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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Deve-se designar defensor público exclusivo para crianças


ATRIBUIÇÕES PRÓPRIAS


A recentíssima aprovação, pela Comissão de Preservação da Autonomia do Ministério Público do Conselho Nacional do Ministério Público, do pedido de providência 1475/2011-84, solicitado por membros do Ministério Público em Minas Gerais, para que os Defensores Públicos daquele estado não desempenhem atribuições próprias dos membros do Ministério Público, constitui mais um capítulo da controvérsia instaurada em torno da questão.
Dentre as referidas funções próprias, encontra-se a curadoria especial em favor da criança e adolescente, sobre a qual restou consignado na decisão acima:
Por conseguinte, não é possível que a Defensoria Pública ingresse em nome próprio, para a defesa de interesse de criança e adolescente, especialmente diante do fato de que seus direitos individuais indisponíveis já estão sendo defendidos pelo Ministério Público, como substituto processual, na forma prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.(Conselho Superior do Ministério Público, 2012)
A celeuma versa, portanto, sobre a necessidade e o cabimento da designação de curador especial para atuar exclusivamente em favor da criança e do adolescente em procedimentos judiciais e extrajudiciais, como por exemplo, em ações de destituição do poder familiar.
Alguns Tribunais têm se inclinado pela desnecessidade na designação[1]
Função de curador especial
A análise da questão jurídica suscitada passa, inicialmente, pela compreensão do múnus de que trata o art. 9º do CPC, in verbis:

Artigo 9°- O juiz dará curador especial:
I - ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele;
II - ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa.
Parágrafo único. Nas comarcas onde houver representante judicial de incapazes ou de ausentes, a este competirá a função de curador especial.
Como se nota, a lei não deixa dúvida quanto à razão de ser do curador especial, qual legitimado excepcionalmente para atuar na defesa daqueles a quem é chamado a representar.
O que se pretende é prover especial atenção à defesa dos interesses daqueles que por determinadas circunstâncias encontram-se fragilizados na relação processual.
Nos termos do dispositivo legal acima citado, são cinco as hipóteses que tornam necessária a designação de curador especial: (1) ao incapaz sem representante legal; (2) ao incapaz cujos interesses colidem com os de seu representante legal; (3) ao réu preso; (4) ao citado por edital e (5) ao citado por hora certa.
A norma é clara e dispensa maior exercício de exegese. O juiz dará, ou seja, deve dar curador especial nas hipóteses descritas no preceito legal.
A cogência do enunciado não deixa margem à discricionariedade judicial. O juiz não pode simplesmente optar pela não designação do curador, sob o fundamento de que todos no processo estão buscando o interesse da criança ou adolescente.
Nestes casos, não bastasse a clareza do dispositivo do Codex Processual, o legislador foi ainda mais específico ao prever no artigo 148, parágrafo único, f, do ECA, que a Justiça da Infância e Juventude é competente para designar curador especial em casos de apresentação de queixa e representação, ou de outros procedimentos judiciais e extrajudiciais em que haja interesse de criança ou adolescente. 
O que a lei determina, portanto, é que a defesa dos interesses da criança e do adolescente seja feita, nestes casos, mediante a designação de pessoa habilitada para, acima de qualquer outra questão que se apresente no caso sub judice, cuidar exclusivamente dos interesses da criança ou adolescente.
O curador especial é essa pessoa, que atuará com parcialidade institucional a favor única e exclusivamente do infante.
Não se sustenta o argumento de que a colidência de interesses entre a criança ou adolescente e seus representantes, genitores, sociedade ou Estado, deve ser demonstrada para justificar a designação do curador especial.
Primeiro, porque, é dedução lógica que, se foi ajuizada, por exemplo, uma ação de destituição do poder familiar, existe conflito entre genitor e a criança ou adolescente, com inequívoca subsunção à hipótese do artigo 9º, I, do Código de Processo Civil.
A não designação de curador implicaria negar vigência ao referido dispositivo de lei federal.
Em segundo lugar, não se deve olvidar que a única pessoa que no âmbito do processo pode legitimamente aferir a existência de colidência é o próprio curador especial designado.
A colidência, latente, potencial, oculta na complexidade de um processo tão multifacetado como o de destituição do poder familiar, que busca pôr termo à relação mais elementar do ser humano, qual seja, a relação entre genitor e prole, pode passar despercebida aos atores do processo não comprometidos exclusivamente com a defesa dos interesses da criança ou adolescente.
Por essa razão, ao curador incumbirá perscrutar e discernir, sob o manto da parcialidade institucional, a necessidade de tutela de algum bem jurídico, da adoção de alguma providência, sob o prisma do exclusivo interesse da criança ou adolescente, submetendo o pleito ao imparcial julgador.
Em suma, numa abordagem técnica, a não designação de curador especial para cuidar exclusivamente dos interesses da criança e do adolescente, implica um desequilíbrio na relação entre as partes: o julgador é imparcial; o genitor tem seus interesses cuidados por defensor, constituído ou nomeado; a sociedade e o Estado são protegidos pela atuação do Ministério Público, como custos legis. A criança ou adolescente, se não lhe é nomeado curador, não tem ninguém. Tecnicamente, está desassistido.
É lógico que, afastando-se da análise estritamente técnica para abarcar um espectro mais amplo de variáveis incidentes sobre caso concreto, pode-se dizer que, em geral, todos os atores do processo, até por uma questão de humanidade, buscam o melhor para o infante.
O Estado de Direito, mais que isso, o Estado Democrático de Direito não pode permitir, entretanto, que a proteção de uma pessoa em situação de altíssima vulnerabilidade, como nas hipóteses em análise, fique na dependência de uma confluência de boas vontades dos partícipes da relação jurídico-processual.
A falibilidade inata do ser humano exige que a solução de conflitos surgidos no seio da sociedade seja pensada para garantir o equilíbrio e a paridade das partes no curso do processo.
Não é o sistema perfeito, mas é o que foi consagrado pela ciência jurídica e pela experiência humana, como o mais eficaz contra injustiças.
Cuida-se, pois, de direito fundamental da criança e do adolescente, em sua dimensão subjetiva, o de contar com assistência técnica exclusiva para defender seus interesses.
Na esteira desta concepção, ensina a atualíssima doutrina sobre o tema dos direitos fundamentais:
A dimensão subjetiva corresponde, em primeiro lugar, ao anteriormente estudado status negativus. Trata-se da dimensão ou da função clássica, uma vez que o seu conteúdo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir à intervenção estatal em sua esfera de liberdade individual. Essa dimensão tem um correspondente filosófico-teórico que é a teoria liberal dos direitos fundamentais, a qual concebe os direitos fundamentais do indivíduo de resistir à intervenção estatal em seus direitos (Abwehrrechte gegen staatliche Grundrechtseingriffe). (Dimoulis, 2011, página 117)
Mister, pois, que nas ações de destituição do poder familiar e nas análogas, seja designado curador especial para atuar exclusivamente no interesse da criança ou adolescente.
A curadoria especial como função essencial da Defensoria Pública
Estabelecida a necessidade de designação de curador especial no exclusivo interesse da criança ou adolescente em procedimentos de interesse destes, resta se debruçar sobre a questão que logicamente dela decorre, qual seja: quem, na vigente ordem jurídica, deve exercer este múnus?
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Pericles Batista da Silva é defensor público do estado de Minas Gerais. Especialista em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito pela PUC-MG e em Direito Processual Civil pela Universidade Mackenzie-SP.
Revista Consultor Jurídico

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