O problema criado à Petrobras é grave face aos desafios do pré-sal e da ampliação da capacidade de refino para mais produção de gasolina. O governo federal deveria seguir o sábio conselho do pensador Nicolau Maquiavel de que é preciso fazer todo o mal (reajuste da gasolina) de uma só vez, a fim de que, provado em menos tempo, pareça menos amargo. Por Amir Khair
Amir Khair
A reação contrária das manifestações ao reajuste da tarifa de ônibus em São Paulo trouxe o importante debate sobre a mobilidade urbana e o custo e financiamento do transporte coletivo.
Mobilidade – A mobilidade urbana sofre com a falta de planejamento e uso racional de ocupação do solo, levando a população mais pobre morar cada vez mais longe do local de trabalho.
Programas governamentais de construção de moradias têm sido justamente criticados por não se preocuparem com a política urbana. Facilitam o acesso à aquisição da casa própria pouco se importando com suas consequências.
Isso agrava os custos dos serviços e da infraestrutura urbana. O transporte coletivo e a coleta de lixo tem que fazer deslocamentos maiores, exigindo mais investimentos em meios de transporte (ônibus, trens e metrô) e em caminhões para coleta e remoção dos resíduos sólidos. Novas vias tem que ser construídas e mantidas. Acrescem custos e investimentos para o fornecimento de água e esgoto e de energia elétrica.
O segundo golpe na mobilidade urbana é dado pela política de estímulo ao uso do transporte individual. A política econômica vem de longa data priorizando a produção e venda de automóveis de olho no efeito multiplicador que a indústria automobilística tem na economia. Gera empregos, renda, arrecadação, crescimento econômico.
Há estimativa de que nos últimos dez anos, os incentivos ao transporte individual alcançaram R$ 32 bilhões, com a redução do IPI dos carros e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina. Isso equivale 1.500 quilômetros de corredores de ônibus ou 150 quilômetros de metrô.
A redução do IPI atingiu a arrecadação dos estados e municípios, que tiveram que bancar 58% do montante desonerado, uma vez que só 42% do IPI pertencem ao governo federal após as transferências constitucionais. É a caridade feita com o chapéu alheio.
Para atacar o problema criado para a mobilidade urbana, o governo federal tomou duas medidas: a) prometeu R$ 50 bilhões a serem concedidos aos estados e municípios mediante apresentação e aprovação de projetos e; b) propôs retirar os projetos de mobilidade urbana do cálculo de endividamento de estados e municípios.
São promessas que, se cumpridas, levariam longo tempo para surtir efeito e só atingem o investimento e não a manutenção dele, nem o subsídio ao custo do transporte, que exigem recursos permanentes de custeio. O problema requer solução mais rápida, abrangente e de maior impacto.
Preço da gasolina – Como solução de impacto imediato vale destacar a proposta levada a debate pelo prefeito de São Paulo, que voltou a defender a municipalização da Cide como financiamento para subsidiar a tarifa do transporte público.
Como argumento novo, apresentou as conclusões de estudo preliminar da Fundação Getulio Vargas, segundo o qual um aumento de R$ 0,50 no litro da gasolina pode gerar redução de R$ 1,20 no preço das passagens. E, mais, o impacto desse aumento seria deflacionário em 0,026%, pois a redução da tarifa do transporte pesa mais no cômputo da inflação do que o do aumento da gasolina.
Ainda segundo esse estudo, a mudança irá beneficiar 78% da população, que corresponde aos que ganham entre um e 12 salários mínimos de renda mensal.
Elevar o preço da gasolina para direcionar o excedente ao transporte coletivo é fazer o transporte individual pagar a conta da melhoria do transporte coletivo. Faz todo o sentido. O usuário do transporte individual tem em geral renda superior à do usuário do transporte coletivo. Haveria, assim, uma transferência indireta de renda com a adoção dessa proposta.
Mas o problema do preço da gasolina não para apenas na questão da Cide. Ela envolve o subsídio que a Petrobras está sendo obrigada a suportar pela política do governo federal de usá-la como biombo da inflação.
O diferencial de preço é estimado por analistas superior a 20% no confronto internacional. Os reajustes concedidos foram comidos pela depreciação cambial.
O problema criado à Petrobras é grave face aos desafios do pré-sal e da ampliação da capacidade de refino para mais produção de gasolina. Vai além, a permanência do sobrepreço da gasolina atingiu duramente a produção de etanol. De potencial exportador o País se transformou em importador de etanol e desestimulou sua produção. Assim, cresceu exponencialmente a necessidade de fornecimento da gasolina e o dano causado à Petrobras.
Nesses dias mais um alerta foi dado ao governo federal pelo diretor financeiro da Petrobras evidenciando a impossibilidade de cumprimento dos investimentos da estatal e a ameaça imediata de rebaixamento da sua classificação de risco pelas agências internacionais, o que irá a agravar o custo dos novos empréstimos.
O governo promete rever os preços defasados. Como é comandado pelo fantasma da inflação, algum pequeno rejuste poderá ser dado. É a política de empurrar com a barriga, que cada vez mais agrava o problema.
O governo federal deveria seguir o sábio conselho do pensador Nicolau Maquiavel de que é preciso fazer todo o mal (reajuste da gasolina) de uma só vez a fim de que, provado em menos tempo, pareça menos amargo.
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