Por Ophir Cavalcante Júnior
Este texto sobre a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil faz parte da Retrospectiva 2010, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.
Uma daquelas lições que a história nos passa só de vez em quando — e a intervalos que bem poderiam ser menores — ocorreu nos primeiros meses de 2010, dezoito anos depois do impeachment de um presidente da República. Desta vez, um governador de estado, (no caso, do Distrito Federal), acusado de corrupção, era recolhido à cadeia.
Marcante, emblemático em todos os sentidos, o episódio representou também o preâmbulo de um movimento que desde o ano anterior crescera na forma de debates, protestos e abaixo-assinados, tomou corpo e estabeleceu uma nova diretriz na interminável luta pela ética na política. A Lei da Ficha Limpa — aprovada na Câmara a 5 de maio; no Senado, catorze dias depois; e sancionada pelo presidente da República a 4 de junho como Lei Complementar 135 — incorporou-se de tal forma ao ordenamento jurídico eleitoral que mudou o desenho das eleições realizadas em outubro.
Não importa a polêmica travada dentro e fora dos tribunais sobre a imediata aplicação da lei: um importante passo em direção ao aperfeiçoamento das instituições foi dado. Aprendemos que o primado da ética na política só irá prevalecer quando toda a sociedade, de mãos dadas, assim o exigir. E que só dessa forma faremos com que os valores da ética e da moralidade, da transparência e da verdade integrem o vocabulário dos poderes constituídos.
Mesmo assim, devemos reconhecer que ainda estamos longe de uma política de “cara limpa” enquanto o Congresso não se dispuser a promover a mais adiada de todas as reformas: a reforma política. Sendo também o ano em que foram comemorados os 80 anos de existência da OAB, juristas, especialistas e a classe política foram convidadas a iniciar um debate profundo sobre esse tema.
O desafio foi lançado: recolocar a reforma política no centro do debate nacional, convocando a sociedade a levantar esta bandeira como uma prioridade para firmar a posição do Brasil no cenário das grandes nações democráticas.
Não basta termos eleições a cada dois anos. Por trás dos festejos de cada nova eleição esconde-se uma crise de credibilidade. E o que é mais preocupante: até onde interessa à classe política mudanças que lhe retirem o comando das eleições?
A prática eleitoral ainda é estigmatizada pelo famigerado caixa dois, cuja conta costuma ser cobrada depois das eleições em superfaturamento de obras, desviando recursos que fazem falta à educação, saúde e segurança. Outra prática condenável é a troca de favores e empregos para abrigar, em cargo comissionados, cabos eleitorais e integrantes de partidos, aumentando sobremaneira os gastos públicos.
A reforma política depende de mudanças radicais. Se tivesse sido aprovada a cláusula de barreiras nas eleições de 2006, somente sete partidos teriam sobrevivido, o que ajudaria a reduzir o número de agremiações que hoje têm dono e funcionam muito como legendas de aluguel. Porque, hoje, ter um pequeno partido é um grande negócio, com dinheiro garantido pelo Fundo Partidário — mais de R$ 1 milhão por ano para os partidos menores.
De outro lado, acabar com os partidos de aluguel seria decretar, igualmente, o fim de pequenos partidos que muito contribuíram à democratização do Brasil. É uma encruzilhada, mas não podemos fugir dela. Daí porque entre os que estudam o tema da reforma política o pessimismo é grande. Políticos, principalmente os profissionais, não têm o menor interesse em mudar o atual sistema, que lhes parece bem confortável por garantir a eleição baseada em currais de votos conquistados mais à base de favores do que de interesse de uma determinada comunidade.
Alguns acreditam que ela só ocorreria diante de um cataclismo ético e político, que naturalmente leva a uma mobilização nacional. Sendo por uma causa ética, não devemos temer, portanto. Democracia é assim mesmo: ruidosa. Seja como for, a reforma política ou é conduzida pela sociedade, com o apoio da imprensa, ou não sai; será para sempre uma pálida anotação à margem da pauta nacional.
Enfim, na esteira dos grandes debates que não se esgotaram em 2010 está a própria liberdade de expressão, condição básica para o funcionamento do Estado democrático de Direito. Uma série de iniciativas legislativas objetivando a criação de Conselhos estaduais de Comunicação para monitorar e fiscalizar a imprensa podem não ser casuais, e talvez por isso tenha chamado tanta atenção nos últimos dias.
Não por menos, a OAB vem adotando um posicionamento crítico diante dessa questão. Além das várias lacunas legais identificadas nas propostas de um possível "controle", há que se levar em conta o que pensa o cidadão anônimo sobre o tema — afinal, a liberdade de expressão pertence à Cidadania, não ao Estado.
Por tudo isso, 2011 promete.
Postado: administrador do blog
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada