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terça-feira, 21 de maio de 2013

Votos do STF são cada vez mais para o grande público


TV JUSTIÇA


Segundo Häberle, escrevendo em 1975, a hermenêutica constitucional havia sido marcada pela captura por intérpretes vinculados às corporações e aos participantes formais do processo constitucional. Em substituição a esse modelo, que denomina de “sociedade fechada” de intérpretes da Constituição, propõe o seguinte: “no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição”[1].
O modelo de interpretação defendido por Häberle é tradicionalmente apontado como inspiração para a criação de mecanismos de abertura do processo constitucional, como a admissão de amici curiae e as audiências públicas. A parte normalmente esquecida diz respeito ao papel (pré-)interpretativo exercido pelo próprio cidadão. Segundo ele, “quem vive a norma acaba por interpretá-la ou pelo menos por co-interpretá-la” [2]. Por viver sob a égide da Constituição, cada indivíduo é um potencial criador de sentidos para o seu texto, embora não lhe caiba dar a palavra final, reservada às cortes de Justiça. Mas e se a interação entre a corte constitucional e o cidadão comum fosse ser estreitada a tal ponto que pudesse existir efetivo diálogo entre um e outro no curso do processo hermenêutico?
O grau de publicidade das deliberações das cortes de Justiça é questão que divide especialistas. Em palestra na Universidade da Califórnia[3], Antonin Scalia afirmou que antes de ser nomeado para o cargo na Suprema Corte dos Estados Unidos era favorável à radiodifusão dos julgamentos, pois imaginava que o uso das mídias de massa poderia ser uma forma de educar a sociedade americana sobre o funcionamento do tribunal. Porém, após ser empossado no cargo, assevera haver mudado radicalmente de opinião. Na visão dele, os cidadãos comuns não estariam interessados em ver todos os procedimentos, mas tão-somente aqueles de maior repercussão, normalmente envolvendo questões morais controvertidas. Ocorre que, diz ele, tais casos são minoritários. Na maior parte do tempo, os tribunais decidem questões técnicas, sem qualquer apelo ao cidadão comum. Assim, tal tipo de publicidade contribuiria apenas para desinformar a sociedade e distorcer a visão dela acerca do verdadeiro papel a ser desempenhado pelos juízes. Além disso, segundo ele, é importante haver certo distanciamento entre as instituições e a vontade do povo, pois a familiaridade diminui o respeito.
A visão pessimista do justice Scalia sobre o papel que a transmissão de julgamentos ao vivo pode desempenhar contrasta com o entusiasmo do lord Neuberger of Abbotsbury, presidente da Suprema Corte do Reino Unido[4]. Segundo ele, o escrutínio público sobre o que acontece nas cortes de Justiça é um elemento essencial do Estado de Direito. A prerrogativa de estar presente nos julgamentos, desde que sem prejuízo à deliberação judicial, é reconhecida aos ingleses há muito tempo. Lord Neuberger afirma que o conhecimento público sobre os trabalhos desempenhados pelo tribunal contribui para incrementar a confiança na administração da Justiça e, por consequência, na forma democrática de governo. Observa que cada vez menos pessoas comparecem às sessões dos tribunais, de modo que cabe ao Poder Judiciário fazer o que estiver ao seu alcance para ampliar o acesso do público aos procedimentos judiciários. E, finalmente, cita como exemplo a TV Justiça, criação brasileira.
Formuladas por juízes que compõem os tribunais máximos de seus respectivos países e que compartilham a mesma forma de pensar o Direito, afinal, ambos se inserem na Common Law, as opiniões radicalmente opostas dão a dimensão do problema. Embora se possa cogitar a respeito de um direito de acesso às sessões de julgamento no Poder Judiciário[5], saber se elas devem ser transmitidas não é um tema normalmente associado à dogmática jurídica. Há, como visto, argumentos em favor de ambos os modelos, mas a opção definitiva somente pode ser tomada com referência aos impactos empíricos verificados nas relações entre a Corte e as decisões por ela adotadas. E é esse tipo de análise que a academia deve buscar e que pode ser fornecido por meio do estudo do caso específico do Supremo Tribunal Federal.
