Segundo a Súmula 522 do STJ, é típica a conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial, ainda que em situação de alegada autodefesa. O artigo esclarece os fundamentos do enunciado.
Sumário: 1. Introdução. 2. A revisão da jurisprudência do STJ e criação da Súmula 522. 3. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A controvérsia que deu origem à Súmula 522 do STJ girava em torno na seguinte questão: na garantia constitucional de permanecer calado (art. 5º, LXIII da CF⁄88) estaria englobada a utilização de identidade falsa perante autoridade policial em situação de autodefesa?
Em outras palavras: o princípio constitucional da autodefesa comportaria interpretação extensiva para alcançar a conduta daquele que se apresenta com nome falso com o fim de livrar-se de uma prisão ou ocultar o seu passado criminoso?
Em observância à orientação fixada pelo STF no RE 640139 DF (DJe 14/10/2011), o STJ revê sua jurisprudência e passa a afirmar que o princípio constitucional da autodefesa não alcança aquele que atribui-se falsa identidade, perante autoridade policial, ainda que em situação de autodefesa.
Este novo entendimento do STJ culminou na publicação da Súmula 522, em abril de 2015. Nosso artigo apresenta uma breve exposição da evolução da jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria, a fim de esclarecer os fundamentos do comando desse novo verbete sumular.
2. A REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ E CRIAÇÃO DA SÚMULA 522
Durante anos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça foi firme no sentido de que não comete crime de falsa identidade (art. 307 do CP) aquele que, diante da autoridade policial, identifica-se com nome falso, em atitude de autodefesa.
Sendo assim, não praticaria o crime previsto no art. 307 do CP aquele que se apresenta com nome falso com o fim de livrar-se de uma prisão ou ocultar o seu passado criminoso. Tal conduta, na visão do STJ, caracterizaria o exercício de autodefesa, amparado pela garantia constitucional de permanecer calado, prevista no art. 5º, LXIII da CF⁄88. [1]
Verbis:
CF/88. Art. 5º, LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
Ocorre que, em outubro de 2011, ao julgar com repercussão geral o mérito do RE 640139 DF (DJe 14/10/2011), o Supremo Tribunal Federal sedimentou o entendimento de que o princípio constitucional da autodefesa não alcança aquele que atribui falsa identidade, perante autoridade policial, com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente.
Confira a ementa do referido julgado:
“CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇAO DE FALSA IDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇAO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII , DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSAO GERAL. CONFIRMAÇAO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes. (...)” STF - RE 640139 DF, Rel. Min. Dias Toffoli , DJe 13/10/2011.
Posteriormente, o STJ reviu sua jurisprudência para adotar a interpretação da Carta Margna firmada pelo STF. O Superior Tribunal de Justiça passou a aplicar o entendimento de que tanto o uso de documento falso (art. 304 do CP), quanto a atribuição de falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que utilizados para fins de autodefesa, visando a ocultação de antecedentes, configuram crime. Este entendimento culminou na edição da Súmula 522 do STJ, verbis:
Súmula 522: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.
De fato, como bem destacou o ilustre Ministro Marco Aurélio Bellizze: [2]
“a compreensão firmada pelos membros da Suprema Corte não merece reparos, visto que não se pode negar que a atribuição a si próprio de falsa identidade com o intuito de ocultar antecedentes criminais não encontra amparo na garantia constitucional de permanecer calado, tendo em vista que esta abrange tão somente o direito de mentir ou omitir sobre os fatos que lhe são imputados e não quanto à sua identificação.”
Nessa linha, confira:
“(...) 1. O uso de documento falso com a finalidade de evitar que o réu seja novamente recolhido à prisão não pode ser considerado como exercício de autodefesa. 2. A utilização de documento público em benefício do agente e em detrimento do Estado, configura ofensa à fé pública e não se confunde com a figura típica prevista no art. 307 do Código Penal. (...)” STJ - HC 197447 SP, Rel. Min. OG Fernandes , DJe de 9/11/2011.“(...) 1. Portar documento falso para ocultar o fato de ser foragido da Justiça não configura a hipótese de autodefesa, consagrada no art.5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, mas sim da prática delitiva tipificada no artigo 304 do Código Penal. Precedentes. 2. Recurso ministerial provido para, cassando o acórdão recorrido, determinar que o Tribunal a quo, considerando a tipicidade da conduta, prossiga no julgamento da apelação criminal. (...)” STJ - REsp 1134497 SP, Rel. Min. Laurita Vaz , DJe 3/11/2011.“(...) 3. A Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, firmou a compreensão de que tanto a conduta de utilizar documento falso como a de atribuir-se falsa identidade, para ocultar a condição de foragido ou eximir-se de responsabilidade, caracterizam, respectivamente, o crime do art. 304 e do art. 307 do Código Penal, sendo inaplicável a tese de autodefesa. (...)” STJ - HC 156087 SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 05/09/2012
CONCLUSÃO
Em outubro de 2011, ao julgar com repercussão geral o mérito do RE 640139 DF, o STF definiu a interpretação correta a ser dada ao princípio constitucional da autodefesa, previsto no art. 5º, LXIII da CF⁄88.
Nesta ocasião, o STF afirmou que esta a garantia constitucional de permanecer calado não engloba a utilização de identidade falsa perante autoridade policial, ainda que em situação de autodefesa. Segundo o STF, a garantia constitucional do art. 5º, LXIII da CF abrange somente o direito de mentir ou omitir sobre os fatos que são imputados à pessoa e não quanto à sua identificação.
Com base nessa linha de raciocínio, o STJ reviu sua jurisprudência e passou a entender que tanto o uso de documento falso (art. 304 do CP), quanto a atribuição de falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que utilizados para fins de autodefesa, configuram crime. Este entendimento deu origem à Súmula 522 do STJ.
Vale dizer: o acusado tem o direito de permanecer calado, protegido pelo artigo art. 5º, LXIII, da CF/88, mas não possui, entretanto, o direito de mentir a respeito de sua identidade perante a autoridade policial, sob pena de incorrer no crime de uso de documento falso (art. 304, CP) ou de falsa identidade (art. 307, CP).
NOTAS
[1] Cf., nessa linha, dentre outros: STJ - HC 88998 RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, DJ 25/02/2008; STJ - HC 56.991/MS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 16/10/2006.
[2] Cf. STJ – Voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze, no HC 168671 SP, 5ª Turma, DJe 30/10/2012;
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