantidades de dados, mas também pelo fato de que os recursos da segurança pública (informacionais inclusive...) sejam sempre insuficientes e rotineiramente submetidos a demandas cada vez maiores e mais complexas.
Na atualidade, já é tecnicamente possível, por exemplo, detectar automaticamente padrões e tendências criminais através do mapeamento geográfico e tratamento estatístico computadorizado de dados de atendimentos e ocorrências policiais, tudo isso em "tempo real". Disso resulta, por exemplo, a determinação dos já citados pontos quentes, locais de rápida e habitual incidência de eventos criminais. Melhor ainda, é possível detectá-los antes que se tornem problemas crônicos...
A TÉCNICA DA ANÁLISE CRIMINAL: FINALIDADE
A finalidade da Análise Criminal, de uma forma abrangente, é a produção de conhecimento relativo à identificação de parâmetros temporais e geográficos do crime, bem como detectar a atividade e identidade da delinqüência correspondente. A Análise de Inteligência Criminal também consiste no trabalho de identificação e provisão de conhecimento sobre a relação entre dados de ocorrências criminais e outros dados potencialmente relevantes para os órgãos do sistema de Justiça Criminal. O objetivo primordial da Análise Criminal enfim, é subsidiar as ações dos operadores diretos do sistema de justiça criminal (policiais – análise criminal tática) bem como dos formuladores de políticas de controle (gestores—análise criminal estratégica). Com a utilização dos produtos da análise, inquestionavelmente, é possível lidar mais efetivamente com incertezas e ameaças contra a segurança pública.
A TÉCNICA DA ANÁLISE CRIMINAL: CATEGORIAS DE DADOS
Os produtos da Análise Criminal tanto podem ser úteis no controle da criminalidade de massa quanto do crime organizado. Um exemplo interessante de instrumento de controle da criminalidade de massa é o mapeamento dinâmico (durante as 24 horas) dos chamados "crimes de rua" (crminalidade de massa), realizado por uma ferramenta de que dispõe a Polícia Municipal de Londres. As categorias de variáveis trabalhadas incluem dados relacionados ao tipo penal; data, hora e local da ocorrência em Londres.
Para as atividades de Análise Criminal objetivando o controle do crime organizado (narcotráfico, terrorismo e delitos econômicos em geral), as categorias de dados de interesse incluem variações de identidade, contatos pessoais, contatos telefônicos, correspondência eletrônica, deslocamentos pessoais, transferências de valores, etc.
A TÉCNICA DA ANÁLISE CRIMINAL: PROCESSOS DE ANÁLISE
Tal como em relação aos outros tipos de análise (de inteligência, de oprações e investigativa), na Análise Criminal cabem existem três processos: tático, estratégico e administrativo.
A Análise Criminal compreende, essencialmente, o ato de separar e examinar as diversas partes do registro de um atendimento ou ocorrência policial, a fim de conhecer sua natureza, proporções, funções e relações com variáveis homólogas de outras ocorrências. A análise pode subsidiar uma pronta resposta tática, favorecendo prisões e esclarecimento de casos. Diferentemente, pode estar voltada para questões estratégicas, caso de potenciais problemas de segurança pública de médio e longo prazos.
A análise criminal tática provê informação de apoio às áreas de pessoal (patrulhamento e investigação) na identificação de problemas criminais específicos e imediatos e na prisão de delinquentes. Os dados da análise criminal tática são utilizados para promover uma pronta resposta para situações operacionais.
A análise criminal estratégica, está voltada para "projeções de cenários", formuladas a partir de variações dos indicadores de criminalidade. Ela Inclui ainda a realização de estudos e respectiva elaboração de planos para a identificação e aquisição de recursos futuramente necessários.
A análise criminal administrativa está focada nas atividades genéricas de produção de conhecimento. Tem como propósito instrumentar a gestão policial, o poder executivo local, conselhos comunitários e grupos da sociedade organizada.
A TÉCNICA DA ANÁLISE CRIMINAL: O TRABALHO DO ANALISTA
O trabalho do analista, fundamentalmente, é obter respostas para questões que possam afetar a qualidade de vida da comunidade, fruto de problemas relativos ao crime. Suas tarefas básicas incluem, dentre outras, a realização de estudos probabilísticos, de correlação e regressão, amostragem e utilização geral de aplicativos. De maneira bastante reducionista, é possível definir a correlação como uma relação quantitativa entre duas variáveis; a regressão como um método estatístico de prever uma variável a partir de outra e a amostragem como a escolha ou seleção de uma amostra de dados que será objeto de análise.
Tarefas Gerais do Analista
:Coleta e análise de dados para detecção de padrões e tendências; estudos de correlação de dados sobre suspeitos; elaboração de perfis e cenários futuros; elaboração de relatórios de padrões e tendências; realização de "briefings" de policiais, membros da comunidade e de outras organizações e monitoramento da criminalidade e estabelecimento de programas preventivos.
