** O bullying, objeto de recentes discussões diante da tragédia ocorrida no Realengo (Rio de Janeiro, 7 de abril de 2011), é conceito usado para definir o desejo (e a ação) consciente e deliberado de maltratar outra pessoa; o termo abrange comportamentos agressivos e antissociais, principalmente no que tange à violência escolar (Cleo Fante, citado por Lélio Braga in Portal LFG).
Em junho de 2010, comentamos decisão de primeira instância de Belo Horizonte que condenava um estudante de 7ª série a indenizar sua colega de classe em R$ 8 mil pela prática do bullying.
Ocupamo-nos novamente do assunto, desta vez para questionar a responsabilidade da escola na prática do bullying.
De acordo com a Constituição Federal (artigo 227), é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente os direitos essenciais ao seu bom desenvolvimento e colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O dispositivo foi reproduzido pelo ECA (artigos 4º e 5º), diploma legal que regulamentou a norma constitucional.
O bullying retrata hipótese em que ambos os envolvidos devem ser objeto de atitudes da família, da sociedade e do Estado. Isso porque, de acordo com os estudos, aquele que pratica o bullying de alguma forma está sofrendo pela deficitária atuação familiar. Por outro lado, a vítima do bullying pode sofrer irreparáveis danos psíquicos (a exemplo do que, provavelmente, aconteceu com Wellington Menezes de Oliveira, o causador da tragédia no Rio de Janeiro).
Tomando-se em conta a orientação constitucional de que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente os direitos essenciais ao seu bom desenvolvimento, questiona-se qual seria a responsabilidade do Estado aqui representado pela escola.
Uma pesquisa jurisprudencial aponta para uma leve tendência em se afirmar que a responsabilidade da escola diante da prática do bullying é objetiva. Vejamos.
A responsabilidade no âmbito civil é espécie de responsabilidade jurídica e deriva da transgressão de uma norma civil pré-existente, com a consequente imposição, ao causador do dano, do dever de indenizar: Código Civil: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Esta responsabilidade civil pode ser: a) objetiva (baseada no risco), b) subjetiva (baseada na culpa), c) contratual e d) aquiliana (ou extracontratual). Basicamente, a responsabilidade civil subjetiva exige a comprovação (além dos elementos caracterizadores da responsabilidade que são a conduta humana, o nexo de causalidade e o dano ou prejuízo), a comprovação da culpa.
A responsabilidade objetiva, por outro lado, baseia-se na teoria do risco. Para facilitar a compreensão do assunto no tema em questão, transcrevemos trecho da conclusão do RE 109.615/RJ, relatado pelo ministro Celso de Mello, que versa sobre um acidente com um aluno (mas que poderia eventualmente iluminar a questão aqui discutida): "o Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno".
Aqui se constata a teoria do risco, ou seja, a parte assume o dever de evitar a lesão, logo, na sua ocorrência ela deve ser indenizada, independente da constatação da culpa.
Neste sentido, encontramos nos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e do Distrito Federal decisões condenando escolas a indenizar as vítimas de bullying:
No Acórdão de número 317.276, julgado em 9 de julho de 2008, pela 2ª Turma Cível do TJ-DF, o relator Waldir Leôncio Lopes Júnior, concluiu haver responsabilidade objetiva da escola, diante da ocorrência de danos morais por abalos psicológicos decorrentes de violência escolar. Em suas palavras: “é certo que tais agressões, por si só, configuram dano moral cuja responsabilidade de indenização seria do colégio em razão de sua responsabilidade objetiva”.
No julgamento proferido pelo tribunal carioca (Apelação 0003372-37.2005.8.19.0208, julgado em 2 de fevereiro de 2011, pela 13ª Câmara Cível e relatada pelo desembargador Ademir Pimentel), a conclusão foi a mesma: havendo falha na prestação de serviço por estabelecimento de ensino, a responsabilidade é objetiva diante do reconhecimento de dano moral advindo da prática de bullying. Neste julgamento em específico, o estabelecimento educacional era prestador de serviço, incidindo na espécie normas do Código de Defesa do Consumidor (“Trata-se de relação de consumo e a responsabilidade da ré, como prestadora de serviços educacionais é objetiva, bastando a simples comprovação do nexo causal e do dano”).
A jurisprudência está se inclinando para a responsabilização objetiva (pura e simples) das escolas. Pensamos que o tema deva ser melhor equacionado, tudo dependendo do que a escola tem feito em termos de programas preventivos da prática do bullying. Esse é um dado que não poderia ser ignorado (de acordo com nossa opinião).
** Colaborou Áurea Maria Ferraz de Sousa, advogada pós-graduada em Direito Constitucional, Direito Penal e Processual Penal, e pesquisadora.
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