Direito & Mídia
Três temas me vêm à memória neste momento, ao iniciar um comentário sobre o projeto de lei do ativo deputado Sandro Mabel (PR-GO) tipificando o crime de violação de sigilo investigatório.
O primeiro é que somos o país dos bachareis e, embora o deputado Mabel seja formado em administração de empresas e marketing, exerce com fecundidade seu múnus legislador, com quase um milhar de propostas de emendas, projetos de lei e medidas provisórias (suponho que seja esse o significado do MPV, uma das tantas siglas não esclarecidas do portal da Câmara dos Deputados) em suas quatro legislaturas. Há um animus legislandi notável em nosso Congresso. Como se criar leis alterasse a nossa paisagem, que ainda tem dívidas herdadas do século XIX, como a educação e o saneamento básico, para não ir mais longe.
O segundo pensamento ou lampejo foi sobre aquela história do rei que manda matar o emissário, por causa da má notícia de que era o portador. Como dizia o título de um belo livro dos anos 1990, escrito pelo jornalista francês Yves Mamou: “A culpa é da imprensa”. Ao apontar as feridas, ela pode estar provocando danos morais a pobres bicheiros, delegados em busca de fama e políticos corruptos que se escondem na imunidade parlamentar.
E o terceiro tema é um filmete que circula na internet, com um trecho do programa Bom Dia Brasil, da TV Globo. Esse filmete traz a informação comparativa de quanto custa ao ano para os cofres públicos um legislador: R$ 33 milhões de reais um senador, R$ 7 milhões um deputado federal (não especifica se estão incluídos os 14º e 15º salários), R$ 6 milhões um vereador de São Paulo ou Rio. Na França, o custo de um parlamentar é de R$ 2,8 milhões anuais contra R$ 859 mil na Espanha.
Após essa pequena escalada, vamos ao comentário sobre o projeto de lei.
O deputado Sandro Antonio Scodro, que trocou o sobrenome familiar pelo da marca de biscoitos que foi propriedade de sua família, está carregado de boas intenções (aliás, sua ficha no site da Câmara dá conta de um deputado com alto nível de participação de votações e sessões legislativas, com uma média de quatro discursos mensais e centenas de propostas e projetos de lei anuais).
Mabel pretende proteger pessoas sob investigação, impedindo que a informações não confirmadas ou suspeitas se convertam em acusações precipitadas. Para isso, propõe a punição a jornalistas que publicarem informações que estiverem sob sigilo investigatório, nas fases pré-processuais. De fato, nos últimos anos assistimos a alguns casos deploráveis, de políticos ou educadores, médicos ou banqueiros linchados em praça pública por atos que depois se revelaram lícitos ou infundados (embora se pudesse discutir as diferenças entre lícito e moralmente legal, algo que não cabe aqui).
A imprensa, na busca pelo sensacionalismo que vende periódicos ou aumenta os índices de audiência, faz lembrar o carcará, aquele que pega, mata e come. A fome pelo espetáculo é cruel. Outro fator cruel é a busca pelo “furo”, ser o primeiro a noticiar um fato, sem usar o tempo para checar a seriedade da informação. Para não ir mais longe, lembro o caso daquela advogada brasileira grávida, atacada e ferida com estiletes por grupo neonazista em Zurich. Meio como a Luísa que veio do Canadá, ela se converteu em tema nacional, com o presidente Lula se manifestando contra a xenofobia suíça. Um jornal português comprou a causa e desandou desaforos contra os pacatos suíços, levantando casos recentes de migrantes portugueses vítimas da animosidade suíça. Haja chocolate. (Todos sabem no que deu esse furo do jornalista Ricardo Noblat em seu blog).
Mas a questão do sigilo da informação é mesmo polêmica e há razões para todos os lados. O ministro Ayres Britto, por exemplo, entende que se o jornalista sabe de algo que está sob segredo de Justiça, e esse algo tem interesse público, não só pode como tem a obrigação de revelar o que sabe. Afinal, a missão do jornalista é informar. E para isso o jornalista deve ter livre acesso, como reza a Constituição no parágrafo 1º do artigo 220, reforçando ainda mais a proteção da liberdade de imprensa: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. O mesmo Ayres Brito, no episódio das marchas pela discussão da liberação da maconha, declarou que “Nenhuma lei pode se blindar contra a discussão de seu conteúdo, nem a Constituição está livre de questionamento”.
