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terça-feira, 21 de junho de 2011

Uma nova classe média sem religião?

Na visão de Jorge Claudio Ribeiro, a ascensão econômica e cultural dos brasileiros vai gerar uma nova postura frente às religiões

Por: Graziela Wolfart

Na tentativa de conceituar o que seria a chamada “nova classe média”, o professor Jorge Cláudio Ribeiro, da PUC-SP, percebe que este novo extrato social está se restringindo a fatores ainda referentes à situação anterior. Tem mais renda, mas continua “espiritualmente” o mesmo, podendo fazer mais do que já fazia antes. “O mundo dessas pessoas ainda é pequeno, restrito às preocupações mais imediatas. Por isso, ela é politicamente conservadora, porque não pretende muitas rupturas. É religiosamente também conservadora, no sentido de que ainda mantém os laços religiosos provindos, na sua maioria, de igrejas evangélicas”. Na entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Jorge Cláudio Ribeiro entende que a Igreja Católica está se sentindo pressionada pela perda de seus fiéis. Sua hipótese é de que as pessoas que recentemente ascenderam para a classe média manterão uma referência religiosa, mas se tornarão pessoas sem religião, “entrando naquele rol dos que são crentes, mas não dentro do catequicismo religioso que aprenderam”.
Graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira, e em Jornalismo pela Universidade de São Paulo, Jorge Cláudio Noel Ribeiro Júnior é mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. Fez pós-doutorado em Sociologia das Religiões na École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, na Unicamp e na Columbia University de Nova York. É professor livre-docente em Ciências da Religião e professor titular na PUC-SP, onde leciona desde 1976. É autor de vários livros, dentre eles, Sempre Alerta: condições e contradições do trabalho jornalístico (São Paulo: Brasiliense/Olho D’Água, 1994); e Religiosidade Jovem (São Paulo: Loyola e Olho d'Água, 2009). Recentemente concluiu no Instituto São Paulo de Estudos Superiores (Itesp) os créditos de graduação em Teologia iniciados na PUC-Rio. No momento desenvolve mestrado em Teologia no Itesp.
Confira a entrevista.IHU On-Line - Em primeiro lugar, como poderíamos definir o que seria a chamada “nova classe média”? Quais seus valores?
Jorge Cláudio Ribeiro – O conceito de classe média não se resume ao nível de renda, simplesmente. Nesse sentido, seria “forçar a barra” chamar esse contingente expressivo – são 30 milhões de pessoas – de classe média, usando apenas o critério da renda. E as classes sociais se definem por outros critérios, como a sua forma de ver o mundo, sua cosmovisão, sua atitude perante a vida, suas memórias, sua história. E esses são fatores um pouco mais qualitativos, que não foram pesquisados. Essa chamada “nova classe média” é nova, mas não é média, pelo menos do jeito como conhecíamos a classe média convencional, que desenvolvia e estimulava o esforço pessoal, que tinha um mundo amplo, tinha escolaridade tradicional na família. A “nova classe média” parece que está se restringindo, por enquanto, a fatores ainda referentes à situação anterior. Ela tem mais renda, mas continua “espiritualmente” a mesma. Pode fazer mais o que já fazia antes. Não houve ainda uma ruptura muito pronunciada. São pessoas que fizeram um esforço pessoal gigantesco, e que valorizam as realidades mais próximas de si. O mundo dessas pessoas ainda é pequeno, restrito à família, ao bairro, às suas preocupações mais imediatas. Por isso, ela é politicamente conservadora, porque não pretende muitas rupturas. Ela pretende que a sociedade e o Estado lhe deem mais daquilo que já tem, mas não realidades, propostas e possibilidades diferentes. É religiosamente também conservadora, no sentido de que ainda mantém os laços religiosos provindos, na sua maioria, de igrejas evangélicas. Por isso mesmo são conservadoras também. Vejo isso em alguns alunos meus. Muitos são o primeiro universitário da família. Escolhem a faculdade de grife, mas que não seja muito cara, um curso não muito exigente, mas aquele que foi possível entrar. Muitos não se envolvem com o ambiente universitário, mas querem ter o diploma. Ainda não viram muita efetividade em uma escolaridade maior. Interessante é que muitos não têm ainda segurança nessa nova posição. Estão endividados, não têm perspectiva de futuro muito clara, e os laços anteriores, que são sua rede de sustentação, se mantêm. Essa rede é representada pelos hábitos, pela cultura, pela religião e pelos relacionamentos comunitários do seu bairro.IHU On-Line - Como o senhor entende a proposta de aproximar a Igreja da “nova classe média”?
