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sexta-feira, 30 de maio de 2014

O brasileiro percebeu quais são seus direitos; o medo deixou de existir


O país se aproxima da Copa do Mundo e as mobilizações populares parecem aquecer-se ainda mais. Enquanto os sem teto ganham os holofotes da mídia em sua sequência de ocupações e mobilizações políticas, greves começam a pipocar cada vez mais. Só em São Paulo, a semana está marcada pelos movimentos dos motoristas e cobradores de ônibus, funcionários da USP e metroviários, além de contar com mais um protesto contra os procedimentos de organização do Mundial.
“Eu percebo que é um momento crucial de levarmos nossas pautas de reivindicações a todas as instâncias possíveis. A partir do momento que começar a Copa do mundo, e depois com o período eleitoral, as negociações vão parar”, explicou Jussara Basso, coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), em entrevista aoCorreio da Cidadania.
A entrevista é de Gabriel Brito e Valéria Nader, publicada por Correio da Cidadania, 22-05-2014.
Em sua opinião, não é possível prever a repetição dos manifestos de junho, mas está claro que o brasileiro adquiriu um nível maior de consciência e abraça cada vez mais as mobilizações pelos direitos e serviços públicos essenciais. “No ano passado tivemos a pauta dos 20 centavos. Hoje, são os condutores e cobradores de ônibus que param. Isso é muito importante para legitimar a soberania deste país enquanto democracia. Apoiamos todo tipo de mobilização. Penso que o momento demonstra que o brasileiro percebeu quais são seus direitos e quer se apoderar deles”, afirmou.

Jussara avalia que os protestos vão continuar, pois muitas pessoas teriam perdido o medo. Já o Estado, em sua visão, tem feito blefes para tentar acuar a população, mas seus representantes também têm medo de ficarem marcados pela repressão em período pré-eleitoral. “Não acredito que o país sofrerá uma grande mudança política, mas acredito que as pessoas vão votar mais conscientes e cobrar mais aquilo que tiver sido pauta das campanhas eleitorais”, completou.

Eis a entrevista.

A poucos dias da Copa do Mundo e com eleições no horizonte, como você enxerga o atual momento de mobilizações dos sem teto, que têm se espalhado por diversas regiões e adquirido grande destaque no cenário político?

Eu percebo que este é um momento crucial para levarmos nossas pautas de reivindicações a todas as instâncias possíveis. A partir do momento que começar a Copa do mundo, e depois com o período eleitoral, as negociações vão parar - por se tratar de uma época em que o Estado e suas instâncias políticas não negociam nem liberam nada. E aí nossas reivindicações teriam de aguardar o fim das eleições e o ano que vem.

O que você pode dizer das campanhas que o movimento tem lançado, como aquela nas cercanias do novo estádio de Itaquera?

MTST faz parte de uma frente nacional chamada Resistência Urbana. Dentro dessa frente, foi criada a campanhaCopa sem povo, tô na rua de novo! É ela que tem puxado as várias lutas que temos feito. A terceira mobilização é nesta quinta, 22. Chamamos a ocupação perto do estádio de Copa do Povo porque o que queremos é uma “Copa popular”, de promoção de direitos.

Chamamos a campanha de “Hexa de direitos”. Dentro dela, incluímos saúde, educação, moradia, transporte público de qualidade, justiça (pois nos posicionamos contra o genocídio de pessoas da periferia, tipicamente pretas e pobres) e soberania, uma vez que a promoção da Copa do Mundo veio acompanhada de algumas leis de exceção.

O poder público tem dado respostas satisfatórias nas reuniões feitas com vocês sobre a questão da moradia?

O poder público funciona mediante pressão. E o que temos feito no último período é pressão para conseguir avanços nas nossas pautas. O Plano Diretor de São Paulo é exemplo disso.

Conseguimos sua aprovação em primeira plenária, apesar de a repressão no dia da votação ter sido muito forte. É assim, nossas pautas avançam mediante a pressão que exercemos.

E vocês têm otimismo em relação às promessas de moradia feitas pela prefeitura?

Elencamos algumas áreas para que fossem marcadas no Plano Diretor como ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social). Como dito, conseguimos aprovar o Plano em primeira plenária, o que é um grande avanço no município. Ainda há uma grande briga pela frente, pela sua votação e aprovação definitiva, e também pelas áreas destinadas àsZEIS.

Precisamos pensar também na questão de projetos e na qualidade deles, já que o Minha Casa Minha Vida tem como dimensão mínima os imóveis 39 metros quadrados. E as empreiteiras sempre dão preferência para essa metragem. Porém, sabemos que a população carente frequentemente tem famílias mais numerosas. Assim, morar em apartamentos desse tamanho é quase inviável.

Além do mais, há o orçamento público que deve ser criado em torno dos projetos de moradia. A partir do momento em que se constroem moradias numa determinada região, aumenta a demanda de saúde, educação e transporte. Portanto, após a luta por moradia, há a luta por esses serviços.

Quais expectativas vocês têm em relação aos protestos e greves durante a Copa do Mundo? Acredita que teremos movimentos similares a junho de 2013?

Junho de 2013 foi algo inesperado. Esperamos que volte a acontecer. Não deveríamos ter de falar, mas as pessoas têm o entendimento de que a Copa custou muito dos cofres públicos. E a verba que poderia ser destinada a ações que conformam o direito de todos acaba faltando. No ano passado tivemos a pauta dos 20 centavos. Hoje, são os condutores e cobradores de ônibus que param. Isso é muito importante para legitimar a soberania deste país enquanto democracia.

Apoiamos todo tipo de mobilização, sejam greves, manifestações nas periferias, no centro da cidade, dos estudantes, da classe trabalhadora etc. Penso que o momento que vivemos demonstra que o cidadão brasileiro percebeu quais são seus direitos e quer se apoderar deles. Está indo às ruas exigir que seus direitos sejam cumpridos.

Como o Estado brasileiro se prepara para tal momento? Pensam que teremos novos instrumentos de repressão colocados em prática?

Eu avalio que o Estado brasileiro tem sido muito cuidadoso com a questão da repressão. Hoje, percebemos que mesmo o comando da polícia militar tem buscado negociar com movimentos e manifestações para não haver confrontos, pois o mundo está com os olhos voltados ao nosso país. O que eles não querem agora é ser tachados de repressores e violentos.

Mas eu acredito que teremos repressão, porque as manifestações não vão parar. As pessoas estão indignadas com os gastos abusivos da Copa, indignadas com a ausência de direitos, serviços públicos etc. Acho que as pessoas estão indo às ruas com o coração na mão e o medo deixou de existir. O Estado blefou muito, equipando a polícia militar, usando carros de jato d’água etc. Tudo foi um grande blefe pra tentar amedrontar a população do país. Mas ao perceber que a população não recuou e exerce seu direito de manifestação, quem vai recuar é o Estado.

Como imagina que um eventual cenário mais efervescente por ocasião da Copa poderá influir nas eleições, considerando as maiores candidaturas? Acha que será aberto espaço para alguma surpresa?

Penso que o cuidado que o Estado tem tomado em relação às manifestações tem a ver com isso: depois da Copa, nós temos as eleições e todos os candidatos querem garantir seus lugares nas cadeiras do poder. E acredito que as pessoas estarão mais conscientes, vão procurar votar um pouco melhor. Não acho que o país sofrerá uma grande mudança política, mas as pessoas vão votar mais conscientes e cobrar mais aquilo que tiver sido pauta das campanhas eleitorais.

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