DIREITOS HUMANOS
Esta semana veio à tona a denúncia de um preso ficou cego e tetraplégico após ter sido vítima de tortura no presídio federal de segurança máximo Antonio Amaro Alves, em Rio Branco, no Acre. Seis agentes penitenciários são acusados de golpeá-lo com uma marreta de borracha, usada normalmente por lanterneiros e borracheiros.
Infelizmente, cenas parecidas se repetem frequentemente no Brasil. O sistema prisional brasileiro é historicamente palco de graves e profundas violações de direitos humanos. Há ocorrência sistemática de tortura e maus tratos, situação agravada por não haver mecanismos adequados de controle interno e externo desses tipos de violações.
A condição dos estabelecimentos prisionais é de total insalubridade (não há alimentação adequada, falta de higiene, luz e ventilação). Todo esse cenário se agrava com a falta de acesso do preso à defesa técnica. São poucos os defensores públicos, a estrutura é aquém da necessária, e as instituições não dão conta da demanda.
É nesse sistema carcerário, considerado pelo próprio ministro da Justiça “medieval”, que estão hoje meio milhão de brasileiros. A superlotação carcerária é crônica e, com o ritmo de encarceramento atual, o quadro só piora: temos a quarta maior população carcerária do mundo e a que mais cresceu nos últimos dez anos.
Há muito tempo, a opção pelo encarceramento em massa tem sido a marca da segurança pública, transplantando para o sistema carcerário o mesmo populismo que nossos políticos aplicam em outras áreas da administração pública – com o agravante recente das privatizações dos presídios, que transformam pessoas em moeda, tornando a cadeia num negócio lucrativo para certos empresários.
Neste cenário aterrador, a proibição da tortura é amplamente ignorada, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) e com os inúmeros relatos que emergem destas verdadeiras masmorras.
Mas a conivência do sistema de justiça com essa odiosa prática pode estar mudando. A presidente Dilma Rousseff sancionou esta semana um projeto capaz de monitorar e coibir a ocorrência da prática de tortura nos presídios. O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 11/2013, que institui o Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura no Brasil, recebeu a sanção presidencial na sexta-feira, depois de ter sido aprovado pelas duas casas do Congresso, terminando seu trâmite parlamentar em julho deste ano. Ainda é pouco – apenas uma lei. Mas tem o potencial de marcar uma mudança de rumos histórica, a depender principalmente da fiscalização da sociedade e do compromisso do governo na matéria.
O Brasil havia assumido a obrigação de criar o mecanismo ao ratificar o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (OPCAT, 2002). Assim este mecanismo teria que ter sido colocado em funcionamento em 2008.
No projeto aprovado, a Presidência da República indica os 23 membros do Comitê Nacional de Prevenção à Tortura que por sua vez escolhem os 11 peritos que farão as visitas aos centros de detenção de todo o Pais. Conectas defendia a aprovação de uma emenda aditiva que permitiria à sociedade civil participar de uma ampla consulta prévia à indicação dos nomes do Comitê e a eleição mediante processo seletivo público dos 11 peritos que farão as visitas por seu conhecimento e experiência na prevenção e combate à tortura.
Não foi assim, na prática. Mas o Mecanismo pode, apesar disso, ser um passo histórico para que o Brasil deixe o quanto antes de ser este gigante de pés de barro – cheio de pretensões sofisticadas em relação ao mundo, mas marcado por mazelas medievais em seu próprio dia a dia.
Lucia Nader é diretora executiva da Conectas Direitos Humanos
Marcos Fuchs é diretor adjunto da Conectas Direitos Humanos
Revista Consultor Jurídico
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