Jorge Cláudio Ribeiro – A Igreja Católica está se sentindo pressionada. Ela está reconhecendo uma situação, que não é de agora, ao perceber cotidianamente a perda de seus fiéis. E não é uma perda geral, mas de fiéis “com cara”, pessoas que têm uma convivência e que, aos poucos, vão abandonando sua paróquia, só vão de vez em quando. Isso dá, para a própria Igreja, uma sensação de serviço que não está sendo adequado ou bem feito. Para a hierarquia dá uma sensação de tristeza, de falta de sentido para o que está se fazendo. As estatísticas religiosas mostram um contínuo declínio que, de certa forma, foge ao controle da Igreja. Ou seja, é fruto de um movimento histórico, cultural que, a meu ver, é muito mais amplo do que uma pastoral mais ou menos bem feita, com mais ou menos padres cantores, mais ou menos beatos, ou santos, ou milagres. Isso já faz parte do repertório habitual de práticas pastorais das igrejas em geral. O que está acontecendo é que uma realidade que já vem de alguns séculos, está se impondo graças à ciência, à economia. Hoje, não é necessariamente à religião que se apela primeiramente diante de um problema. Apela-se para outras instâncias. A religião perdeu o prestigio que tinha, perdeu a autoridade de ensinamento que antes possuía. E isso resultou na perda de fiéis, mas não o contrário. Provavelmente, não há muito que fazer com respeito à “nova classe média” que já tinha saído do catolicismo. Muito dificilmente a pessoa que já passou por duas religiões volta para a primeira. A “nova classe média” ainda mantém os laços anteriores, mas certamente esse processo de mudança de estado de vida, de situação, de maior confiança nas próprias possibilidades, pode gerar uma nova atitude religiosa. Se isso acontecer, muito provavelmente elas irão para uma terceira religião. Quando a pessoa muda de estado de vida ela “desencana” do tema religião. Uma das coisas que consolida a pessoa na “nova classe média” é a escolaridade e muito provavelmente a entrada na universidade. Com o tempo, essa “nova classe média” vai buscar formas de escolaridade mais sofisticadas. Com isso, vai gerar uma nova postura frente às religiões. Na prática, a pessoa vai ver que o pastor dela fala errado, e fala coisas que entram em choque com o que aprendeu na escola. Então, surgem necessidades novas que a religião nem sequer percebe. Minha hipótese é que essas pessoas manterão uma referência religiosa, aos poucos frequentarão menos a sua religião, e se tornarão pessoas sem religião, entrando naquele rol dos que são crentes, mas não dentro do “catequicismo” religioso que aprenderam. Eu pessoalmente acho isso bom, mas sou um pouco secularizado. Pode ser que não seja bom, que as pessoas percam suas raízes. Há essa possibilidade de que as pessoas enlouqueçam, entrem nas drogas. Mas acho que não é desse jeito que funciona. IHU On-Line - Quais os anseios dos jovens de classe média hoje que poderiam ser atendidos pelo âmbito religioso?
