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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O simbolismo do julgamento do Habeas Corpus nº 126.292

A decisão do STF é marcante não somente pelos resultados prático-jurídicos que dela advirão, mas pelo seu potencial simbólico perante uma sociedade iludida por promessas penais.
Ao arrepio da diccção expressa do art. 5º, inciso LVII da Constituição da República, o STF, em sede de julgamento do HC nº 126.292, decidiu pela possibilidade da execução provisória da pena. Isto é, a despeito de remansosa jurisprudência, inclusive, da Egrégia Corte Suprema, os acórdãos confirmatórios de sentenças penais condenatórias passarão a dar ensejo à execução imediata das penas infligidas aos acusados.
O Pleno seguiu o voto do ministro Teori Zavascki, para quem, depois da confirmação de uma condenação por um tribunal de segunda instância, a pena já pode ser executada, "já que a fase de análise de provas e de materialidade se esgota". Ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF, anotou Teori, cabem apenas as discussões de direito.
Os votos condutores do novo entendimento da Corte são coerentes e bem fundamentados. Todavia, descuram em observar categorias basilares do processo penal, importando premissas típicas do processo civil.
 É de sabença elementar que os recursos extraordinário e especial não gozam de efeito suspensivo e nem comportam o revolvimento do acervo fático-probatório, assim como o Habeas Corpus e o Recurso Ordinário Constitucional.
Porém, enquanto houver a possibilidade real de reversão de uma condenação, seja através do reconhecimento de uma causa de nulidade, de ofensas a dispositivos constitucionais e/ou infraconstitucionais (questões de direito) ou por qualquer outro motivo, a admissão da execução antecipada de uma pena, além de traduzir-se num problema de ordem jurídico-formal, em face da violação de dispositivo literal da Constituição, serve de ferramenta de otimização de hipóteses de encarceramento e de estímulo à sanha punitivista que se agiganta em proporções assustadoras.
O ministro Barroso, ao seu turno, asseverou que " a condenação de primeiro grau mantida em apelação inverte a presunção de inocência, sendo esse princípio sinônimo de dois graus de jurisdição e não de trânsito em julgado". Curioso que o próprio ministro, em obra intitulada "Interpretação e Aplicação da Constituição", de sua autoria, aduziu que " as palavras de uma Constituição devem ser tomadas em sua acepção natural e óbvia, evitando-se o indevido alargamento ou restrição de seu significado".
O dispositivo constitucional vilipendiado e suprimido pelo órgão que deveria funcionar como seu precípuo guardião é claro e não comporta divagações:
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
É cediço que toda interpretação jurídica deve partir do texto da norma, da revelação do conteúdo semântico das palavras. Como leciona Karl Larenz, a interpretação gramatical/filológica, enquanto método clássico de interpretação constitucional, consiste na compreensão do sentido possível das palavras, servindo esse sentido como limite do próprio ato intelectivo de interpretação. Nesse diapasão, é de se concluir que o texto da Lei forma o substrato de que deve partir e em que deve repousar o intérprete, sob pena de injustiças e fraudes.
Todavia, assim não procedeu o Supremo no julgamento do HC nº 126.292. Ao revés, utilizando-se de argumentos falaciosos e meramente retóricos, tais como a necessidade de um respaldo da opinião pública e restauração da credibilidade das agências penais, os julgadores restringiram a amplitude do direito constitucional à presunção de inocência, em manifesta violação do postulado cardeal do processo penal de um Estado Democrático de Direito.
Ao tornar letra morta garantia constitucional expressa, o guardião da Lei Maior ignorou solenemente as suas funções contramajoritárias, empunhando uma bandeira punitivista inaugurada com a edição da Lei dos crimes hediondos na década de 90, época que marcou o início de um aumento exponencial dos níveis de encarceramento e de violações de direitos humanos e fundamentais no Brasil.
O combate à famigerada impunidade, a necessidade de restabelecimento da credibilidade das instituições e tutela da ordem pública, fundamentos manejados pelos ministros, são determinantes retórico-políticos que, ao longo da história, deram azo ao surgimento de correntes de política criminal lastreadas em modelos repressivos de amplificação de danos sociais, econômicos e penais.
É o caso do populismo penal, tão bem estudado por Loïc Wacquant e John Pratt, que perceberam esse movimento como um resultado inexorável da expansão do neoliberalismo, da criminologia midiática e da derrocada do welfare state , naquilo que Bourdieu denominou de "a mão esquerda do Estado".
A grande mídia, que já estampa nas capas de suas matérias sensacionalistas a suposta "vitória" decorrente do julgamento, também exerce papel de significativa importância no incremento de uma política criminal beligerante que aposta, peremptoriamente, no punitivismo e nas restrições aos direitos fundamentais. O poder comunicacional das grandes corporações mais interessadas na preservação de seus interesses econômicos, em matéria penal, tem funcionado como verdadeiro fator de transformação e de direcionamento autoritário da atuação das agências penais, em todos os seus níveis.
A decisão do STF é marcante não somente pelos resultados prático-jurídicos que dela advirão, mas pelo seu potencial simbólico perante uma sociedade iludida por promessas penais.


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Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)

GUERRA, João Pedro de Moura Dourado. Execução da pena após segunda instância: o simbolismo do HC nº 126.292Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21n. 462125 fev. 2016. Disponível em: . Acesso em: 28 fev. 2016.

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