Após impedir o cancelamento de Ação Civil Pública, TJMG obriga o
julgamento de Ação Popular contra “conluio” entre TCEMG e Governo do
Estado
Por decisão unânime da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, a Ação Popular ajuizada pelos deputados
estaduais de Minas Gerais Rogério Correia e Sávio Souza Cruz, visando
anular um procedimento celebrado entre o Governo do Estado de Minas
Gerais e o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, denominado TAG
(Termo de Ajustamento de Gestão), que ao arrepio da lei fixava
percentuais de aplicação mínima nas áreas de Saúde e Educação no Estado
de Minas Gerais, terá que ser julgada.
O Juiz da 6ª Vara de Fazenda Pública Estadual tinha negado seguimento
à ação sem sequer analisar seu mérito. Decisão modificada por
unanimidade no TJMG. O Acórdão prescreve:
“A ação popular não pode ser prematuramente extinta por ausência de
interesse processual quando, em tese, está evidenciado que o termo de
ajustamento de gestão celebrado entre o Estado de Minas Gerais e o
Tribunal de Contas Estadual ofendem os postulados da moralidade
administrativa e da legalidade, no que concerne à definição de
percentuais orçamentários destinados.”
O intuito do citado TAG era buscar descriminalizar a prática do
Governo de Minas Gerais adotada a partir de 2003, onde os valores
destinados a Saúde e Educação estiveram abaixo do mínimo constitucional.
A “cumplicidade” entre a alta direção do Tribunal de Contas do Estado
de Minas Gerais e o governo mineiro tem origem no modelo adotado para
escolha de conselheiros onde os critérios adotados são apenas políticos.
Ao contrário da alta direção, o corpo técnico do tribunal,
concursados e com carreira que não segue necessariamente critérios
políticos, manteve-se independente, apontando erros que acabaram por
transformar o presidente nacional do PSDB e senador Aécio Neves réu em
uma Ação Civil Pública, por desvio de recursos da área de saúde no valor
de R$ 4.5 bilhões.
No dia 25 de abril de 2012 foi aprovado pelo Pleno do Tribunal de
Contas do Estado um Termo de Ajustamento de Gestão – TAG – celebrado
pelo Conselheiro Mauri Torres e o governador do Estado, Antônio Augusto
Junho Anastasia, que “ajusta gradualmente a alocação de recursos nas
áreas de ações e serviços públicos de saúde e da manutenção e
desenvolvimento do ensino, para fins do cumprimento dos índices mínimos
constitucionais”.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu mecanismo por meio do qual
vinculou parcela das receitas arrecadadas a certas finalidades julgadas
prioritárias e essenciais para o país. A Constituição da República
determina que os Estados apliquem 12% dos impostos em ações e serviços
públicos de saúde (ASPS) e de 25% na manutenção e desenvolvimento do
ensino (MDE).
Tais vinculações são imposições aos administradores públicos, e assim
reduzem a discricionariedade para a alocação de recursos, sendo vedada
qualquer decisão legislativa ou administrativa que as contrarie. No
entanto, essa determinação constitucional vem sendo sistematicamente
desobedecida no Estado de Minas Gerais, pelo menos desde o exercício de
2003, causando enorme prejuízo para a população e comprometendo o
espírito e a eficácia da Carta Magna.
A celebração do TAG só foi possível graças a manobras de
contabilidade e da violação de preceitos legais, notadas e apontadas
pelo TCEMG pelo menos desde 2004, quando o Conselheiro Relator
recomendou a paulatina redução dessas aplicações, não só “para cumprir
as disposições legais, como também para que a aplicação esteja mais
próxima dos anseios da população, carente de melhores condições de
atendimento na Rede Pública de Saúde.”
Nada obstante a essa recomendação, a inconsistência das contas da
saúde no Estado foi demonstrada em todos os relatórios técnicos
elaborados pelo TCEMG no período, como pode ser verificado nos
Relatórios Técnicos que instruem as prestações de contas do governador,
disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal de Contas do Estado.
Desde 2004, portanto, o Estado já estava oficialmente ciente, por
meio das reiteradas recomendações do TCEMG, da necessidade de reordenar
as despesas com ASPS para adequá-las as normas Constitucionais. No
entanto, como se pode ler no relatório do TCEMG sobre as contas de 2007:
“ao longo dos anos, não houve a aderência do governo estadual às
recomendações desta Casa para redução gradual de tais despesas, haja
vista os acréscimos observados, em 2007, nas despesas dos institutos de
previdência (IPSEMG e IPSM) e no FUNFIP, consideradas como ações e
serviços públicos de saúde.”
