A defesa do sigilo eterno pelo governo trata-se de um retrocesso no processo de abertura de informações pelo qual o país vinha passando depois da redemocratização, avaliam especialistas.
A reportagem é de Ana Paula Grabois e Luiz Felipe Marques e publicada pelo jornal Valor, 17-06-2011.
Em ranking elaborado pelo Centro Knight para o Jornalismo das Américas, o Brasil é um dos mais atrasados no tema. Entre nove nações da América Latina, muitas das quais passaram igualmente por ditaduras, o Brasil só está em situação melhor que Paraguai e Venezuela.
A historiadora da Universidade de Brasília (UnB) Albene Menezes, diz que todos os países trabalham com normas de restrições e prazos para a divulgação de documentos secretos, em alguns casos se baseando em princípios definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
"Mas a ideia de documentos que se mantenham secretos para a eternidade é um absurdo. Ainda mais quando apoiada por pessoas que poderiam proteger passagens de seus próprios governos", diz. Além disso, afirma, países que buscam regulamentar a questão, geralmente, avançam na abertura dos documentos e não o contrário, como ocorre agora.
Para a historiadora, o problema não se restringe a questões da ditadura, mas também a episódios como a Guerra do Paraguai, como afirmaram os ex-presidentes e senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL). Os documentos poderiam envolver questões com o Paraguai, que perdeu parte de seu território com a guerra. A historiadora, contudo, defende que o país não deveria "esconder a sua história, mas resolvê-la".
Albene cita a Alemanha como um país que resolveu bem a questão do sigilo. Depois da reunificação alemã, o país abriu o acesso a arquivos do governo, em paralelo à legislação. Na América Latina, a Argentina, o Chile e o Uruguai também liberaram a consulta a documentos, o que ocorreu por meio de decretos ou legislações específicas para a questão.
O historiador Francisco Doratioto (UnB), autor do livro Maldita Guerra, sobre a Guerra do Paraguai, afirma que "soa muito estranho guardar documentos". "Numa sociedade democrática, a transparência dos atos públicos é uma das características", afirma. Ele até entende a preocupação d o ex-presidente José Sarney e Fernando Collor por conta de questões da delimitação das fronteiras, mas acredita que pouca novidade deve haver nesses arquivos denominados ultrassecretos.
Durante a pesquisa do livro, em 1998, um arquivo da Guerra do Paraguai foi aberto. Nada havia de inédito no material. "O conteúdo era absolutamente risível. Quase tudo que estava guardado ali tinha sido publicado no século XIX", conta o historiador. Doratioto questiona se a documentação em xeque atualmente seja tão delicada a ponto de criar problemas ao processo de integração da América do Sul e sugere a criação de uma comissão de especialistas para avaliar o conteúdo.
"A pergunta é se essa documentação tida como confidencial sobre o Acre ou o Paraguai é inédita. Sabemos muita coisa, como se deu, sabemos que Acre era reconhecido como boliviano pelo Estado brasileiro", afirma. "Eventualmente o que o senador Sarney tenha considerado que era uma informação exclusiva talvez não seja mais", completa.
Já o ex-ministro das Relações Exteriores de FHC Celso Lafer e atual presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) diz ver sentido apenas no sigilo de negociações em andamento. Passados alguns anos, defende a abertura das informações.
Lafer não vê dificuldades ao governo brasileiro se o sigilo das informações for quebrado. "Acho até contraproducente", diz, sob o argumento de que o sigilo eterno pode gerar desconfiança nos outros países com quem o Brasil tenta fomentar integração. Sobre o posicionamento dos ex-presidentes Sarney e Collor, o ex-ministro Lafer afirma não ter "nenhuma explicação sobre o assunto".
Na análise do coordenador do Fórum de Direito de Acesso à Informação Pública, Fernando Oliveira Paulino, também professor da UnB, sem uma legislação específica e condizente com a de outros países desenvolvidos, o Brasil fica "atrasado e com um déficit em memória e história com sua própria população".
A falta de legislação também poderia ser um empecilho para futuros investimentos estrangeiros no Brasil, visto que não apenas documentos já publicados estariam cobertos por uma eventual lei, mas também decisões de governos atualmente no poder. Paulino cita o México como um país que desenvolveu bem a questão de acesso a informações econômicas.
