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domingo, 26 de outubro de 2014

Proteção Social, política pública de solidariedade e distribuição da riqueza. Uma reflexão importante!

A proteção social brasileira ampliou sua cobertura nas últimas duas décadas, passando, como foi visto, a atender não apenas aos trabalhadores vinculados a contratos formais de trabalho, mas, também, aos trabalhadores rurais em regime de economia rural, idosos e deficientes em situação de indigência e, por fim, por meio de um benefício diferenciado, às famílias em situação de extrema pobreza. 

Mas, a consolidação da proteção social enquanto instrumento de garantia de renda ainda é, no Brasil, um processo incompleto. A reprodução de pobreza e desigualdade no âmbito do mercado de trabalho configura-se, assim, no centro do debate sobre a proteção social. A imagem do pobre como o incapacitado ou excluído do mundo do trabalho não é senão um reflexo parcial da realidade. 

O próprio exercício do trabalho suscita a produção e reprodução de situações de pobreza, que impedem tanto a obtenção de renda suficiente para o acesso aos bens básicos ou mesmo indispensáveis à sobrevivência, como o acesso à proteção social de natureza contributiva que permitirá enfrentar os problemas decorrentes da perda da capacidade de trabalho. 

O duplo papel dos sistemas públicos de garantia de renda – disponibilização de uma renda mínima aos cidadãos e enfrentamento das situações de ausência de renda por perda da capacidade de trabalho – assume, assim, diante da precariedade do mercado de trabalho no Brasil, um papel ainda mais estratégico do que em países mais desenvolvidos. 

É o que tem revelado os estudos que buscam avaliar o impacto das transferências de renda previdenciárias e assistenciais no quadro de pobreza e indigência no país. As estimativas apontam que, na ausência de tais transferências, o patamar de indigência no país dobraria, assim como cresceria de forma expressiva os percentuais de pobreza. 

Sem os benefícios operados pela seguridade social, a pobreza ultrapassaria a metade da população em algumas regiões e a indigência dobraria em todas elas (Jaccoud, 2006). 

Não apenas no Brasil o papel preventivo das políticas de proteção social tem sido destacado. Um exemplo pode ser dado pelos estudos realizados na última década sobre a relação entre crescimento do desemprego e crescimento da pobreza. Atkinson (1998), por exemplo, analisando as taxas de crescimento da pobreza e desemprego em diversos países da Europa, mostra que a correlação não é positiva onde os benefícios e a cobertura dos programas de garantia de renda são amplos. 

Analisando a pobreza no sul e no norte a Itália, Paugam (2005) observa que ela é mais forte no sul, mesmo entre os desempregados. A explicação é encontrada na cobertura do seguro desemprego dos trabalhadores do norte, em geral vinculados aos ramos industriais. A variação encontrada entre países, e mesmo em diferentes regiões de um mesmo país na evolução da pobreza em quadros de ampliação do desemprego, aponta para a influência efetiva dos instrumentos e políticas de proteção social. 

De fato, o papel dos sistemas de proteção social não se limita - nem pode se limitar - a beneficiar os indivíduos em situação de pobreza. Seu papel preventivo, operado pelos programas de seguro social, tem permitido enfrentar a insegurança e a precariedade relacionadas aos riscos de a população trabalhadora e de suas famílias caírem em situação de pobreza na medida em que suas condições de trabalho estivessem comprometidas pela idade, doença, invalidez ou desemprego. 

Contudo, esse papel não pode resumir o conjunto da intervenção pública no campo da garantia de renda. Os inúmeros exemplos de programas que beneficiam os trabalhadores ativos e suas famílias nos diversos países ganham progressivo destaque num mundo do trabalho em rápida mudança. Esse debate é ainda mais relevante no Brasil onde tais transformações se associam à reprodução de formas tradicionais de inserção precária no mercado de trabalho e a uma sempre surpreendente resistência à desconcentração das rendas nacionais, dentro e fora do âmbito do trabalho. 

A proteção social significa a implantação de um sistema que visa ultrapassar tanto as restrições impostas pelo moralismo da filantropia quanto os limites da garantia de renda ancorada na aquisição de propriedades ou poupança quando esgotada ou limitada a possibilidade de acesso à renda do trabalho, a existência de um compromisso entre diferentes setores da sociedade em torno da implantação de um regime de solidariedade garantido pelo Estado e tendo como objetivo a redução da vulnerabilidade, da insegurança e do risco da pobreza. 

