Com inflação oficial em 6,28%, famílias sentem diferença de até 60% nos gastos. Alimentos são os que mais subiram
Por GRACIELLE NOCELLI
Dinheiro gasto por Rafael no posto de gasolina rende cada vez menos
As compras no supermercado ficaram mais caras, o preço dos remédios subiu, os gastos para manter o tanque cheio de gasolina aumentaram, e o dinheiro, cada vez mais, parece não ser suficiente para as despesas do mês. A realidade enfrentada pelos consumidores nos últimos meses evidencia a aceleração da inflação em 2014. Embora o Governo mantenha o discurso de que a situação está sob controle, a evolução do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), está próxima do teto de 6,5% estimado para este ano. No acumulado dos últimos 12 meses, de abril de 2013 a abril de 2014, o IPCA fechou em 6,28%. Mas na hora de pagar as contas, a percepção da alta de preços supera o índice oficial. Juiz-foranos relatam aumento de até 60% dos gastos com alguns itens. A realidade é preocupante, já que as projeções de especialistas não são as mais otimistas. Economistas afirmam que 2014 irá se consolidar como um ano caro para o bolso do brasileiro, e a tendência é que a inflação seja ainda maior em 2015.
O impacto da inflação é sentido no bolso e também na mesa dos juiz-foranos. Dos 13 itens que compõem a cesta básica regional, nove ficaram mais caros no último ano (ver quadro). O aumento chegou a até 26,53%, como foi o caso do tomate. Em seguida estão o leite (17,41%) e o feijão (17,10%). Para adquirir todos os produtos nas quantidades estipuladas pelo padrão da cesta básica, o juiz-forano tem que gastar R$ 286,14, 7,1% a mais do que era utilizado no mesmo período de 2013 (R$ 267,17).
A alimentação é o item que mais tem pressionado a inflação, conforme explicação da gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor do IBGE, Irene Machado. Só de janeiro a abril deste ano, o IPCA dos alimentos está acumulado em 4,58%. "O ano começou difícil, mexendo com o orçamento do consumidor", avalia Irene. "A estiagem ocorrida em várias regiões contribuiu para a elevação de preços, sobretudo, dos hortifrutis." Em Juiz de Fora, frutas, verduras e legumes chegaram bem mais caras aos supermercados (ver quadro). A ameixa foi o item que mais encareceu, com variação de 215,7%. Outros produtos, como agrião, couve-flor, goiaba e pera - mais comuns ao consumo do juiz-forano - tiveram alta acima de 50%.
Na prática
O principal gasto no orçamento familiar da autônoma Luciana Ribeiro, 32 anos, é com alimentação. Acostumada a fazer compras mensais no supermercado, ela diz que viu a conta subir consideravelmente nos últimos dois meses. "Tudo encareceu, mas o leite e os hortifrutis têm pesado bastante." Segundo ela, na comparação com o mesmo período de 2013, o aumento foi superior a 30%. "Gastava em média R$ 330 no ano passado. Hoje as compras ficam em torno de R$ 530, R$ 550." Sem poder abrir mão de alguns produtos que estão mais caros, como é o caso do leite em pó que o filho Bernardo de 1 ano consome, Luciana tenta controlar os gastos no supermercado aproveitando promoções. "A única alternativa para diminuir o valor da conta é esta. Além da alimentação, as despesas com saúde e transporte também subiram."
Coordenador do Índice de Custo de Vida da Classe Média (ICVM) da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB) e professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP), José Tiacci Kirsten explica que é comum o consumidor sentir a inflação mais alta do que o percentual registrado pelos índices oficiais. "O IPCA, por exemplo, é uma média ponderada do comportamento de preços de vários produtos. Os consumidores têm percepções diferentes, de acordo com o que gastam mais. Uma família de idosos compra mais remédios, já aqueles pais que têm crianças na escola terão uma parcela significativa do orçamento comprometida com educação, por exemplo." Ele destaca que quanto menor a renda familiar, maior serão os gastos com alimentação. "Os alimentos são a prioridade. Então quem ganha menos utiliza maior parte do salário com este item."
Orientação
Pesquisar preços, aproveitar promoções, negociar descontos nos pagamentos à vista e aplicar o dinheiro que sobrar em poupança são as alternativas apontadas por economistas para reduzir os impactos da inflação. "O país está sentindo essa alta de preços, e o consumidor precisa se precaver. O Governo tem adotado uma política de acomodar a variação dos preços, mas não tem cortado o mal pela raiz. Com isso, o aumento chega, mesmo que tardio, até o consumidor", analisa o professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e membro da Conjuntura e Mercados Consultoria Jr (CMC Jr), Wilson Rotatori.
