Deve a Justiça admitir que os exames criminológicos possam ser gravados, para que o juiz, promotor e advogado tomem conhecimento, e para que se possa avaliar se a conclusão se coaduna com o exame realizado.
Durante a vigência da legislação anterior, qualquer pessoa que cumpria pena, necessariamente, devia passar por exame pericial para que se pudesse obter parecer quanto ao preenchimento das condições subjetivas à promoção de regime de cumprimento de pena e ou concessão de livramento condicional.
Porém, a Lei 10.792/03 alterou a redação originária do artigo 112 da Lei de Execução Penal e revogou expressamente a exigência do exame criminológico para os fins de progressão de regime, o substituindo pela necessidade de parecer elaborado pela Comissão de Classificação Técnica (art. 7º da LEP). A lei condicionou sua imprescindibilidade aos casos de crime hediondos e ou cometidos com violência à pessoa.
Neste sentido, inclusive, se posicionou a Suprema Corte ao estabelecer a súmula vinculante de n° 26, facultando ao juiz que examinará o benefício determinar, de maneira fundamentada[1], a realização do exame criminológico.
Aliás, neste sentido, Alexis Couto de Brito consigna que:
“Foi necessária a edição da Súmula vinculante 26 para tentar eliminar o entendimento equivocado, com a seguinte redação - “para efeito de progressão de regime no cumprimento da pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização do exame criminológico”[2].
Vale mencionar também que o ministro Marco Aurélio Mello assinalara:
“Na segunda parte, penso que se reintroduz, no cenário normativo – já que o verbete vinculante tem força erga omnes, só não obrigando o Congresso Nacional -, exigência prejudicial ao réu. Volta a valer o texto primitivo derrogado pela lei que mencionei, a Lei 10.792/03. A derrogação, para mim, mostra-se, no caso, muito clara. Por que? Porque antes havia o parágrafo único com a seguinte redação: a decisão será motivada e precedida de parecer da comissão técnica de classificação e do exame criminológico. Esse texto foi expungido, ou seja, tendo em conta a realidade brasileira – volto ao quadro mencionado da tribuna pelo ilustre defensor, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo -, esse exame já se mostrava, senão inócuo – quanto ao conteúdo de duvidosa propriedade -, inviável, porque oitenta mil presos aguardavam, havendo alcançado tempo para a progressão, o famigerado exame. Recordo, a imprensa veiculou a existência de trabalho visando, justamente, a dar àquele que estão sob a custódia do Estado tratamento digno, tratamento previsto na própria Constituição Federal. Por isso, penso que não podemos desconhecer essa realidade normativa, ou seja, que a exigência do exame criminológico seja afastada como requisito necessário à progressão. […]”
Entretanto, o que se tem visto é uma realidade difusa. O exame voltou a ser determinado e de forma automática, deixando de ser excepcional como a norma impôs inicialmente[3].
Temos a crença que o exame pode e deva ser realizado sempre que o julgador considerar que o caso mereça uma avaliação técnica do psicólogo, psiquiatra e do assistente social. A grande preocupação é a forma como estes exames são realizados.
E assim se coloca porque a experiência em casos concretos tem demonstrado uma similitude nas conclusões dos exames realizados, nos fazendo pensar que não se tem dado a devida importância a essa análise.
Por isso, é importante postular a possibilidade de acompanhamento dos exames por peritos auxiliares. Obviamente que isso já foi negado pelos estabelecimentos prisionais e pelos juízes de primeiro grau, porém, a Corte de Justiça do Estado de São Paulo em alguns recursos entendera que a possibilidade da nomeação de assistentes técnicos deveria ser permitida.
Em um julgamento, por maioria, se entendeu que se a visita íntima era viabilizada aos presos, não se teria razão e motiva para possibilitar que assistente técnico capacitado pudesse entrar no estabelecimento e realizar a perícia.
