Luis Flavio Sapori
Doutor em sociologia, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Jésus Trindade Barreto Júnior
Delegado de Polícia Civil, ex-presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
A crise política que assola o país não está impactando apenas a performance pífia da economia. As políticas públicas de maneira geral estão sendo duramente afetadas, tanto pela falta de recursos quanto pela inanição decisória. Esse último aspecto, inclusive, explica em boa medida a inexistência de uma política nacional de segurança pública. A saúde vai muito mal, é fato, mas pelo menos o setor dispõe de estruturas institucionais, programas e projetos que viabilizam ações articuladas e contínuas entre União, estados e municípios. A segurança pública, por sua vez, permanece numa ‘deriva institucional’, com governos estaduais perdidos, governos municipais limitados e governo federal omisso.
Nos últimos cinco anos, a gestão estadual da segurança pública tem se caracterizado por nítidos retrocessos. Estados que eram referências na implementação de políticas públicas de sucesso na redução da criminalidade, em especial Minas Gerais e Pernambuco, vivenciam o recrudescimento da violência contra a pessoa e contra o patrimônio devido à descontinuidade de gestão dessas políticas.
São Paulo e Rio de Janeiro conseguiram resultados relevantes na contenção de homicídios, mas ainda esbarram na violência desmesurada de suas polícias. No Nordeste e Norte do país, os sinais são desoladores. Em alguns casos, a saber, Maranhão e Rio Grande do Norte, a desestruturação do aparato policial e prisional é tão grave que beira a calamidade pública.
Com exceção do Ceará e de Alagoas, os demais estados não foram capazes até o momento de implementar ações estratégicas consistentes de controle da criminalidade. Permanecem gerenciando crises. O mesmo se aplica aos estados do Centro-Oeste e Sul do Brasil. O Rio Grande do Sul, inclusive, está sofrendo a mais grave crise de segurança pública em sua história recente.
No que diz respeito aos municípios, a maioria absoluta dos prefeitos prefere não assumir o compromisso político com o controle da criminalidade. Garantem o custeio e a manutenção das estruturas policiais e judiciais em suas cidades, mas não se dispõem a implementar políticas locais de segurança pública. A despeito disso, as guardas municipais estão em processo de empoderamento institucional, especialmente a partir da Lei 13.022, de 2014, que lhes conferiu atribuições adicionais no controle da criminalidade. Esse dado é positivo.
E o governo federal? Mantém postura típica daquele que se restringe a contemplar esse cenário desolador, com intervenções pontuais. Essa é a principal característica do governo Dilma Rousseff na questão da segurança pública. É preciso reconhecer que o ministro da Justiça e a secretária nacional de Segurança Pública não ficaram inertes nesse período. Ações específicas foram adotadas, com destaque para o programa Brasil mais seguro, alcançando bons resultados em Alagoas. Mas não foi além disso.
Desde o segundo governo FHC, passando pelos dois governos Lula, a formulação e implementação de planos nacionais de controle da violência tornaram-se iniciativas fundamentais para o balizamento das ações estaduais e municipais. Entretanto, a presidente Dilma insiste em se omitir dessa responsabilidade, interrompendo uma vocação que se mostrava virtuosa na pauta de incremento das políticas públicas.
O Pacto Nacional pela Redução de Homicídios, anunciado pelo Ministério da Justiça no encerramento do encontro anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em junho de 2015, não vicejou. Enquanto isso, o país segue convivendo com a desesperadora conta de quase 60 mil homicídios e mais de 2 milhões de assaltos por ano.
O redimensionamento institucional das competências dos entes federados e poderes constituídos, de forma a sincronizar ações, racionalizando gastos, é condição para um caminho de efetivo enfrentamento da violência e da criminalidade, que atinge sobretudo grupos vulneráveis, mas, na essência, afeta todo o processo de sociabilidade da nação.
Fonte: Estado de Minas - MG (03/02/2016)
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