Essa constatação foi reafirmada pelas claras palavras constantes no
parecer do Ministério Público junto ao TCEMG sobre as Contas de 2010, as
últimas sobre as quais há processo concluído no Tribunal:
“Concluímos, então, que, excluídas do cômputo das aplicações em ASPS
as despesas com assistência à saúde cujo acesso é restrito à clientela
fechada (PMMG, IPSEMG e IPSM), aquelas custeadas por fontes de recursos
da COPASA, bem como os recursos inscritos em Restos a Pagar não
processados, o percentual apurado no exercício financeiro de 2010 passa a
ser de 7,81%. Dessa forma, constata-se o não cumprimento do índice
constitucional no que se refere às despesas com ASPS”.
Particularmente no que diz respeito às despesas da COPASA, a Comissão
de Acompanhamento da Execução Orçamentária – CAEO -, do Tribunal de
Contas do Estado, na apreciação da Prestação de Contas do governador de
2006, anota que “na esteira dos paradigmas estatuídos para as ações e
serviços públicos de saúde nas Constituições Federal e Estadual, seria
necessário às ações de saneamento básico: a universalidade de
atendimento, a prestação de serviços com qualidade, independentemente da
capacidade de pagamento da população, e o atendimento de forma
integral, com o abastecimento de água, esgotamento sanitário, controle
de vetores e gestão de resíduos sólidos.”
Ao que o Auditor responsável pelo mesmo processo no TCE acrescenta a
lembrança de que, “nos termos do Decreto 43.753/04, os serviços
prestados pela COPASA não podem ser gratuitos, ou a concessão de tarifas
reduzidas para qualquer fim, ressalvados os descontos para atender a
população de baixa renda, desde que enquadrados nas exigências das
normas internas e legislação vigente. Assim, considerando que os
serviços prestados pela COPASA tem em contrapartida o pagamento de
tarifa pelo usuário, estamos diante de flagrante desrespeito a
disposições constitucionais que determinam a universalidade e gratuidade
dos serviços e ações públicas de saúde.
Graças à utilização de expedientes como esses, ao longo dos últimos
anos as aplicações em saúde têm se mantido mais ou menos constantes, em
torno de 7% dos recursos de impostos e transferências livres do Estado,
ou pouco mais da metade a que o setor teria direito, com leve tendência
de alta nessa participação. O corpo técnico do TCEMG demonstrou, em seus
relatórios, que o Estado nunca aplicou mais que 8,5% de recursos que a
Constituição destina ao SUS.
Com isso o Estado apresenta um déficit nominal de aplicações em ASPS
acumulado nos últimos nove anos de cerca de R$7,8 bilhões, em claro
prejuízo ao direito à saúde garantido na Constituição, como demonstra
tabela anexa.
No que diz respeito à vinculação determinada pelo art. 212 da
Constituição Federal de 25% dos impostos e transferências na manutenção e
desenvolvimento do ensino, o Executivo estadual o procedimento
repete-se.
O Tribunal de Contas do Estado não tem “carta branca” para, conforme
seu entendimento casuístico, aceitar ou não a despesa. Admitida essa
hipótese, para elaborar as políticas de saúde e educação o Executivo
deveria se orientar não pela lei propriamente dita, mas unicamente pelo
entendimento do TCE; ao apreciar as contas, o TCE faria uma espécie de
“autofagia”; ao invés de verificar se houve atendimento ao princípio da
legalidade, deveria se voltar para seu próprio entendimento.
Segundo o advogado da ação popular;
“não há outra conclusão, senão a de que o Termo de Ajustamento de
Gestão viola a um só tempo vários princípios que norteiam a
administração pública, em especial o princípio da legalidade e o
princípio da moralidade”.
“A despeito dessas obviedades, o Termo de Ajustamento de Gestão foi
firmado e leva-nos à única e inequívoca conclusão de que o Governo de
Minas, sob a condescendência do Tribunal de Contas, não aplica o mínimo
constitucional na saúde e na educação, e só virá a cumprir o comando
constitucional a partir do ano de 2014!”
“Para dizer o mínimo, todos os agentes que de alguma forma
participaram dessa verdadeira tragédia pública, apoiados em instrumento
cuja validade é absolutamente questionável, deverão responder na esfera
administrativa, civil e criminal, na proporção do dano que causaram ou
vierem a causar à saúde e à educação de todos os mineiros”, conclui.
Documentos que fundamentam esta matéria
Fonte: Novo Jornal
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