Hoje, O TEMPO
Cultural. Quando alguém comete qualquer crime, a sociedade pede a prisão por achar que, assim, a justiça será feita. “Existe essa cultura do encarceramento. Mas vamos sofrer muito mais com isso depois. Quem vai para a cadeia volta para a sociedade e, geralmente, volta muito pior”, diz Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária.
Para os dez especialistas ouvidos pela reportagem, o aparato investigativo que se tem atualmente não é capaz de mandar os criminosos considerados perigosos para as cadeias, mas tem transformado os chamados “vacilões” (por terem sido pegos) em bandidos profissionais quando vão para prisões. “Quem vai preso no Brasil é o laranja, o ladrãozinho pé de chinelo, o moleque que furtou o supermercado. São os presos em flagrante. Mas a maioria dos criminosos perigosos surgiu nas cadeias”, aponta o cientista político Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Entre os atuais 54.013 detentos só nas penitenciárias de Minas (excluindo-se as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados - Apacs - e a unidade de Parceria Público-Privada de Ribeirão das Neves), 38,5% foram enquadrados por furto e crimes de menor potencial ofensivo, e outros 32,7% por tráfico de drogas. Já os crimes violentos (assassinato, roubo, sequestro e estupro) representam 27% dos enquadramentos.
Nos próximos três dias, O TEMPO detalhará as deficiências, que deixam a população exposta à violência. Como no caso do jovem citado no início da reportagem, que teve a vida interrompida por assaltantes reincidentes no crime. “Não tem como explicar a nossa dor. O jeito é ‘pegar’ com Deus”, conclui o pai do estudante, que pediu anonimato.
Mais 60 mil estão foragidos
Além dos 63 mil presos que superlotam o sistema prisional mineiro, o Estado ainda tem 60 mil pessoas na lista de foragidos, com mandados de prisões preventivas expedidos pela Justiça, segundo dados do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Se todas essas ordens de prisão fossem cumpridas, a população carcerária dobraria e causaria um colapso ainda maior. “Não temos vagas em Minas nem para os que já estão detidos, e esses números só aumentam a cada ano”, afirma o promotor de Justiça criminal da capital Marcelo Mattar. Em todo o Brasil – que tem 711 mil presidiários – há 373 mil mandados de prisão em aberto atualmente, fruto de uma demanda crescente por encarceramento. Esses mandados muitas vezes não são executados, segundo especialistas, pela falta de vagas no sistema.
O que diz o governo
Vagas. A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) informou, por meio de nota, que o número de vagas em presídios saltou de 6.169, em 2003, para 35.119 neste ano, 469% a mais.
Ranking. A nota destaca que, em ranking nacional feito pelo Ministério da Justiça, em 2012, Minas tem a 11ª “melhor” relação de presos por vagas, ou seja, entre os Estados do país, Minas tem o 11º menor déficit de vagas.
Violência. A Seds avalia também que o Plano Estadual de Defesa Social vem reduzindo praticamente todos os índices de crimes violentos em Minas.
Dentro e fora do ‘cadeião’, eles dão o comando
Engana-se quem pensa que, ao mandar um infrator para a cadeia, crimes e bandidos ficam lá dentro. “O Estado não consegue controlar presídios superlotados e cria um clima favorável à formação de facções. Algumas cidades já sofrem com a violência preparada no interior das penitenciárias”, destaca o juiz Douglas de Melo Martins. Um exemplo é a região metropolitana de Florianópolis (SC), onde uma onda de ataques foi promovida recentemente nas ruas por ordens que partiram de dentro das cadeias.
Em Minas, a Polícia Federal informou que também existem facções nos presídios e que os líderes são monitorados. Os celulares encontrados dentro das penitenciárias são apenas amostras da ferramenta que se tem lá dentro para comandar as ações aqui fora. “Não existe benefício com prisão hoje, e sim mais violência. Quem entra lá é obrigado a participar do crime organizado para sobreviver”, afirma Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária. (JS/LC)
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