Este primeiro precedente ficou assim ementado:
“... Habeas Corpus - Execução Penal - Pleito de progressão ao regime semiaberto - Determinação da realização de exame criminológico para análise do requisito subjetivo do reeducando para obtenção do benefício - Decisão devidamente justificada com base em histórico prisional desfavorável do paciente - Constrangimento ilegal inexistente - Insurgência do condenado para que lhe fosse possibilitado trazer aos autos contraprova, notadamente crítica ao trabalho do Perito Oficial... CONCEDERAM A ORDEM EM PARTE PARA O FIM EXCLUSIVO DE GARANTIR ENTREVISTA DO ASSISTENTE TÉCNICO COM O PACIENTE, POR ÚNICA VEZ, NO PRAZO DE 30 DIAS...”(TJ-SP – Rel. Des. ALMEIDA SAMPAIO, HC n.º 0079684-91.2011.8.26.0000)
Analogicamente, inclusive, o quanto dispõe os artigos 159, § 5º, II, e § 7º, do Código de Processo Penal c.c. 421 º§ 1º incisos I e II, do Código de Processo Civil, amparava o Direito pretendido e reconhecido, determinando a nomeação de assistente técnico e ou profissional para auxiliar na sua avaliação médica-psicológica.
E neste momento não se permitiu o acompanhamento desse exame nem pelo advogado e ou pelo seu assistente. Todavia, a padronização dos exames continuou e diversos são os casos em que se constata o uso de termos genéricos e que não retratam e individualizam a situação daquele que está na busca do benefício da semiliberdade e ou liberdade plena. Mas, vai-se além.
Muitas vezes, pela falta de tecnicidade dos exames e pelo abusivo uso de expressões subjetivas, não se pode aquilatar o motivo e qual a razão daquela afirmação e ou conclusão do perito nomeado.
Nem mesmo os assistentes técnicos indicados puderam e ou perceberam qual a forma e a técnica do exame realizado, dificultando não somente debater o que inserido, mas o exame correto e adequado do postulado.
Neste sentido, é que deve então a Justiça começar a admitir que estes exames também possam ser gravados, seja para que o juiz, promotor e advogado tomem conhecimento, seja para que se possa avaliar se a conclusão externada realmente se coaduna com o exame realizado.
Atualmente, com a gama de recursos tecnológicos, se sabe que qualquer celular e ou equipamento fotográfico grava áudio e vídeo com perfeição. E se os atos procedimentais do processo penal podem ser gravados, não há óbice para que na esfera da execução penal, isso seja devidamente aplicado (art.405 e parágrafos do Código de Processo Penal).
É importante lembrar uma frase de Francesco Carnelutti, que diz: "Basta tratar o delinqüente como um ser humano, e não como uma besta, para se descobrir nele a chama incerta do pavio fumegante que a pena, em vez de extinguir, deve reavivar".
Portanto, há que permitir essa amplitude porque não existe razão para impedir que se faça a gravação de áudio e vídeo dos exames realizados, ampliando assim a possibilidade de conhecimento para uma melhor avaliação de quem pode e quem não deve ser agraciado-beneficiado e passar à próxima etapa de sua ressocialização.
NOTAS
[1]Neste enfoque, não é demasiado colacionar a lição do douto Professor Antonio Scarance Fernandes[1], sobrelevando, a esse propósito, a evolução da forma de analisar-se a garantia da motivação dos atos decisórios, a saber: “Evoluiu a forma de se analisar a garantia da motivação das decisões. Antes entendia-se que se tratava de garantia técnica do processo, com objetivos endoprocessuais: proporcionar às partes conhecimento da fundamentação para poder impugnar a decisão; permitir que os órgãos judiciários de segundo grau pudessem examinar a legalidade e a justiça da decisão. Agora, fala-se em garantia de ordem política, em garantia da própria jurisdição. Os destinatários da motivação não são mais somente as partes e os juizes de segundo grau, mas também a comunidade que, com a motivação, tem condições de verificar se o juiz, e por conseqüência a própria Justiça, decide com imparcialidade e com conhecimento da causa. É através da motivação que se avalia o exercício da atividade jurisdicional. Ainda, às partes interessa verificar na motivação se as suas razões foram objetivação, pois, através dela, evidencia a sua atuação imparcial(in Processo Penal Constitucional, pag.119”;
[2] In execução Penal. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 245;
[3]"A execução da pena não pode ficar alheia aos desdobramentos da garantia constitucional da reserva legal. Em consequência, qualquer modificação na execução da pena deve se dar com a observância do devido processo legal, não se mostrando possível restringir direito sem expressa previsão legal. (TACRIMSP – REL. Juíza Angélica de Almeida – HC 424.858-2);
Daniel Leon Bialski
Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, membro da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa, Advogado sócio do escritório Bialski Advogados Associados.
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