A rigor, o remédio proposto por Mabel parece inadequado, além de ser “visceralmente inconstitucional”, como declarou a este Consultor Jurídico o Dr. Manuel Alceu Affonso Ferreira, ilustre jurista e profundo conhecedor dos meandros da imprensa, por seu trabalho junto ao jornal O Estado de S. Paulo. Foi a inadequação do remédio proposto por Mabel que me fez lembrar do rei que mata o mensageiro por causa da notícia indesejada.
A tarefa do jornalista é apurar sem preguiça, ir a fundo na investigação, duvidar de algumas fontes que entram em contato com “um excelente furo”. O professor britânico Peter Burke, num texto clássico sobre “Como confiar em fotografias”, já ensinava o mapa da mina: perguntar-se “quem está me passando essa notícia e qual seu interesse?”. O que soa estranho nesta notícia que me passam? O que tem a declarar o envolvido ou algum assessor do seu entorno? Sabemos que muitos dos dossiês que pipocam na imprensa e se tornam capa das revistas semanais não é fruto do meticuloso trabalho de apuração jornalística (até porque as empresas, na sanha de cortar verbas, não dispõem mais de carros de reportagem, não pagam viagens para seus repórteres, quase tudo é apurado na internet), mas resultado de investigações encomendadas por grupos para atingir adversários.
Guardados esses cuidados, tendo a notícia confirmada, que se publique. Como diz o grande Lourival J. Santos, advogado que me acompanhou em diversos processos durante meu tempo na Editora Abril, “a obrigação de manter o sigilo das investigações é dos agentes forenses. Não cabe à imprensa se incumbir desse dever”. Quem não quiser ver publicada a informação, que não a comente para um jornalista.
A propósito, recomenda-se uma visita ao site Lei dos Homens, do deputado Miro Teixeira (http://www.leidoshomens.com.br/index.php/noticias/acesse-aqui-todos-os-documentos-da-operacao-monte-carlo/): o parlamentar carioca teve a louvável iniciativa de colocar online “todos os documentos da Operação Monte Carlo, o inquérito do ético colega Demóstenes Torres.
O primeiro é que somos o país dos bachareis e, embora o deputado Mabel seja formado em administração de empresas e marketing, exerce com fecundidade seu múnus legislador, com quase um milhar de propostas de emendas, projetos de lei e medidas provisórias (suponho que seja esse o significado do MPV, uma das tantas siglas não esclarecidas do portal da Câmara dos Deputados) em suas quatro legislaturas. Há um animus legislandi notável em nosso Congresso. Como se criar leis alterasse a nossa paisagem, que ainda tem dívidas herdadas do século XIX, como a educação e o saneamento básico, para não ir mais longe.
O segundo pensamento ou lampejo foi sobre aquela história do rei que manda matar o emissário, por causa da má notícia de que era o portador. Como dizia o título de um belo livro dos anos 1990, escrito pelo jornalista francês Yves Mamou: “A culpa é da imprensa”. Ao apontar as feridas, ela pode estar provocando danos morais a pobres bicheiros, delegados em busca de fama e políticos corruptos que se escondem na imunidade parlamentar.
E o terceiro tema é um filmete que circula na internet, com um trecho do programa Bom Dia Brasil, da TV Globo. Esse filmete traz a informação comparativa de quanto custa ao ano para os cofres públicos um legislador: R$ 33 milhões de reais um senador, R$ 7 milhões um deputado federal (não especifica se estão incluídos os 14º e 15º salários), R$ 6 milhões um vereador de São Paulo ou Rio. Na França, o custo de um parlamentar é de R$ 2,8 milhões anuais contra R$ 859 mil na Espanha.
Após essa pequena escalada, vamos ao comentário sobre o projeto de lei.
O deputado Sandro Antonio Scodro, que trocou o sobrenome familiar pelo da marca de biscoitos que foi propriedade de sua família, está carregado de boas intenções (aliás, sua ficha no site da Câmara dá conta de um deputado com alto nível de participação de votações e sessões legislativas, com uma média de quatro discursos mensais e centenas de propostas e projetos de lei anuais).
