Por William da Costa Jr.
Bandido bom é bandido morto. Está com pena? Adote um bandido e leve para casa. Ah, os direitos humanos?! Aquele que trata os bandidos com carinho, deferência e amor? Enquanto continuar assim eles não vão parar de matar vocês. Vocês acham que esse bandido merece viver?
Calma, não se assuste. Essas frases não são de minha autoria, elas são de programas televisivos. É a banalização da violência.
Em seu livro “Direito Penal Brasileiro”, Nilo Batista disserta sobre a seletividade do direito penal no Brasil. Logo nos primeiros capítulos, afirma a importância dos agentes do sistema penal, citando as agências de comunicação social como uma das mais importantes. Elas englobam toda a imprensa, que tem grande influência tanto na criação de um novo crime, quanto também na criminalização secundária.
Na noite do dia 23 de Junho de 2015, quem assistia o programa “Cidade Alerta” observou, ao vivo, a execução policial de um suspeito, que fugia pelas ruas de São Paulo. Observemos a seguinte questão: Até que ponto um programa como esse leva ao cidadão o medo de sair de casa e mantém essa cultura social repressora, banalizando o crime e promovendo atitudes violentas?
Os Justiceiros no Rio de Janeiro
Os justiceiros eram, na verdade, cidadãos que se autointitulavam "de bem”. A partir dessa premissa, eles acreditavam que suas atitudes seriam legitimadas pelo povo. Na época esse debate tomou grandes proporções e, infelizmente, a opinião pública era bastante acirrada: muitos em prol dos justiceiros.
Por ser um assunto tão polêmico, não demorou muito para que fosse tratado na mídia, principalmente nos jornais policiais. O discurso mais famoso foi o da apresentadora Rachel Sheherazade, que apoiou a atitude dos justiceiros.
A tendência em apoiar esse tipo de ação era fortalecida na medida em que as notícias repercutiam nos meios jornalísticos. Em meio à repercussão da notícia do jovem acorrentado, o deputado federal Fernando Francischini (Solidariedade – PR) chamou de "gente de bem" as pessoas que cometem atos de tortura e linchamento contra supostos criminosos.
O sistema não funciona...
A lógica punitiva como solução que permeia todo o pensamento da sociedade brasileira é, em grande parte, reflexo de um sistema de justiça falho. Rildo Marques, coordenador geral do Movimento Nacional de Direitos Humanos, aponta que “uma pesquisa recente da USP revelou que o sistema de justiça no Brasil é composto em 98% por pessoas com origem de classe mais abastada. Só nessa composição já verifica-se que há uma estratificação social, o que impede o diálogo. As próprias decisões só são eficientes nos casos contra os chamados colarinho branco, contra o patrimônio, e não é eficiente em crimes contra a vida. Isso faz a sociedade se afastar do sistema de justiça”.
Assim, é possível afirmar que estes telejornais policiais, ao apoiarem a política de “bandido bom é bandido morto”, estão reforçando uma ideia que provém da cultura repressiva punitiva que habita no Brasil. Esses programas criam e vendem uma narrativa de que todo pobre e negro é criminoso e legitimam as ações dos agentes punitivos do direito penal.
O problema fica claro na fala de Eduardo Pazinato, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: “Temos outra questão: o perfil dos encarcerados no Brasil continua sendo o de pobres, negros e jovens. Evidentemente isso se dá porque o filtro de atuação do sistema penal continua focado nessa distinção social. Nós não temos esse grau de indignação social contra os crimes de colarinho branco, mas temos quando é um simples assalto, principalmente praticado por um jovem negro e pobre. Essa seleção continua sendo fator fundamental de distinção e ao mesmo tempo de embasamento dessa cultura punitiva. Por conta disso, esses jovens acabam sendo os inimigos do direito penal e também os inimigos dessa cultura punitiva”.
Ao reproduzir discursos radicais, os programas policiais pactuam de forma direta com a cultura repressiva, alimentando a sensação de que o indivíduo, na ausência de solução do Estado, deve agir por si e combater o crime.
E se esse pensamento fosse pactuado por todos os brasileiros, qual seria a função do Estado?
Uma possível solução
É notório que o pivô dos problemas de insegurança advém da falta de segurança pública e educação. Porém, o objetivo principal deste texto é fazer críticas aos sistemas paralelos, focando exclusivamente nos Agentes de Comunicação Social no direito penal.
Assim, por que não tentar adaptar medidas eficazes que já foram tomadas por países vizinhos?
Em junho de 2012, quando o Uruguai sofria com o avanço de 70% no número de homicídios, o presidente José Mujica anunciou um pacote de medidas para conter a criminalidade no País. Estudos conduzidos pela equipe do presidente concluíram que era preciso um conjunto de ações que atacasse o tráfico de drogas.
José Mujica, ao anunciar o documento “Estratégia pela vida e convivência”, que continha 15 medidas, ficou mundialmente conhecido, pois em uma delas era informado que o Uruguai era o primeiro país da América do Sul a gerir a produção e distribuição de maconha. Essa alternativa foi um golpe econômico aos narcotraficantes, que dominavam esse setor.
No outro extremo dessa situação, um problema que também preocupava era a ação policial, que reforçava o sentimento de impunidade. Então, entre as medidas tomadas pelo governo, uma delas era aproibição da exibição de programas policiais entre 6h e 22h, pois, segundo o governo, promovem atitudes ou condutas violentas e discriminatórias.
Combate ao problema
A cultura repressiva tem seu primeiro registro no Brasil, segundo o sociólogo José Martins de Souza, em Salvador, na Bahia, no ano de 1585. Na ocasião, Antônio Tamandaré, um índio que liderava um movimento messiânico, foi espancado, estrangulado e teve a língua cortada por inúmeras pessoas, inclusive por outros índios que o seguiam.
Programas policiais que pactuam com a perspectiva “olho por olho, dente por dente” precisam ser regulados, pois é fácil influenciar as pessoas, aproveitando-se do quadro falido do atual sistema judiciário brasileiro.
Regular a exibição de programas policiais não é a única solução, mas uma das soluções necessárias. O Estado deve investir em segurança pública, assim como também deve investir na cultura.
O próprio presidente do Uruguai, José Mujica, alerta sobre a necessidade de experimentar, tomando novas decisões. Ou seja, caso não deem resultados, é só desistir.
Por que não tentar?
Fonte: http://www.grupoddp.com.br/Bandido-bom.php
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