A reportagem é de Ana Paula Grabois e Luiz Felipe Marques e publicada pelo jornal Valor, 17-06-2011.
Em ranking elaborado pelo Centro Knight para o Jornalismo das Américas, o Brasil é um dos mais atrasados no tema. Entre nove nações da América Latina, muitas das quais passaram igualmente por ditaduras, o Brasil só está em situação melhor que Paraguai e Venezuela.
A historiadora da Universidade de Brasília (UnB) Albene Menezes, diz que todos os países trabalham com normas de restrições e prazos para a divulgação de documentos secretos, em alguns casos se baseando em princípios definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
"Mas a ideia de documentos que se mantenham secretos para a eternidade é um absurdo. Ainda mais quando apoiada por pessoas que poderiam proteger passagens de seus próprios governos", diz. Além disso, afirma, países que buscam regulamentar a questão, geralmente, avançam na abertura dos documentos e não o contrário, como ocorre agora.
Para a historiadora, o problema não se restringe a questões da ditadura, mas também a episódios como a Guerra do Paraguai, como afirmaram os ex-presidentes e senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL). Os documentos poderiam envolver questões com o Paraguai, que perdeu parte de seu território com a guerra. A historiadora, contudo, defende que o país não deveria "esconder a sua história, mas resolvê-la".
Albene cita a Alemanha como um país que resolveu bem a questão do sigilo. Depois da reunificação alemã, o país abriu o acesso a arquivos do governo, em paralelo à legislação. Na América Latina, a Argentina, o Chile e o Uruguai também liberaram a consulta a documentos, o que ocorreu por meio de decretos ou legislações específicas para a questão.
O historiador Francisco Doratioto (UnB), autor do livro Maldita Guerra, sobre a Guerra do Paraguai, afirma que "soa muito estranho guardar documentos". "Numa sociedade democrática, a transparência dos atos públicos é uma das características", afirma. Ele até entende a preocupação d o ex-presidente José Sarney e Fernando Collor por conta de questões da delimitação das fronteiras, mas acredita que pouca novidade deve haver nesses arquivos denominados ultrassecretos.
Durante a pesquisa do livro, em 1998, um arquivo da Guerra do Paraguai foi aberto. Nada havia de inédito no material. "O conteúdo era absolutamente risível. Quase tudo que estava guardado ali tinha sido publicado no século XIX", conta o historiador. Doratioto questiona se a documentação em xeque atualmente seja tão delicada a ponto de criar problemas ao processo de integração da América do Sul e sugere a criação de uma comissão de especialistas para avaliar o conteúdo.
"A pergunta é se essa documentação tida como confidencial sobre o Acre ou o Paraguai é inédita. Sabemos muita coisa, como se deu, sabemos que Acre era reconhecido como boliviano pelo Estado brasileiro", afirma. "Eventualmente o que o senador Sarney tenha considerado que era uma informação exclusiva talvez não seja mais", completa.
Já o ex-ministro das Relações Exteriores de FHC Celso Lafer e atual presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) diz ver sentido apenas no sigilo de negociações em andamento. Passados alguns anos, defende a abertura das informações.
Lafer não vê dificuldades ao governo brasileiro se o sigilo das informações for quebrado. "Acho até contraproducente", diz, sob o argumento de que o sigilo eterno pode gerar desconfiança nos outros países com quem o Brasil tenta fomentar integração. Sobre o posicionamento dos ex-presidentes Sarney e Collor, o ex-ministro Lafer afirma não ter "nenhuma explicação sobre o assunto".
Na análise do coordenador do Fórum de Direito de Acesso à Informação Pública, Fernando Oliveira Paulino, também professor da UnB, sem uma legislação específica e condizente com a de outros países desenvolvidos, o Brasil fica "atrasado e com um déficit em memória e história com sua própria população".
A falta de legislação também poderia ser um empecilho para futuros investimentos estrangeiros no Brasil, visto que não apenas documentos já publicados estariam cobertos por uma eventual lei, mas também decisões de governos atualmente no poder. Paulino cita o México como um país que desenvolveu bem a questão de acesso a informações econômicas.
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