Produtos Finais da Análise Criminal
:Apresentações verbais e confecção de documentos (relatórios e boletins) analíticos, neles incluídos o mapeamento de crimes e indicações de suspeitos do seu cometimento, bem como o modus operandi empregado.
CONCLUSÕES & RECOMENDAÇÕES
Os órgãos de gestão da segurança pública brasileira não possuem ainda, em sua maioria, os mesmos recursos e instrumentos da Tecnologia do Conhecimento (métodos) e da Informação (técnicas e tecnologias) disponíveis para comunidades homólogas de outros países. Tais recursos possibilitariam um maior e melhor controle e compreensão do fenômeno da criminalidade com incidência no país, especificamente no que concerne os produtos da análise criminal baseados em estatísticas computadorizadas e SIG. Vale salientar, também, que essas estatísticas estão baseadas primordialmente em dados resultantes de registros de atendimentos e de ocorrências policiais e, quando existem tais registros, no Brasil, eles podem ser de qualidade duvidosa[xxvi], essencialmente pela falta de padrões, normas e procedimentos para sua obtenção, processamento e disseminação.
A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça tem estado empenhada em modificar as condições estruturais que dão causa a esse quadro deficitário em termos de disponibilidade de métodos, técnicas e tecnologias aplicadas ao estudo dos fenômenos da segurança pública. Há que considerar, como dificuldade principal, a não-integração dos bancos de dados dos órgãos de segurança pública (intra e interinstitucionalmente), o que dificulta sobremaneira o estabelecimento de um "retrato fiel" da situação da criminalidade com incidência em cada área metropolitana, ente federativo e no país como um todo.
A nação, sob a falsa impressão de que "a criminalidade está ganhando", passa a ser refém do "medo do crime". Na verdade, o Estado "não está perdendo", mas simplesmente " não começou a jogar" seu potencial, certamente maior que o dos criminosos.
Apenas melhores técnicas e tecnologias não bastam para uma gestão do conhecimento efetiva. É necessário agregar a elas os métodos clássicos de abordagem e de procedimentos para produção de conhecimento científico, incluindo objetos interdisciplinares de estudo da Justiça Criminal, a fim de identificar as causas e a dinâmica do crime em diferentes momentos e lugares. Isso em muito contribuiria para uma gestão de qualidade na segurança pública, no que concerne a prevenção e a repressão da criminalidade, propiciando melhor qualidade de vida para a nação brasileira.
A Agência Brasileira de Inteligência – ABIN – detém toda uma Tecnologia do Conhecimento desenvolvida na produção de Inteligência de Estado, saber esse acumulado desde várias décadas. A Tecnologia da Produção de Conhecimento, juntamente com a Tecnologia da Informação e os conhecimentos peculiares da moderna Justiça Criminal, compõem hoje o cerne da moderna Análise Criminal praticada no restante do mundo.
A Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP – vem induzindo o estabelecimento de bases nacionais de dados agregados (o INFOSEG, por exemplo) bem como a criação de "ferramentas" de processamento e análise de informação sobre o crime (a exemplo, o recém disponibilizado programa "Terra Crime"), sem esquecer suas tentativas recentes de formar analistas criminais.
Pesquisadores acadêmicos, pioneiros, de algumas Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras, especialmente vocacionadas para os temas da segurança pública, juntamente com alguns técnicos da gestão da segurança pública de diferentes unidades federativas, já conhecem e dominam a metodologia da Análise Criminal praticada nos grandes centros de referência.
Parece hoje existir uma oportunidade única para aliar as competências específicas daquelas duas importantes instituições do Governo Federal, juntamente com as do mundo acadêmico, dando conformidade a uma doutrina de Análise Criminal de excelência, alinhada com as melhores práticas internacionais existentes.
Também parece razoável e factível que a SENASP, ABIN e técnicos em Justiça Criminal do mais alto nível, aqui presentes, possam estabelecer um mecanismo de cooperação, no sentido do estabelecimento das especificações das bases nacionais de dados agregados sobre o crime, bem como dos métodos, técnicas e tecnologias de Análise Criminal, sob o lastro da tradição que possui a ABIN na vasta e consolidada área de Inteligência de Estado. Um grupo assessor, constituído por profissionais das três vertentes, certamente poderia delinear conjuntamente essas especificações gerais, consolidando-os em nível federal para disseminação entre os órgãos de gestão da segurança pública do país.
Assim, em seguida ao seminário A Inteligência Criminal e a Criminalidade de Massa, e mesmo como seu fecho de coroamento, sugere-se a criação de um Grupo Assessor ABIN/SENASP para Assuntos Nacionais de Inteligência Policial e Análise Criminal.
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