Jorge Cláudio Ribeiro – Meus alunos são de uma universidade particular, razoavelmente cara, tradicional, e eles não são “nova classe média”. Pelo contrário, são tipicamente classe média. E pela minha pesquisa, que se desenvolveu na PUC-SP, o que percebemos é que entre as questões que mais interessam aos jovens na faixa de 17, 18 anos, é, primeiro, a família; segundo, os amigos; terceiro, o ingresso na universidade; em penúltimo lugar a política, e em último lugar as religiões. A questão que eles dão menos importância é que a religião deles é a única verdadeira, o que significa que, para eles, há outras fontes de verdade que não só a religião e não só a religião dele ou dela. Pode ser que esses meus alunos de classe média consolidada mostrem uma tendência do futuro perfil espiritual e religioso da “nova classe média”. Mas isso é questionável. Outra coisa interessante é que a maioria das pessoas dessa “nova classe média” é de mulheres. As mulheres, por uma série de fatores históricos, psicológicos, têm uma abertura maior para os aspectos religiosos. Pode ser que ainda se mantenha, em grande parte, o teor religioso, mas não necessariamente formal, convencional, mas uma forma de religiosidade mais livre, graças às mulheres das novas classes médias que estão surgindo.IHU On-Line - O senhor acredita que a ascensão social de milhares de brasileiros enfraquecerá as religiões neopentecostais?
Jorge Cláudio Ribeiro – Sim, porque essas religiões deveram seu sucesso a uma pauta de prosperidade, de religião individualizada, ligada ao pequeno grupo. Na medida em que a pessoa, até graças à religião, atinja esse patamar, ela vai querer mais da vida, terá mais exigências de tipo ético, litúrgico, buscará algo mais racional do que simplesmente acreditar no seu líder, seu pastor ou padre. O novo mundo vai se alargar, com acesso a viagens, ao consumo, e isso trará questões para as quais a religião anterior não estava aparelhada. IHU On-Line - Como conciliar, no mesmo discurso, os preceitos da Igreja e a valorização do consumo?
Jorge Cláudio Ribeiro - Não sei. Não sou bispo! Embora a Igreja Católica tenha um nível de consumo altíssimo, já que a Igreja é muito rica, ela faz outro tipo de consumo. O Vaticano e as congregações religiosas não têm um consumo de tipo individual, ostentatório, mas têm uma riqueza inegável. Ninguém reúne um bilhão de pessoas sem ter que gastar ou investir muito dinheiro para isso. Talvez a Igreja Católica quis estar nesse ambiente de consumo, mas a médio e longo prazo, e não a curto prazo que, no fundo, é algo meio suicida, meio burro, e aqui falo como alguém da classe média antiga. A acumulação de cultura - e a Igreja Católica tem uma competência antiga na área da educação - poderia abrir para um tipo de ensino que é de boa qualidade, mas voltado para as classes populares ou classes médias, que teriam interesse. A pessoa consome de forma ostentatória porque só vê isso. Se ela, porém, tiver outras oportunidades ou o ensino que não seja convencional, ela poderá mudar de postura. E a Igreja Católica terá o que oferecer para a sociedade. Por outro lado, os jornalistas cuja especialidade é a Igreja Católica têm que desencanar um pouco da ideia de que a Igreja está perdendo fiéis.IHU On-Line - Qual deve ser o papel da comunicação e do jornalismo nesse debate?
Jorge Cláudio Ribeiro - Os jornalistas deveriam se informar mais. Tradicionalmente, o jornalismo, como classe profissional dotada de certa cultura, é cético. A obrigação dele é ser cético, é duvidar, perguntar, não pode se restringir ao papel de “moleque de recados”. O jornalista não transmite simplesmente, ele tem que questionar. Esse ethos cético impacta com o ethos crente das religiões. Então, os jornalistas não gostam muito das religiões. Mas não têm que gostar ou desgostar. Trata-se de uma realidade social, que deve ser levada em conta. Há um alto índice de pessoas que se dizem ateias no curso de jornalismo, mas pelo menos tinham que ter um respeito maior e isso implica conhecimento. Muitas vezes sou entrevistado e o jornalista não tem preparo nenhum nessa área. É preciso buscar as raízes profundas do tema. Os jornalistas precisavam ser como os médicos, ter estudo permanente e o material com que eles trabalham no seu cotidiano nem sempre permite esse aprofundamento, porque num dia ele está fazendo uma coisa e no outro dia está fazendo outra. É saudável que o jornalista não acredite em tudo, não seja uma pessoa crente como profissional – como pessoa ele faz o que quiser. Mas tem que ser uma pessoa questionadora, com dúvidas bem fundamentadas por estudo e conhecimento.


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