Com a edição da Lei 10.461/2002 foi determinada a reserva de um canal de TV a cabo para o Supremo Tribunal Federal, voltado à divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos serviços essenciais à Justiça. A sanção da lei ocorreu em 17 de maio de 2002, mas somente em 11 de agosto do mesmo ano é que a TV Justiça — como foi denominada a emissora — iniciou as atividades[6]. A partir dessa data, passaram a ser transmitidas, pela internet e televisão, ao vivo, as sessões plenárias do Supremo, além de diversos programas educativos voltados à instrução do público a respeito do funcionamento do sistema jurídico brasileiro. A partir de agosto de 2002, portanto, a corte constitucional brasileira iniciou experimento único, porquanto inexiste notícia de sistema semelhante no mundo, marcado pela abertura radical das deliberações por ela realizadas.
Em 11 de agosto de 2012, a TV Justiça completou dez anos de existência ininterrupta. Curiosamente, o início da publicidade ostensiva dos julgamentos corresponde ao período em que o Supremo Tribunal Federal deixou de ser mero apêndice aos demais órgãos políticos e transformou-se em efetivo protagonista do processo político brasileiro. Ao longo desse período, a TV Justiça trouxe à luz as entranhas do tribunal. Brigas ásperas entre ministros e deliberações tensas foram transmitidas ao vivo e posteriormente retransmitidas nas maiores cadeias de televisão. Em 2012, a TV Justiça alcançou, muito provavelmente, a maior visibilidade da história, em razão do julgamento da Ação Penal 470, em que se discute a responsabilidade criminal de diversos políticos de primeiro escalão. Exatamente por essa razão tornou-se alvo de controvérsia pública.
Os dez anos da TV Justiça permitem analisar as relações entre a máxima publicidade dos julgamentos e os respectivos impactos na interpretação jurídica, mediante simples cotejo entre os dois períodos. A percepção de que a publicidade tem consequências na forma como os juízes conduzem seus votos e os respectivos julgamentos parece algo intuitivo. Mas resta saber se essa percepção confirma-se com a análise dos votos proferidos pelos ministros.
Para fazer a apuração quantitativa dos impactos da TV Justiça sobre os julgamentos do Supremo, a atuação da corte foi dividida em dois períodos: (a) 1990 a 2002, correspondente ao período posterior à promulgação da Carta de 1988 e anterior ao efetivo funcionamento da TV Justiça, desprezados os anos de 1988 e 1989, relativamente aos quais nem todas as estatísticas estavam disponíveis, e (b) 2003 a 2011, intervalo posterior ao início das transmissões, desconsiderado o ano de 2012, ainda não encerrado durante a redação deste trabalho. Foram, pela mesma razão, destacados os seguintes indicadores, referentes aos períodos acima assinalados: (i) a extensão dos acórdãos proferidos em ações diretas de inconstitucionalidade; (ii) a quantidade de acórdãos publicados em ações diretas de inconstitucionalidade; (iii) as decisões (individuais e coletivas) proferidas em ações direta de inconstitucionalidade; (iv) o número total de processos julgados; e (iv) a produtividade individual dos ministros.
A opção por estudar as ações diretas de inconstitucionalidade, em primeiro lugar, dá-se por duas razões. A uma, porquanto são as ações mais importantes julgadas pelo Supremo, no bojo das quais se desenrola o controle concentrado de constitucionalidade. A prática jurisprudencial relativa às hipóteses de cabimento e o rito das ações diretas já estava razoavelmente assentada no direito constitucional brasileiro quando da promulgação da Constituição de 1988. O mesmo não acontecia com as outras ações aptas à deflagração do controle concentrado, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, criada com a Constituição de 1988...

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