Vale lembrar que o tema que ocupa o lugar central no debate sobre o formato da proteção social não é o da pobreza em si. O cerne desse debate se refere à questão da integração social nas sociedades modernas, ancoradas, de um lado, na centralidade do trabalho e na criação de riquezas e, de outro, na igualdade política e civil dos indivíduos. 

Numa sociedade com os níveis de desigualdade como a brasileira, o caráter deletério dos interesses privados se aguça devido à escassez das oportunidades e à ampliação das expectativas de consumo, de um lado, e à fragilização do Estado democrático, de outro. 

A desresponsabilização dos atores privados em torno do nível de desigualdades sociais e suas conseqüências (em especial as relacionadas à ruptura dos laços sociais causada pela violência, pelo isolamento social, pela perda de controle de territórios por parte de poderes públicos e sua conquista por poderes privados, mas também pela perda de vínculos estáveis de emprego e ocupação, perda de vínculos familiares ligados à ausência de renda, entre outros) só pode ser combatida pelo exercício do poder público a partir do aprofundamento de um projeto comum que garanta o reconhecimento de direitos e seu efetivo exercício às mais diferentes parcelas da população. 

A proteção social deve ser entendida como uma proteção contra o risco de fragmentação e mesmo de ruptura social que o processo de diferenciação social introduz na medida em que avança. Esse risco é ainda mais presente na sociedade brasileira, pesando, inclusive, sobre a ordem democrática, como já apontou Teresa Caldeira (2000). Em seu estudo sobre a violência de São Paulo, ela nos ensina o quanto “a lógica de um ciclo de violência é o oposto da lógica de uma ordem democrática”. O aumento dos abusos, da privatização da proteção pública e das formas paralelas de vingança privada esvazia a legitimidade do Estado democrático, sua expansão ou consolidação. 

Os ciclos de violência refletem, assim, a incapacidade de certos Estados se estabelecerem como autoridades legítimas, que proveem justiça e garantem o Estado de Direito. O fracasso em consolidar instâncias de mediação legítima dos conflitos esvazia o espaço público e sua capacidade de atuar. A dificuldade de estruturação da ordem pública democrática está, assim, relacionada à manutenção de amplos espaços da vida social na esfera estrita do privado. 

Da mesma forma, pode-se afirmar que a manutenção da resolução dos conflitos distributivos no campo das relações pessoais e dos espaços privados também impacta no esvaziamento do espaço público e de suas instituições. A consolidação de um Estado democrático não pode mais prescindir da garantia, pelo poder público, do exercício e usufruto de direitos, inclusive os sociais. 

O campo da proteção social é o campo da solidariedade social, tendo como finalidade a constituição de um acesso mais igualitário aos recursos coletivos. Institui, assim, valores comuns que possam reunir os indivíduos para além de suas diferenças. 

Esse é um desafio do Estado, mas não apenas dele. Recusar a exclusão social é um desafio que demanda a abertura de um processo contínuo de negociação, onde os diferentes atores estejam presentes em torno dos objetivos da estabilidade, segurança e justiça, e reforçando o sentimento dos indivíduos de pertencimento à sociedade. 

A universalização da cobertura previdenciária deve caminhar para uma integração maior entre o benefício assistencial e o benefício previdenciário nos casos de velhice e invalidez, sob pena de perda de organicidade do sistema. 

A necessidade de aumento no valor do benefício do Programa do Bolsa Família - PBF - tem sido levantada em vários fóruns de debates. Efetivamente, segundo a Pnad, estima-se que em 2006 existiam 21,7 milhões de pessoas vivendo em situação de indigência, ou seja, com uma renda familiar per capita mensal abaixo de ¼ do SM. 

Dada a ampla cobertura do programa e sua boa focalização, reconhecida em diversos estudos e avaliações pode-se sustentar a hipótese de que o baixo valor do benefício não esteja permitindo a saída de um número expressivo de beneficiários da situação de indigência. 

Mais do que necessário, é urgente fazer avançar esse debate, tendo como objetivo reforçar o papel desse novo regime de políticas sociais na ampliação da solidariedade e da inclusão social, que teve seu início exatamente com o Governo de esquerda, mas precisamente com Lula, e que Dilma Rousseff vem ampliando seu alcance no combate a fome, a indigência e a pobreza. 


Fonte: http://www.ipc-undp.org/publications/mds/37M.pdf


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