Mabel pretende proteger pessoas sob investigação, impedindo que a informações não confirmadas ou suspeitas se convertam em acusações precipitadas. Para isso, propõe a punição a jornalistas que publicarem informações que estiverem sob sigilo investigatório, nas fases pré-processuais. De fato, nos últimos anos assistimos a alguns casos deploráveis, de políticos ou educadores, médicos ou banqueiros linchados em praça pública por atos que depois se revelaram lícitos ou infundados (embora se pudesse discutir as diferenças entre lícito e moralmente legal, algo que não cabe aqui).
A imprensa, na busca pelo sensacionalismo que vende periódicos ou aumenta os índices de audiência, faz lembrar o carcará, aquele que pega, mata e come. A fome pelo espetáculo é cruel. Outro fator cruel é a busca pelo “furo”, ser o primeiro a noticiar um fato, sem usar o tempo para checar a seriedade da informação. Para não ir mais longe, lembro o caso daquela advogada brasileira grávida, atacada e ferida com estiletes por grupo neonazista em Zurich. Meio como a Luísa que veio do Canadá, ela se converteu em tema nacional, com o presidente Lula se manifestando contra a xenofobia suíça. Um jornal português comprou a causa e desandou desaforos contra os pacatos suíços, levantando casos recentes de migrantes portugueses vítimas da animosidade suíça. Haja chocolate. (Todos sabem no que deu esse furo do jornalista Ricardo Noblat em seu blog).
Mas a questão do sigilo da informação é mesmo polêmica e há razões para todos os lados. O ministro Ayres Britto, por exemplo, entende que se o jornalista sabe de algo que está sob segredo de Justiça, e esse algo tem interesse público, não só pode como tem a obrigação de revelar o que sabe. Afinal, a missão do jornalista é informar. E para isso o jornalista deve ter livre acesso, como reza a Constituição no parágrafo 1º do artigo 220, reforçando ainda mais a proteção da liberdade de imprensa: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. O mesmo Ayres Brito, no episódio das marchas pela discussão da liberação da maconha, declarou que “Nenhuma lei pode se blindar contra a discussão de seu conteúdo, nem a Constituição está livre de questionamento”.
A rigor, o remédio proposto por Mabel parece inadequado, além de ser “visceralmente inconstitucional”, como declarou a este Consultor Jurídico o Dr. Manuel Alceu Affonso Ferreira, ilustre jurista e profundo conhecedor dos meandros da imprensa, por seu trabalho junto ao jornal O Estado de S. Paulo. Foi a inadequação do remédio proposto por Mabel que me fez lembrar do rei que mata o mensageiro por causa da notícia indesejada.
A tarefa do jornalista é apurar sem preguiça, ir a fundo na investigação, duvidar de algumas fontes que entram em contato com “um excelente furo”. O professor britânico Peter Burke, num texto clássico sobre “Como confiar em fotografias”, já ensinava o mapa da mina: perguntar-se “quem está me passando essa notícia e qual seu interesse?”. O que soa estranho nesta notícia que me passam? O que tem a declarar o envolvido ou algum assessor do seu entorno? Sabemos que muitos dos dossiês que pipocam na imprensa e se tornam capa das revistas semanais não é fruto do meticuloso trabalho de apuração jornalística (até porque as empresas, na sanha de cortar verbas, não dispõem mais de carros de reportagem, não pagam viagens para seus repórteres, quase tudo é apurado na internet), mas resultado de investigações encomendadas por grupos para atingir adversários.
Guardados esses cuidados, tendo a notícia confirmada, que se publique. Como diz o grande Lourival J. Santos, advogado que me acompanhou em diversos processos durante meu tempo na Editora Abril, “a obrigação de manter o sigilo das investigações é dos agentes forenses. Não cabe à imprensa se incumbir desse dever”. Quem não quiser ver publicada a informação, que não a comente para um jornalista.
A propósito, recomenda-se uma visita ao site Lei dos Homens, do deputado Miro Teixeira (http://www.leidoshomens.com.br/index.php/noticias/acesse-aqui-todos-os-documentos-da-operacao-monte-carlo/): o parlamentar carioca teve a louvável iniciativa de colocar online “todos os documentos da Operação Monte Carlo, o inquérito do ético colega Demóstenes Torres.
Carlos Costa é jornalista, professor da Faculdade Cásper Líbero e editor da revista diálogos & debates.
Revista Consultor Jurídico
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