Custo sobe 10 vezes mais que taxa oficial
Saúde e transporte também pressionaram, em menor escala, a inflação em 2014. Embora o aumento de preços de medicamentos e combustível tenha sido anunciado previamente, a situação surpreendeu consumidores pelo fato de que, novamente, a "inflação real" foi superior aos índices oficiais. No final de março deste ano, a Câmara de Regulação de Medicamentos (Cmed) informou o reajuste de até 5,68% para aproximadamente 24 mil remédios.
Diante da informação sobre alta de preços, o aposentado Benedito de Jesus, 64 anos, já esperava gastar mais com as compras da farmácia. "Tomo 11 comprimidos por dia. Os gastos com saúde (somando medicamentos e plano de saúde) são a principal despesa da minha família." Com os filhos adultos e morando fora, ele vive com a esposa que também faz uso contínuo de remédios. Segundo Benedito, mesmo preparado para o aumento de preços, foi impossível não se assustar com os valores que encontrou. "No mês passado, paguei R$ 96 por um remédio com 50 unidades. Hoje, só encontrei a embalagem com 25 comprimidos pelo preço de R$ 157." A variação de um mês para o outro foi de 63,5%, dez vezes mais que o teto estimado pela Cmed.
A inflação também surpreendeu o personal trainer Rafael Carvalho, 24 anos. No caso dele, educação e transporte são as principais despesas do mês. "Moro com meus pais, então, não gasto com moradia, nem alimentação." Com as contas no papel, ele percebeu alta de 40% na despesa com a gasolina. "No ano passado, o custo era de R$ 50 por semana. Com este valor, hoje, eu rodo quatro ou cinco dias." Dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) mostram que a gasolina em Juiz de Fora aumentou 2,1 % em relação ao final de 2013. O valor mínimo encontrado nos postos de gasolina da cidade após o reajuste anunciado pela Petrobrás, em novembro, era de R$ 2,83. Hoje o preço mínimo está apurado em R$ 2,89.
Especialistas projetam mais aumento em 2015
No relatório sobre a inflação do primeiro trimestre de 2014 publicado pelo Banco Central (BC), a autoridade monetária reconhece que "taxas de inflação elevadas subtraem o poder de compra" e geram "repercussões negativas sobre a confiança e o consumo das famílias". Além disso, "reduzem o potencial de crescimento da economia, bem como de geração de empregos e de renda." O texto diz, ainda, que "em momentos como o atual, a política monetária deve se manter especialmente vigilante, de modo a minimizar riscos de que níveis elevados de inflação, como o observado nos últimos 12 meses, persistam." As projeções do BC apontam inflação de 6,2% em 2014 e 5,5% em 2015.
Especialistas discordam deste números e acreditam que a tendência não é de queda, mas de aumento da inflação. A expectativa é de que os gastos com energia impulsionem a alta de preços em 2015, ano que será ainda mais caro para o brasileiro do que 2014. "A inflação é resultado de fatores de mercado e acidentais", argumenta o coordenador do ICVM da OEB e professor da USP, José Tiacci Kirsten. Ele exemplifica que a estiagem que elevou o preço dos hortifrutis é uma situação sazonal e, portanto, pode ser modificada ainda em 2014. "No segundo semestre, quando vier a safra, alguns alimentos poderão baratear." Porém, ele destaca que os demais fatores que impulsionaram a inflação até o momento tendem a continuar. "Aumento de juros, gasto excessivo do Governo, encarecimento do frete e desvalorização cambial também interferem na alta de preços."
Para o especialista, o Brasil vive uma política de "taxas represadas" que, em algum momento, chegarão na conta do consumidor. "Energia elétrica, gás de cozinha e gasolina são alguns itens que estão com preços menores do que deveriam. Em 2015, os brasileiros sentirão o encarecimento destes produtos, o que irá fazer do próximo ano um dos mais caros para nós. A inflação pode ultrapassar 10%." O professor da UFJF Wilson Rotatori concorda. "Não tenho perspectiva de queda na inflação. Com a realização da Copa do Mundo, entre junho e julho, os preços tendem a subir novamente. Em 2015, a energia elétrica irá impulsionar a inflação, que deve superar os índices deste ano."
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada